Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O silêncio da mídia

O HSBC é um gigante do mercando financeiro mundial, com 254 mil funcionários em 6.200 escritórios e agências em 129 países, somando mais de 52 milhões de clientes no mundo inteiro.

No ranking de 2014 da revista inglesa The Banker, o HSBC, com sede em Londres, aparece como a segunda marca bancária mais valiosa do mundo, no valor de quase 27 bilhões de dólares.

Um poderio que se manifesta também no Brasil, onde o banco assumiu as operações do antigo Bamerindus. Com sede em Curitiba, o HSBC opera em 565 municípios brasileiros com 933 agências, além de quase 500 postos de atendimento bancários e mais de 5 mil caixas automáticos, com uma carteira de 3 milhões de clientes individuais e outros 320 mil como empresas.

Numa instituição tão grande, um passo em falso se transforma em desastre.

O desastre virou um escândalo planetário no início de fevereiro passado, quando o HSBC virou protagonista, na definição do jornal londrino The Sunday Times, da “maior evasão de impostos da História”. A notícia tem como fonte original um especialista em informática do HSBC, o franco-italiano Hervé Falciani, hoje com 43 anos, que o banco havia transferido de Mônaco para sua filial suíça em Genebra. Lá, ele descobriu o método criminoso que ele definiu assim para a revista alemã Der Spiegel: “Bancos como o HSBC criaram um sistema para enriquecer às expensas da sociedade, através da assistência para evasão de impostos e lavagem de dinheiro”.

Procurado pela polícia suíça como “ladrão de dados bancários”, Falciani fugiu para a França em 2008 carregando uma bagagem explosiva: 600 arquivos com mais de 100 GB (gigabytes) de 60 mil documentos de 2006 e 2007 contendo os dados bancários de 106 mil clientes abonados de 203 países, operando uma fortuna de 204 bilhões de dólares através de 20 mil empresas off-shore ancoradas em paraísos fiscais e numa discreta rede de conexões financeiras internacionais.

Especialistas da Direção Nacional de Investigações Tributárias da França começaram a decifrar os dados codificados fornecidos por Falciani, depois compartilhados com autoridades do Reino Unido, Itália, Espanha, Bélgica e Grécia. Em 2012, Falciani depôs ante um subcomitê de investigação do Senado dos Estados Unidos, mais preocupado com a eventual ramificação da lavagem de dinheiro com o terrorismo. A investigação do Congresso só não evoluiu porque, em julho de 2013, o HSBC aceitou pagar uma multa de 1,9 bilhão de dólares para não ser levado a juízo nos Estados Unidos pela acusação de lavar dinheiro para os cartéis latino-americanos das drogas.

Até que os arquivos explosivos de Falciani chegaram às mãos do mais importante jornal da França, o Le Monde.

O Brasil no topo

A dimensão planetária da denúncia sobre o HSBC era tão massiva que levou o jornal Le Monde a abrir mão da exclusividade do material de Falciani e pedir ajuda na investigação ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos – ICIJ, na sigla em inglês –, uma rede global de 185 profissionais de investigação espalhados por 65 países. Concluído o trabalho, o material foi repassado pelo ICIJ a grandes jornalistas de jornais importantes do mundo inteiro.

E o que isso tudo tem a ver com o Brasil? Tem tudo a ver.

A denúncia contra o HSBC mostrou o Brasil no topo da cadeia criminosa. Na lista revelada por Falciani, estão 8.667 brasileiros que respondem por 6.606 contas que movimentaram ou depositaram ali, entre 2006 e 2007, cerca de 7 bilhões de dólares.

Em número de clientes endinheirados do HSBC, o Brasil ocupa um destacado quarto lugar, superado apenas pela Suíça (11.235 nomes), França (9.187) e quase empatado com o Reino Unido (8,844). Em volume de dinheiro depositado, o Brasil conseguiu sua vaga no Top Ten do ranking: é o nono colocado, acima de potências de milionários como Arábia Saudita (11º lugar) e de notórios paraísos fiscais como Ilhas Cayman (15º), Ilhas Virgens Britânicas (17º), Luxemburgo (24º), Liechtenstein (27º) e Jersey (34º).

Em reais, isso representa uma quantia equivalente a 20 bilhões de reais, exatamente o que o governo Dilma Rousseff pretende arrecadar com o pacote de maldades que resume o ajuste fiscal desenhado pelo ortodoxo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

O conteúdo dos documentos do HSBC ganhou as manchetes e os espaços da grande imprensa no mundo, sob a grife de “SwissLeaks”.

O Le Monde, durante dois dias seguidos, dedicou vinte páginas para o assunto. O escândalo ganhou a primeira página de jornais importantes como o Financial Times, na Inglaterra, e o The New York Times, nos Estados Unidos. Hervé Falciani, o pivô da denúncia, ganhou a capa da revista L’Express, o mais importante semanário francês, como “O homem que faz tremer o planeta”.

No Brasil, estranhamente, o “SwissLeaks” do HSBC mereceu um estridente silêncio da grande imprensa. Apesar do volume de dinheiro envolvendo brasileiros, que rivaliza com as falcatruas descobertas pela Operação Lava Jato, o assunto ficou pendurado em notas modestas, quase envergonhadas, penduradas em lugares discretos da primeira página ou escondidas nas páginas internas.

Nota seca

Apesar do evidente interesse público de um assunto tão polêmico e bilionário, a pauta do “SwissLeaks” vaza na imprensa brasileira pelo esforço quase solitário de blogs e blogueiros desvinculados da grande mídia. Blogs como Megacidadania e O Cafezinho, sites como Brasil247 e Diário do Centro do Mundo ou blogueiros como Miguel do Rosário e Luís Nassif vasculham e revelam dados que não se vê, nem se lê nos grandes veículos de comunicação.

Na terça-feira (17/2), o site Jornal GGN, de Nassif, repassou uma informação de um jornalista de Hong Kong, na China, que conseguiu descobrir os nomes e endereços de 93 contas da lista do HSBC relacionadas a brasileiros. Uma ninharia perto dos quase 9 mil brasileiros que fazem parte desta listagem ainda inédita.

Para milhões de brasileiros, o Jornal Nacional, da Rede Globo, ainda é a única, talvez a mais importante fonte de acesso às notícias do país e do mundo. No sábado (21), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou que o HSBC entrou em sua alça de mira. Esta decisão mereceu do JN daquela noite uma nota seca, de apenas três frases e 59 palavras, lidas em 25 segundos pela apresentadora do telejornal, sem qualquer imagem:

“A Procuradoria Geral da República abriu investigação para apurar se brasileiros mandaram dinheiro ilegalmente para a Suíça, no caso que ficou conhecido como SwissLeaks. De acordo com a Associação Internacional de Jornalistas (sic), o banco HSBC teria ajudado clientes a esconder bilhões de dólares entre 2006 e 2007. Entre os investigados estão acusados da Operação Lava Jato”.

E mais não disse, nem mostrou o Jornal Nacional.

Nesse imenso cone de silêncio sobre questão tão grave, é ainda mais surpreendente que uma lista tão importante seja de conhecimento de um único jornalista brasileiro, Fernando Rodrigues, do portal UOL. Membro no Brasil do ICIJ, que espalhou a lista pelo mundo, Rodrigues é um renomado profissional, vencedor por quatro vezes do mais importante troféu da imprensa nacional, o Prêmio Esso – um sobre a compra de votos para a emenda da reeleição inaugurada por Fernando Henrique Cardoso, outro sobre a criação do banco de dados “Controle Público”, com a declaração de bens de seis mil políticos brasileiros. O UOL é o portal de maior conteúdo da língua portuguesa no mundo, com mais de 1.000 canais de notícias e sete milhões de páginas com quase sete bilhões de acessos a cada mês.

Apesar dessas honrosas credenciais, o jornalista e o portal não revelam a íntegra da lista com os nomes de brasileiros. Apenas 11 nomes do HSBC, todos ligados à corrupção na Petrobras investigada pela Lava Jato, foram apontados. A política editorial que explica esta revelação seletiva foi assim justificada pelo exclusivo detentor da lista brasileira: “A lista completa nunca será publicada? Não, pois seria uma invasão de privacidade indevida no caso de pessoas que podem ter aberto contas no exterior de boa fé, respeitando a lei e pagando impostos. O ICIJ vai publicar algum dia todas as informações? Não”, antecipa Rodrigues, frustrando quem imaginava ver luz sobre este breu financeiro.

A história dos anônimos

O jornalista adianta, sem dar nomes, que há uma minoria de pessoas conhecidas – empresários, banqueiros, artistas, esportistas, intelectuais – e garante que a imensa maioria dos brasileiros da lista do HSBC é “desconhecida do grande público”. Seria gente anônima, portanto.

É bom lembrar que pessoas anônimas também fazem história. No passado recente, dois anônimos, desconhecidos do grande público, vieram à luz para mudar o destino e a biografia de pessoas importantes de nossa República.

O motorista Eriberto foi crucial no desfecho das investigações que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor. O caseiro Francenildo foi decisivo no caso que culminou com a demissão do ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

O jornalista Fernando Rodrigues avisou na quinta-feira (12/2), sem esclarecer, que “uma fração mínima de nomes sobre os quais há alguma suspeita foi mostrada ao governo, de maneira reservada”. No dia seguinte, sexta, Rodrigues foi um pouco mais claro: ele forneceu em novembro passado, sob “reserva”, uma amostra de 342 nomes de nomes de brasileiros do HSBC ao Conselho de Atividades Financeiras (COAF), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O COAF respondeu que apenas 15 daqueles nomes indicavam possível atividade criminosa, como corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.

O país continua sem saber quem são os 15 nomes suspeitos, ou os 342 da amostra, ou os 8.667 nomes da lista brasileira integral.

Este caso do HSBC é importante demais para ficar restrito à decisão pessoal, privativa, seletiva, monocrática de um único jornalista, de um só blog, de apenas um veículo poderoso da internet.

O dinheiro sonegado e subtraído ao Brasil e aos brasileiros não pode ser envolvido pelo segredo, pelo sigilo, pela impunidade que todos combatemos.

Em 2010, os super-ricos brasileiros somavam cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais, segundo um estudo feito por James Henry, ex-economista-chefe da Consultoria McKinsey, e encomendado pela Tax Justice Network. O estudo cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do FMI, do Banco Mundial e de governos nacionais.

A taxa de sonegação nacional, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), atingiu R$ 415 bilhões em 2013, cerca de 10% do PIB brasileiro, a soma de todas as riquezas produzidas pelos brasileiros honestos.

Nada disso foi publicado nos nossos grandes veículos da mídia. Saiu num pequeno blog de nome sugestivo – Limpinho & Cheirosinho – e com um slogan veemente: “A gente resiste, insiste e não desiste”.

Quero ser leal a este lema inspirador: não vou desistir e vou insistir na revelação integral dos nomes desses 8 mil brasileiros, justa ou injustamente envolvidos com a denúncia sobre a maior evasão de impostos da História.

Estou requerendo às autoridades do meu País as informações que todos nós, brasileiros, merecemos e ainda não recebemos.

Ao Ministério da Fazenda, a quem está subordinada a Receita Federal, e ao Ministério da Justiça, a quem se reporta a Polícia Federal, estou solicitando informações sobre os nomes e as condutas ilícitas supostamente imputadas aos brasileiros do HSBC.

Queremos saber quais as providências e medidas tomadas no âmbito do Governo Federal para dar ao País a satisfação que exige a opinião pública brasileira.

O dever dos jornais

Mas, quero ir além destes requerimentos. Na condição de Senador da República e de cidadão brasileiro, quero fazer um apelo público aos jornalistas e aos empresários de comunicação, para que se unam a nós em defesa da livre expressão e da absoluta transparência num caso de repercussão internacional que, para os brasileiros, ainda aparece nebuloso, pouco informado e nada claro.

Conclamo aqui os jornalistas e os empresários da mídia, patrões e empregados – reunidos em torno da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) e da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que defendem juntos a livre informação e combatem qualquer tipo de censura –, para que juntem seus esforços e emprestem seu prestígio para quebrar este cone de silêncio que paira sobre a lista de brasileiros passiveis de investigação nos arquivos do HSBC.

É um apelo que estendo ao jornalista Fernando Rodrigues, ao portal UOL e ao ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), na pessoa de seu diretor-geral, Gerard Ryle, a quem estarei me dirigindo formalmente, via internet.

É oportuno, aqui, repetir as palavras candentes de um dos mais importantes jornalistas britânico, Peter Oborne, o veterano comentarista-chefe de política do jornal conservador Daily Telegraph, que se demitiu publicamente de seu posto na semana passada, esclarecendo logo na primeira frase: “A cobertura do HSBC no Telegraph é fraudulenta com seus leitores”. As palavras a seguir de Peter Oborne devem servir de inspiração para todos nós, políticos e jornalistas, que acreditamos na livre expressão e na transparência como primados de uma sociedade democrática:

Ensina Oborne:

“Uma imprensa livre é essencial para uma democracia saudável. Há um propósito no jornalismo, é não é só entreter. Não deve ceder ao poder político, grandes corporações e homens ricos. Os jornais têm o que no final das contas é um dever constitucional de dizer a seus leitores a verdade”.

Que assim seja!

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Randolfe Rodrigues é historiador e senador pelo PSOL do Amapá