Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo de orelhada

Artigo publicado por Felipe A.P.L. Costa, neste Observatório, sobre possível fim da versão impressa da revista Ciência Hoje (ver “Fim da ‘CH’? Seria uma perda irreparável“), do Instituto Ciência Hoje (ICH) em que ele se refere a Scientific American Brasil, pede algumas considerações, por imprecisões e improcedências que podem confundir os leitores.

Inicialmente, Costa diz que “em 3/2, por meio de uma mensagem de correio eletrônico de um colega jornalista, fiquei sabendo da decisão do Instituto Ciência Hoje de suspender a publicação da versão impressa da revista Ciência Hoje”.

A mensagem, segundo Costa, foi assinada pelo físico Alberto Passos Guimarães Filho, diretor-presidente do ICH.

A editora de Ciência Hoje, Alicia Ivanissevich, em comentário no pé do artigo de Costa, neste mesmo Observatório, refuta a versão dele ao dizer: “Informo que a revista Ciência Hoje continua sendo impressa, apesar das dificuldades econômicas que atravessa”.

A primeira questão num caso como este, numa abordagem de jornalismo responsável, teria sido procurar o diretor-presidente do ICH e ouvir a versão que ele tem para o caso, em lugar de simplesmente basear-se numa fonte indireta e levar o assunto avante.

Talvez seja necessário considerar, no entanto, que um comportamento básico como este soe como luxo dispensável num jornalismo rarefeito, baseado em expressões como “parece que”, entre outras inconsistências.

Caso esse cuidado tivesse sido adotado, as coisas poderiam ser mais simples. Até porque, no texto atribuído a Guimarães Filho, e reproduzido no artigo, a certa altura está escrito que: “como um dos membros fundadores, e atual diretor-presidente do Instituto, vou continuar me empenhando para que o ICH possa seguir em sua missão pela divulgação científica e pela educação, distribuindo milhões de revistas e instigando novas gerações de crianças e jovens”.

Em outro trecho Guimarães Filho diz, segundo Costa: “diante da crise, tomamos, no fim de 2014, a difícil decisão de não mais produzir Ciência Hoje impressa, mantendo apenas a revista digital, a menos que alguma instituição próxima cubra os cursos de impressão, em troca de assinaturas da revista…”

Em seguida, acrescenta, ainda segundo Costa “solicitamos apoio para a impressão à UFRJ e à UFMG, duas universidades com as quais temos uma tradição de colaboração; ainda não temos uma resposta definitiva”.

O diretor-presidente do ICH está dizendo que a revista impressa vai fechar, ou alertando para a possibilidade de isso ocorrer e, neste sentido, pedindo socorro para que não ocorra?

A pergunta faz sentido porque não é a primeira vez que se adota uma postura como essa (pedido de socorro) para que Ciência Hoje impressa siga em frente, em lugar de ser, como se costuma dizer agora, “descontinuada”.

Luxo teórico

A partir de Ciência Hoje Costa passa para Superinteressante, título publicado pela Editora Abril e se refere a ela como “o lixo que a Abril publica (…) que vendia, em 1995, algo próximo de 400 mil exemplares por mês”.

O título da Abril, e não estou aqui para defender ou atacá-lo, é de outra ordem. Trata-se de uma publicação, de que pode-se gostar ou não, mas voltada a um público completamente diferente do visado por Ciência Hoje, Scientific American Brasil ou mesmo Pesquisa Fapesp.

O que temos aqui é um título voltado para atender demandas de um público de segundo grau, que se introduz no universo da ciência e que pode, evidentemente, ser melhorado.

Qualquer publicação pode ser melhorada, se houver condições objetivas para isso. Mas não creio que Superinteressante possa ser a sumariamente classificada como “lixo”.

Na verdade, não podemos nos dar ao luxo de exclusões dessa natureza, levando em conta a carência de divulgação científica no Brasil.

Em meio a uma infinidade de “chutes”, palpites e considerações que só fariam sentido a partir de dados, levando-se em conta questões de logística (extremamente complexas) como distribuição de periódicos e uma crise de identidade que se abate sobre a mídia impressa, daí uma banalização generalizada de conteúdo, Costa dá uma receita simplista para uma cozinha que, na realidade, é complexa e desafiadora.

Minha questão, no entanto, não está ligada diretamente ao fechamento ou não de Ciência Hoje, o que espero, evidentemente, que não ocorra. E, se, de fato lamentavelmente vier a ocorrer, deve merecer uma reflexão profunda, envolvendo a história da ciência no Brasil, pelo fato óbvio de a divulgação não poder ser desvinculada da produção de ciência.

Admito a possibilidade de esse último raciocínio ser um segundo ou terceiro exemplo de luxo teórico: buscar as razões que expliquem determinados fatos, ocorridos tanto na Natureza quanto na realidade social, o que nos leva de volta a um contexto histórico e não a um alinhamento desordenado e confuso de fatos.

Fazer científico

Minha questão diz respeito à referência que Costa faz ao mencionar a Scientific American Brasil,quando diz: “CH não é apenas a mais antiga, mas também a mais importante revista de divulgação publicada no país. Ainda que Scientific American Brasil costume ser lembrada como outro veículo especializado relevante, há diferenças fundamentais entre as duas revistas”.

Então, lapida a joia de sua reflexão com a profundidade de um pires: “No caso de SAB (sic) boa parte dos artigos é escrita por cientistas estrangeiros e, o que é pior, a revista parece não aceitar manuscritos espontâneos para avaliação, publicando apenas artigos encomendados”.

Desse trecho inteiro devo reconhecer um único fato procedente: de fato não aceitamos manuscritos, ou seja, artigos escritos à mão, significado etimológico de manuscrito. Mas somos abertos a textos produzidos, por exemplo, em PCs.

Mas como justificar a expressão “parece não aceitar”?

As coisas, em termos razoáveis, o que inclui um raciocínio como este, são ou não são. E neste caso absolutamente não são.

Ao contrário do que escreve Costa, aceitamos, sim, oferta de artigos, desde que produzidos por pesquisadores com título mínimo de mestrado. Se ele tivesse tido o trabalho de usar o telefone para se informar sobre isso, teria economizado tempo e informado corretamente os leitores do Observatório.

Aceitamos, também, textos de qualidade, produzidos e oferecidos por jornalistas – caso, por exemplo, de Cassio Leite e Adalberto Marcondes, entre outros profissionais bem qualificados profissionalmente.

Quanto a publicarmos artigos produzidos por “cientistas estrangeiros”, o que sugere um discurso subliminar, talvez Costa deva saber que Scientific American, fundada pelo inventor e publisher Rufus M. Porter, em 1845 (completa este ano 170 anos), é publicada hoje em 19 países, entre eles o Brasil.

E, aqui, traz um aporte de ciência produzida em escala internacional, o que, em conjunto com Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp, entre outros, por exemplo, oferece uma visão extensa e minuciosa sobre o fazer científico, desejável de ser conhecido pelo conjunto da sociedade brasileira.

Essa razão, entre outras, justifica o receio pelo desaparecimento da versão impressa de Ciência Hoje.

Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

E convém que isso fique bem claro.

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Ulisses Capozzoli é editor-chefe da Scientific American Brasil