Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Racismo do corpo perfeito

Na semana retrasada, o portal R7 pediu desculpas à repórter Fernanda Gentil, da Globo, após publicar conteúdo pejorativo sobre seu corpo. A nota dizia que a jornalista virou “a queridinha na época da Copa” e que “um fator que ajudou muito foi sua aparência”. “A jornalista é loura e teoricamente tem um corpão. Teoricamente. Na terça-feira (20/1), Fernanda tirou o biquíni do armário e curtiu uma praia no Rio de Janeiro. A forma física dela é bem diferente do que imaginávamos”, dizia o texto.

O conteúdo virou alvo de críticas nas redes sociais e foi retirado do ar. A jornalista aceitou o pedido de desculpas e, no embalo, revelou que está grávida de dois meses. De maneira sutil, também criticou o portal por preocupar-se com conteúdos desse porte no momento em que “deveríamos estar agindo para que Ricardos e Larissas não voltem a nos deixar tão precocemente” (referia-se ao surfista Ricardo dos Santos, morto por um policial em Santa Catarina, e à menina de quatro anos vítima de bala perdida no Rio).

Fernanda Gentil foi vítima de racismo. Do mesmo racismo insano que ainda separa brancos e negros. Só que renovado: a divisão atual é entre sarados e gordinhos.

Já se notou que em tempos de Instagram e outras redes sociais, a imagem, em muitos casos, tornou-se mais importante que caráter e inteligência. Mas é preciso ir mais longe: o que está ocorrendo atualmente tem a ver com o que houve no século 18, quando se instalou no mundo a política do fazer viver para as pessoas viverem mais, procriarem mais e trabalharem mais para aumentar o consumo na terra.

O racismo biológico

O culto à imagem dos dias de hoje também tem a ver com o evolucionismo de Darwin, que alertava sobre a seleção dos melhores, e com a teoria de Bénédict Augustin Morel, que defende que a mestiçagem degenera a raça (a psiquiatria ainda usa muito essa ideia para explicar mentes criminosas e comportamentos sexuais “anormais”).

No extremo, o que se observa é um racismo promovido pelo Estado: incitando as populações a cuidarem do corpo, a mantê-lo magro e saudável, apto ao trabalho e ao consumo, mais rico e poderoso o Estado será.

O racismo, como observa Michel Foucault, estabelece uma relação outrora guerreira (para viver, é preciso que você massacre seus inimigos) só que em sentido biológico. “Quanto mais as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie, mais eu viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais poderei proliferar.”

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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas