Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Um atraso defendido por muitos

Quanto vale a vida de um ser humano? Dentro de uma visão moralista, religiosa e até filosófica, podemos dizer que uma vida humana é infinitamente importante. Essa concepção presente, mas não predominante, na atualidade é resultado de uma evolução histórica que nos permitiu chegar a um ponto bastante avançado no que diz respeito à defesa dos direitos humanos.

De tempos em tempos, somos sacudidos por algum fato, geralmente destacado fortemente pela mídia, e nos colocamos a pensar sobre como a sociedade está lidando com a problemática do direito à vida.

O último acontecimento marcante foi a execução, por fuzilamento, do brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, na Indonésia. Em 2004, ele tentou entrar no país asiático com 13 quilos de cocaína escondidos em uma asa delta. O brasileiro foi detido no aeroporto, conseguiu fugir e foi preso novamente, sendo condenado à morte pelo crime. Apesar do apelo do governo brasileiro, os indonésios cumpriram a dura lei daquele país e ceifaram a vida de Archer na tarde do sábado (17/01), horário de Brasília.

Na seara dos direitos humanos, algumas questões são levantadas e elas não são simples ou pouco polêmicas. Realmente devem existir leis duras para o crime de tráfico de drogas; afinal essa é uma chaga causadora de diversos males em todo o mundo. Porém, a pergunta que se faz é: Marco Archer mereceu morrer por causa do crime que cometeu? Os outros estrangeiros executados na Indonésia no mesmo dia também mereceram a morte pelo mesmo motivo?

Sociedade deve prezar a vida

Para mim, a resposta é não. Mas muita gente achou justa a punição. Pelo WhatsApp, Facebook, Twitter e outras redes sociais, as pessoas se manifestaram a favor da morte do brasileiro e até comemoraram o fato. O argumento principal é de que Archer prejudicaria a vida de muitos e poderia causar muitas mortes através do tráfico de drogas. Até piadas circularam pedindo a eleição do presidente indonésio, Joko Widodo, em 2018, aqui no Brasil, para que ele implante leis do tipo no nosso país.

No Brasil, a alta da criminalidade e a sensação de insegurança terminam por fazer crescer um sentimento de “cada um por si”. E, na medida em que os criminosos agem desvalorizando a vida, as pessoas passam a se sentir no direito de desvalorizar também. Ao ver o caso da Indonésia, os brasileiros terminam por clamar legislação do tipo para o nosso país, sem notar o quão atrasada é esse tipo de norma.

Nada nos dá o direito de tirar a vida de outro ser humano, a não ser em legítima defesa da sua ou da vida de outrem. Devemos considerar que nos países onde a pena de morte é legal, existem diversas distorções nas quais membros de minorias ou os menos favorecidos economicamente são os mais punidos. No Brasil, um país racista e ainda em desenvolvimento, essas distorções seriam ainda maiores e nada nos garante que a pena capital ajudaria na redução da criminalidade.

Lutemos então por leis mais duras que punam de acordo com a gravidade de cada crime, para que o indivíduo pague pelo que fez e possa se ressocializar, quando for o caso. Não esqueçamos também de pedir o fortalecimento das instituições que garantem a aplicabilidade dessas leis e exigir o fortalecimento de ações sociais, principalmente na área educacional.

A sociedade tem que ser melhor do que o indivíduo e, enquanto ente coletivo, deve prezar pela vida e renegar qualquer tipo de ação que vá em direção oposta a essa premissa.

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Raul Ramalho é jornalista