Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A tensa relação do Facebook com as operadoras de telefonia móvel

A tensa relação do Facebook com as operadoras de telefonia móvel Mark Zuckerberg diz que sua missão é conectar mais bilhões de pessoas à internet. Mas as empresas de telecomunicações que constroem redes nos cantos mais remotos do mundo estão mais propensas a considerar o Facebook um problema.

Elas argumentam que gigantes da internet como Facebook Inc. e Google Inc. estão obtendo lucros invejáveis às suas custas. Essas empresas de internet oferecem aplicativos que permitem aos usuários fazer chamadas telefônicas e enviar mensagens de texto gratuitamente, dispensando os serviços das operadoras. As empresas de internet também lucram com o tráfego de seus anúncios publicitários. As operadoras alegam que essa estratégia subverte a lógica econômica que torna viável o investimento em infraestrutura de internet.

“Mark Zuckerberg é como o cara que vai à sua festa e bebe o seu champanhe, beija suas mulheres e não traz nada”, diz Denis O’Brien, presidente do conselho de administração da Digicel Group, uma provedora de serviços de internet sem fio em 33 países do Caribe, América do Sul e outras regiões. O Google, acrescenta ele, ganha “bilhões de dólares com publicidade e não paga um centavo. Acho que é o modelo de negócio mais extraordinário da história moderna”.

Essas tensões estiveram novamente à mostra ontem no Congresso Mundial de Telefonia Celular, um evento anual que está sendo realizado nesta semana em Barcelona. Zuckerberg participou de um painel com executivos de três operadoras – Telenor Group, Millicom International Cellular SA e Airtel – que vêm permitindo que assinantes usem gratuitamente o Internet. org, um aplicativo desenvolvido pelo Facebook que inclui acesso a conteúdos locais e uma versão simplificada da rede social.

Jon Fredrik Baksaas, diretor-presidente da norueguesa Telenor, que tem operações na Escandinávia, Leste Europeu e Ásia, disse a Zuckerberg no palco que a compra do popular app de mensagens WhatsApp pelo Facebook no ano passado, por US$ 19 bilhões, foi “um ponto de tensão”, já que mensagens de texto ainda são uma importante fonte de receita das operadoras.

Zuckerberg, por sua vez, adotou um tom conciliador, dizendo que a única maneira de expandir o acesso à internet é fazer a receita das operadoras crescer também. “É muito importante não perder de vista o fato de que as empresas que estão realmente liderando isso [a expansão da internet] são as operadoras”, disse ele, acrescentando que a construção de redes celulares é “um trabalho caro”.

Ele reconheceu a ameaça dos apps de mensagens à receita das operadoras e disse que, por isso mesmo, o Internet.org não permite a realização de ligações telefônicas via internet. De fato, o Facebook afirma que tem tentado trabalhar com empresas de telecomunicações para descobrir formas de ganhar dinheiro dos dois lados.

O Google, por sua vez, informa que está trabalhando em tecnologias para tornar o acesso à web mais barato, como oferecer internet via balões de ar quente. Uma porta­voz do Google apontou um estudo da firma de pesquisa Analysis Mason que mostra que as empresas de internet investem globalmente US$ 35 bilhões por ano em infraestrutura, como os cabos submarinos que ligam as redes de comunicação.

Ponto máximo

Tensões entre as empresas de internet e a indústria de telecomunicação não estão limitadas às margens do mundo conectado. As operadoras europeias frequentemente se queixam que empresas como o Google estão pegando uma carona gratuita. Nos Estados Unidos, as operadoras perderam uma guerra importante sobre a neutralidade da internet na semana passada, quando a Comissão Federal de Comunicações decidiu considerar as redes celulares como utilidades públicas.

Mas o problema é especialmente sério no mundo em desenvolvimento, onde operadoras ganham menos com serviços de internet sem fio e ainda dependem muito dos serviços de telefone e mensagens para gerar receita.

O Facebook afirma que pode ajudar a fazer mais pessoas se conectarem sem a necessidade de construir mais infraestrutura. Segundo a empresa, mais de 90% da população mundial já vive em áreas alcançadas por algum tipo de sinal de internet, mas, ainda assim, apenas um terço dessas pessoas usa a internet porque a maioria não entende o seu valor. A rede social defende que a melhor maneira de demonstrar os benefícios da web é as operadoras deixarem seus clientes acessarem o Facebook de graça.

O Facebook fechou uma série de acordos desse tipo ao longo dos últimos anos. Outras empresas de tecnologia, do Twitter Inc. à Spotify AB, seguiram o exemplo na esperança de que seus aplicativos chegassem a mais pessoas, sem que essas tivessem de pagar por serviços de dados. Esses acordos são particularmente importantes para as perspectivas do Vale do Silício no mundo em desenvolvimento. Empresas como o Facebook esperam expandir seus negócios para bilhões de novos usuários da internet na próxima década.

Mas o ritmo do surgimento de novos internautas parece estar diminuindo. A taxa de crescimento anual composta de usuários da web no mundo todo caiu p ara 10% entre 2009 e 2013, ante 15% nos três anos anteriores, segundo a consultoria McKinsey & Co. Essa taxa pode desacelerar ainda mais à medida que mais residentes das áreas urbanas mais ricas dos países em desenvolvimento se conectam.

Há cinco anos, o Facebook pediu que as operadoras oferecessem o Facebook Zero, uma versão mais enxuta da rede social, que consome menos dados. A Millicom International Cellular SA foi uma das primeiras a aceitar.

Mario Zanotti, principal executivo da operadora na América Latina, disse durante o painel de ontem [segunda, 2/3] que as operações da empresa na Tanzânia registraram um aumento de dez vezes nas vendas de smartphones desde que lançou o Internet.org.

Anteriormente, o executivo havia dito que a Tigo, operadora da Millicom no Paraguai, ofereceu a seus clientes acesso gratuito ao Facebook por seis meses, em 2013, e ampliou em 30% o número de usuários de dados móveis. Quatro de cada dez desses novos usuários depois pagaram para assinar o serviço de internet, disse Zanotti.

“Ainda há muita pessoas que nunca experimentaram a internet”, disse ele. “Trata­se de oferecer a elas uma demonstração.” Mas o número de novos usuários da Tigo atingiu um limite depois de três ou quatro meses. “Você chega a um certo ponto em que a sua penetração [na internet] não cresce mais”, disse.

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Ryan Knutson e Sam Schechner, do Wall Street Journal