Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sobre derrapadas da imprensa

Agradeço ao jornalista Leão Serva a resenha sobre o meu filme O Mercado de Notícias (ver “O mercado de filmes“). Informo que o filme está disponível em DVD e também pode ser visto no NOW, para assinantes da NET.

Comento algumas das observações feitas pelo artigo sobre dois casos tratados no filme.

Sobre o “caso da bolinha de papel” (que atingiu o candidato José Serra na campanha de 2006), o jornalista afirma que “uma coisa mais pesada atingiu o candidato, que entra em uma van e espera a tempestade de objetos passar. As cenas também estão na internet. Mas nada disso aparece no filme. Furtado focou a árvore e omitiu o bosque”.

Nunca vi e, que eu saiba, ninguém nunca viu – e afirmo que a sua imagem não está na internet – a tal coisa “mais pesada” que teria atingido o candidato José Serra. Muitas câmeras filmaram todo o trajeto e nenhuma mostrou objeto algum além da bolinha de papel atingindo o candidato. Contudo, o meu filme não nega a possibilidade de que o candidato tenha sido realmente agredido, depois de ter sido atingido pela bolinha de papel.

O que o filme mostra – e a isso o jornalista não refere em seu artigo – é que a bolinha de papel que atingiu José Serra foi atirada, ao que tudo indica pelas imagens disponíveis, por um de seus próprios seguranças, um membro da sua própria equipe. O fato inquestionável, documentado, a verdade factual, é a bolinha de papel. O tal objeto pesado, que supostamente atingiu o candidato mas ninguém viu e nenhuma câmera registrou, é a árvore errada, para qual muitos jornalistas apontaram, por equívoco ou estratégia eleitoral.

Sem resposta

Sobre o caso do “Picasso do INSS”, o jornalista afirma que “lendo a reportagem da Folha de 7/3/2004, vê-se que não há nenhuma ironia, nem mesmo o governo Lula é apontado como responsável por qualquer coisa relacionada à obra”.

Sugiro ao jornalista que leia – e veja – a reportagem com mais atenção. A capa da Folha, em sua edição de domingo, mostra a foto da supostamente valiosa obra de Picasso ao lado da foto de Lula. A chamada da contracapa é “Decoração burocrata” e repete a imagem de Lula na parede ao lado do suposto quadro de Picasso. E o texto da matéria informa: “Pendurada desde o final do ano passado numa das salas da diretoria do instituto próxima de uma foto do presidente Lula da Silva, a mulher de Picasso ainda aguarda um destino melhor”. O sentido da matéria é mais do que evidente, é gritante: o governo (Lula) ignora o valor de uma verdadeira obra de arte e assim a coloca em risco.

O jornalista afirma que “tampouco há referência [na matéria da Folha] a prejuízos ao erário por incorporar um pôster como sendo obra original de Pablo Picasso”. O raciocínio aqui, me escapa. A matéria da Folha afirma que se trata de uma obra valiosa, menosprezada e maltratada pelo governo Lula. Quem disse que se tratava de um pôster sem valor fui eu, não a Folha.

Sobre a afirmação de que “o filme termina mantendo abertas várias das dúvidas que o cineasta acusa a imprensa de ter deixado antes”, não é verdade. O filme termina com dúvidas inteiramente novas, nenhuma delas levantada pela imprensa, todas levantadas por mim. Quem confundiu o pôster com um original de Picasso? Qual o valor atribuído ao papel impresso no tombo do governo? Depois de revelado o engano – por mim, não pela imprensa –, o que será feito com a reprodução?

Dúvidas, aliás, que continuam sem resposta.

Todas as matérias em que o filme se baseou podem ser vistas aqui:

>> http://www.omercadodenoticias.com.br/

>> http://www.omercadodenoticias.com.br/casos-jornalisticos/

>> http://www.omercadodenoticias.com.br/wp-content/uploads/casos-jornalisticos/picasso-do-inss/picassoinss_01.pdf

>> http://www.omercadodenoticias.com.br/wp-content/uploads/casos-jornalisticos/picasso-do-inss/picassoinss_02.pdf

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Jorge Furtado é cineasta