Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A campanha pró-impeachment e o golpismo conservador

Conforme a realidade nos tem mostrado, os setores mais conservadores da sociedade brasileira ainda não aceitaram a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Logo após a divulgação do resultado do pleito, alegando uma suposta fraude eleitoral, inúmeras vozes se levantaram pela recontagem dos votos. Por sua vez, grupos mais radicais exigiam que a vitória fosse concedida ao candidato derrotado, Aécio Neves, e sugeriram a separação do Brasil entre o “norte petista” e o “sul tucano”. “Acho que o nordeste tem uma solução muito boa para se proteger de todo o ‘preconceito dos coxinhas’: pedido de secessão! Brasil do Norte e Brasil do Sul. Se há uma clara divisão no país, fomentada pelo próprio governo Dilma e o PT, nada mais legítimo do que respeitar a vontade popular e cada parte ser administrada por um partido”, apontou o colunista da Veja Rodrigo Constantino em sua página do Facebook.

Malograda a tentativa de recontagem dos votos, mesmo a nomeação de um ministério altamente conservador não acabou com a perseguição midiática ao governo. Apoiando-se nos casos de corrupção da Petrobras, a campanha pelo impeachment de Dilma tem ganhado cada vez mais consistência. Segundo essa linha ideológica, o simples fato de determinadas condutas ilícitas terem ocorrido durante seu mandato, já seria condição suficiente para a destituição da presidenta, mesmo sem ela ter qualquer relação com tais ações.

Evidentemente, não se trata de relativizar casos de atividades moralmente condenáveis, mas é importante salientar que para a mídia hegemônica os escândalos de corrupção somente estão relacionados à atual gestão federal. Exemplos similares envolvendo políticos da oposição, que também são investigados pela Operação Lava Jato, não são abordados. Segundo o Manchetômetro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos noticiários da Rede Globo relativos à terceira semana do mês de fevereiro foram contabilizadas catorze matérias negativas contra o governo federal e nenhuma neutra. É a seletividade de notícias. Conforme Gramsci já dizia, em épocas de crise das tradicionais organizações partidárias de direita, a grande imprensa assume o papel de principal partido politico das forças conservadoras. Diante dessa realidade, não é por acaso que o acrônimo PIG – Partido da Imprensa Golpista esteja cada vez mais em voga.

Os conservadores não sabem perder

Não obstante, a empreitada midiática contra a Petrobrás também atende a objetivos econômicos: transferir completamente para o capital privado a principal estatal brasileira. Em artigo publicado no jornal O Tempo, Fabio Ostermann, diretor do Instituto Liberal, asseverou que o Estado brasileiro não dispõe de instituições nem da capacidade gerencial para administrar uma empresa do porte da Petrobras. Sendo assim, a empresa deve ser passada para a iniciativa privada, que tem capacidade de conduzir a petroleira. Em suma, essa é a visão do pensamento entreguista: subordinar o Brasil e seus recursos naturais aos interesses das grandes potências mundiais.

Entretanto, a maior esperança da campanha pró-impeachment foi a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados. “Dilma Rousseff acordou com o gosto amargo da derrota. Eduardo Cunha eleito é sinônimo de problemas para o governo. Vem aí a CPI da corrupção. A aposta é de contagem regressiva para o fim da gestão petista. Fontes informam que começaram os últimos 300 dias do governo Dilma”, destacou a TV Veja, em um tom claramente golpista. Em sua coluna no jornal O Globo, Merval Pereira destacou que “o impeachment já se tornou um tema inevitável nas análises sobre o futuro do país e seria hipocrisia tratá-lo como algo que não se deve falar”. Já nas redes sociais, uma falsa frase atribuída a Cunha dizia que, se o povo reivindicasse nas ruas, o presidente da Câmara dos Deputados iniciaria o processo de impeachment. Por fim, manifestações convocadas para o próximo dia 15 de março, contando com mais de um milhão de presenças confirmadas, segundo a revista Época, comprovam que os adeptos do impeachment não vão desistir facilmente de seus delírios antidemocráticos. Entre os nomes que deverão comparecer a esses eventos estão influentes jornalistas brasileiros, como Erick Bretas, diretor de Mídias Digitais da Rede Globo. “Este ano vai ser o das manifestações da direita, pedindo o impeachment da Dilma e o fim da corrupção”, apontou o ativista Luiz Eduardo Oliveira em entrevista à Folha de S. Paulo.

Apesar de não haver fatos ou argumentos jurídicos plausíveis que possam minimamente justificar um pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a adesão de pessoas até então alienadas politicamente à paranoica campanha pela deposição de um governo eleito democraticamente demonstra que a situação começa a ficar preocupante. Ademais, essa tendência golpista também tem ocorrido em outros países: sendo algumas exitosas (Honduras, Paraguai, Ucrânia e Tailândia) e outras em andamento (Venezuela e Argentina). Em uma época de grave crise capitalista, há uma onda internacional pela saída de mandatários que possam representar o mínimo obstáculo para os ditames imperialistas. Desse modo, não é por acaso que o influente jornal Financial Times publicou uma matéria listando dez razões que podem ensejar a queda de Dilma. Seja pela via eleitoral, seja por vias extraparlamentares (mídia, judiciário ou golpe), os setores mais reacionários da sociedade jamais vão querer deixar de influenciar as principais decisões políticas do Estado. Decisivamente, os conservadores, saudosistas de 1964, não sabem perder.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG