Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Filmes discutem a ética no jornalismo

Um repórter idealista e um cinegrafista sedento por imagens violentas guiam as tramas de dois filmes sobre jornalismo em cartaz nos cinemas. Mas “O Mensageiro” e “O Abutre” extrapolam, respectivamente, simples retratos para discutir a ética de jornalistas e do próprio público.

No primeiro, baseado em fatos reais, Gary Webb revela que a CIA (inteligência americana) permitia a entrada de cocaína da Nicarágua nos EUA para financiar os Contras, guerrilha anticomunista daquele país latino.

Mas parte dos principais jornais norte-americanos, como “LA Times”, “New York Times” e “Washington Post”, atuou para desacreditar as denúncias desse repórter.

“A tentativa de destruir um jornalista me parece acontecer o tempo inteiro nos programas de TV. Quando alguém faz uma acusação, tudo que os canais de visão oposta fazem é desacreditar a história”, disse Michael Cuesta, diretor de “O Mensageiro”, à Folha.

Já “O Abutre”, que estreia nesta quinta (18), usa a história de um cinegrafista sem limites éticos numa busca por cenas aterrorizantes para questionar: na busca movida po “quanto mais sangue, melhor”, a maior culpada é a mídia ou a própria audiência?

“É um ciclo, mas acho que vem do que nós queremos, da natureza humana. É por isso que você diminui a velocidade quando passa por um acidente. É fascinante e ao mesmo tempo assustador”, afirmou o protagonista do longa, Jake Gyllenhaal, à Folha.

“Acho que isso diz que somos todos um pouco cúmplices dessa história”, completa.

Indicado ao Globo de Ouro de melhor ator de drama, Gyllenhaal perdeu 14 kg para ressaltar as têmporas e os olhos saltados do personagem.

Profissão

O protagonista de “O Abutre” parece levar ao pé da letra o seguinte conselho de uma editora de um canal de TV, vivida por Rene Russo.

“A melhor forma de entender o espírito do que exibimos é pensar em uma mulher gritando enquanto corre pela rua com sua garganta cortada.”

Para Michael Cuesta, diretor de “O Mensageiro” responsável também por episódios da série “Homeland”, seu filme cumpre um papel ao tentar resgatar tardiamente a reputação de Gary Webb, que venceu o Pulitzer pela história e se matou após ter sua credibilidade destruída.

“Acho que o filme mostra que há nobreza na profissão de jornalista e que precisamos de caras como ele. Isso é resgatar a sua proposta, o porquê de ele ter feito o que fez”, afirma Cuesta.

Em 1998, a CIA admitiu que ignorou acusações de que seus parceiros na guerrilha na Nicarágua estavam envolvidos no tráfico para os EUA.

A medida, porém, não teve grande repercussão porque a imprensa estava ocupada com o escândalo Monica Lewinsky, amante do então presidente Bill Clinton.

Para Cuesta, além de brigar por espaço no noticiário com casos mais populares, Webb teria atualmente muito mais dificuldade de sustentar sua investigação por causa da força da internet.

“Hoje, a história de Webb não seria nem impressa no jornal. Não teria a cobertura que teve porque ela seria esmagada rapidamente”, diz.

Outra dificuldade, na avaliação de Cuesta, é a tentativa “cada vez maior” do governo de silenciar delatores que servem de fontes para apurações jornalísticas como essa.

“Veja o caso do [ex-técnico da NSA Edward] Snowden. Ele teve que deixar o país”, cita Cuesta, em referência ao responsável pelo vazamento de dados sobre o sistema de espionagem americano para o jornal inglês “The Guardian” e hoje vive na Rússia.

******

Giuliana Vallone e Isabel Fleck, da Folha de S.Paulo