Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma quase-tragédia e os senões na cobertura.

# Nas suas edições de quinta-feira, 10/10, quando começaram a tratar do acidente cirúrgico ocorrido com a modelo Cláudia Liz, dois jornalões, o JB e o Estadão, omitiram o nome da clínica particular onde a modelo foi internada. Trata-se da Clínica Santé (a mesma onde a mulher do jogador Dario Pereyra morreu em 1994, como conseqüência de perfuração no intestino durante igual lipoaspiração). A simples reincidência torna obrigatória a menção do nome da instituição. 

# O anestesista, aparentemente responsável pelo acidente, só foi localizado no domingo quatro dias depois de divulgada a ocorrência e pelo Fantástico, programa que combina jornalismo e espetáculo. 

# Até a publicação das primeiras notícias que davam conta da recuperação da paciente (domingo, 13, e segunda-feira, 14/10), nenhum jornal procurou explicar aos leitores os procedimentos médicos em curso. Até então, esmeraram-se na terminologia médica (hipoxia cerebral), nos abundantes infográficos (preconizados pela escola de Navarra – "uma imagem vale por mil palavras"), mencionou-se que a paciente estava sedada (o que levou o apresentador Boris Casoy a falar em "morte cerebral"), mas ninguém perguntou a algum neurocirurgião sobre as técnicas hoje correntes de aprofundar o estado de coma para dele mais facilmente sair. Daí o tom de "milagre" adotado por todos quando vieram as informações da recuperação. 

As redações continuam carentes de jornalistas com treinamento científico e/ou dotados de curiosidade para perguntar. 

# No domingo, 13/10, a Folha publicou um elaborado editorial (pág. 2) falando no culto do corpo, na lógica perversa do negócio da moda, no papel da mídia e no utilitarismo mercadológico. Pergunta-se: a Folha não faz parte desta mídia? Resposta na página anterior (a própria capa do jornal), no texto-legenda sobre a nova moda paulista, inspirada em filme de Demi Moore, em que as mulheres fazemstriptease para estimular sexualmente os parceiros. 

É neste "jornalismo de comportamento", vazio e frívolo, ditado pelo mercado e pelas falsas sondagens de opinião, que está sendo treinada toda uma geração de jovens profissionais e que se inspira uma classe média vazia e frívola, incapaz de perceber a proximidade das tragédias.