Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Adeus, Don Draper

Serão sete episódios. Aí, acaba. Desde 2007, quando a série foi ao ar pela primeira vez, já se passaram 85 capítulos de uma hora cada. Seis temporadas de 13. A sétima foi dividida em dois anos para estender ao máximo a aflição, mas também o prazer. Até um quê do lucro. Em 2014, foram ao ar sete. Agora, virão os últimos. “Mad men” está para acabar.

Passada num período que vai de finais dos anos 50 a princípios dos 70, “Mad men” é de muitas formas um pedaço definitivo da vida digital. Não só ela: muitas das séries dramáticas produzidas nos EUA e no Reino Unido nos últimos anos o são. Mas, a seu jeito, “Mad men” cala mais fundo.

Séries deram um salto pela confluência de fatores que ocorriam nos EUA em finais do século XX. A crise bateu duro tanto nas grandes redes de TV — CBS, NBC e ABC — quanto em Hollywood. A solução oferecida pela indústria, em ambos os casos, veio na forma de cortes, principalmente do tipo de gente com talento que custava mais caro. Na planilha, ficou azul que só.

A internet ainda era jovem, mas já se ensaiava como ameaça futura. A indústria musical, primeira a ser pega pela pirataria, mostrava a perspectiva de tempos negros. Mas, no caso do vídeo, houve uma diferença. Na TV paga, pequenos canais buscavam formas de se destacar. E, no mercado, havia gente desempregada com talento de sobra.

A diferença das novas séries se mostrou em muitas formas. Uma, tecnológica. Novas televisões com telas planas, alta resolução e proporção retangular permitiam uma fotografia só antes vista no cinema. Da iluminação ao enquadramento. A qualidade da imagem permitia aos atores interpretações mais sutis, sem o exagero típico da TV de baixa resolução. Mesmo sem saber o que há de diferente, o espectador percebe o salto.

Contraste agudo

Se as novas possibilidades dão forma, o que faz conjunto é o texto. A era da TV de autor. E o autor é o roteirista. Na busca de algo novo, os pequenos canais permitiram a gente que sempre fora refém de fórmulas repetidas experimentar. Daí surgiu algo que nem o cinema conseguira fazer, coisa que só a literatura permitia: as histórias de longo arco.

No caso de “Mad men”, o autor é Matthew Weiner, um sujeito respeitado o bastante como escritor para ser entrevistado pela “Paris Review”, a revista que, lançada em 1953, conversou com todos os grandes escritores que pegou em vida. De Ernest Hemingway a T. S. Eliot. Weiner vinha da experiência de ter trabalhado em duas temporadas de “Família Soprano”, quando imaginou sua história com um publicitário de Nova York na era de ouro da propaganda.

Não é só a tecnologia dos aparelhos de TV que influencia o consumo dessa nova arte. É também a compra via streaming ou download, que permite ao espectador ver tantos capítulos quanto desejar em sequência. Este novo jeito de ver é o que une literatura a cinema na televisão. É onde os longos arcos passam a fazer sentido. E a evolução de personagens, suas viagens pessoais, se mostram mais ricas.

Há os devotos de “Família Soprano”, os de “Breaking bad”, os de “Game of thrones” e os de “House of cards”. Gosto de todas. Mas nenhuma tem um protagonista introspectivo como Don Draper de “Mad men”. Um sujeito cuja angústia interior está sempre em contraste agudo com sua agitação exterior. A ação em “Mad men” é toda interna. E que trilha, que figurinos, que cenários, que fotografia ao redor. No tempo digital, inspira a nostalgia lenta de uma vida tão de há pouco, tão analógica. Que pena: vai acabar.

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Pedro Doria, do Globo