“A nata dos colunistas da Folha se mobilizou para responder aos comentários anti-Lula que surgiram na internet com a divulgação de que o ex-presidente tem câncer. Gilberto Dimenstein, Clóvis Rossi, Elio Gaspari, Eliane Cantanhêde, Hélio Schwartsman, Ricardo Melo e Barbara Gancia escreveram a respeito na semana que passou.
A onda foi percebida por Dimenstein, que disse estar envergonhado com as ofensas veiculadas. ‘A interatividade democrática é, de um lado, um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta para o esgoto do ressentimento e da ignorância’, escreveu.
Na mesma linha, Cantanhêde pediu aos internautas que ‘parem com isso!’ e Clóvis Rossi, no seu blog no ‘El País’, identificou um ‘brutal surto de preconceito, de origem social’. O chargista Benett retratou o cérebro de um comentarista de blog com perversidade, rancor e ignorância.
A coluna da vergonha de Dimenstein teve repercussão impressionante: 7.760 comentários até sexta-feira, recorde na Folha.com.
A doença de Lula mostrou ser nitroglicerina já no sábado, quando a notícia saiu nos sites. Diante dos primeiros posts em tom agressivo, a Redação decidiu proibir todos os comentários. A partir de segunda-feira, foram liberados, mas passando antes pela moderação.
A Secretaria de Redação explica que censura os posts ‘que quebrem ou incitem à quebra de alguma lei, que incidam em calúnia, injúria ou difamação ou que sejam preconceituosos e racistas’.
A reação dos colunistas provocou uma resposta de leitores que não se consideram ‘o tipo funéreo de paulista’ que não aguenta ‘essa gente que lota os aeroportos e não quer trabalhar como empregada doméstica’, como definiu Barbara Gancia.
‘O Gilberto generalizou, disse que as pessoas queriam o mal para o Lula. Não é meu caso, sempre votei no PT e continuo votando, apesar de terem acontecido muitas coisas no governo dele com as quais eu não concordo’, explica a engenheira Maria Marta de Castro Rosas, 53, do Rio de Janeiro, cujo filho se curou de uma leucemia há pouco tempo. Ela acha que o ex-presidente no SUS ajudaria a ‘alavancar a saúde pública no país’.
O publicitário Sérgio Storti, 62, de São Paulo, ficou revoltado com a coluna de terça-feira de Schwartsman, que liga as manifestações de intolerância na internet a patologias do pensamento de grupo.
‘Quem outorgou ao comentarista o título de juiz da humanidade? As pessoas estão se expressando da forma que lhes cabe e é permitido’, escreveu Storti, que acha Lula um ‘desastre’.
Seria preciso uma pesquisa com os internautas para entender quantos simplesmente destilam ódio pelo ex-presidente e quantos cobram dele uma suposta coerência política. É difícil separar o ‘joio do trigo no meio do barulho midiático’, apontou acertadamente Ricardo Melo na quinta-feira.
Notável é a dificuldade dos colunistas de conviver com o seu novo público. No impresso, a reação ao que se escreve é escassa e pode demorar dias. O ‘Painel do Leitor’ recebe, em média, 2.500 mensagens por mês. Já na Folha.com, foram mais de 200 mil comentários em setembro. Para opinar, o leitor do papel precisa entrar no e-mail e redigir um texto curto e objetivo se quiser vê-lo publicado no dia seguinte. Na internet, basta clicar abaixo da notícia e soltar os cachorros (tomando o cuidado para driblar algumas palavras ofensivas que estão nos filtros automáticos).
Os comentários on-line são mais agressivos, precários e, muitas vezes, insultuosos. Houve sim uma abjeta comemoração com a dor do ex-presidente. Mas é preciso passar a barreira da indignação e, com sangue-frio, tentar perceber tendências, entender comportamentos e vislumbrar o que passa pela cabeça de parte do público que nos lê.
Generalizar, julgar ou ofender, mesmo que de forma sofisticada (‘face feia da natureza humana’, ‘covardes escondidos atrás do anonimato para passarem por leões’), não ajuda em nada essa interação que o tempo das redes sociais impõe aos jornalistas.”