Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mulher na imprensa: discriminação ou emancipação?

Na história da humanidade, a mulher foi, frequentemente, alvo de preconceitos. A figura feminina, até a década de 1960, era vista, exclusivamente, como protetora dos interesses do lar, cabendo à mulher as tarefas de manter a casa limpa, passar boa parte do dia em frente ao fogão e zelar pela saúde do marido e dos filhos. Vítima de uma cultura machista, consagrada e enraizada socialmente – que delega ao homem a missão de exercer o papel de ser pensante e mantenedor financeiro do lar e à mulher o de obediência e de cumpridora de deveres determinados pelos representantes do sexo masculino –, demorou a se emancipar.

O movimento feminista, que explodiu há cerca de cinquenta anos, impulsionou uma recolocação da mulher na sociedade. A ideia de que a mulher, assim como o homem, poderia produzir uma história fora do ambiente doméstico, foi aos poucos, e com muito esforço, introduzida na ideologia de mercado. Já na década de 1970, surgiram novas oportunidades para as mulheres, como cita Sarti (2004, p. 39):

‘A expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional que estava em curso em um país que se modernizava gerou, ainda que de forma excludente, novas oportunidades para as mulheres. Esse processo de modernização, acompanhado pela efervescência cultural de 1968, com novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao acesso a métodos anticoncepcionais e com o recurso às terapias psicológicas e à psicanálise, influenciou decisivamente o mundo privado.’

Nesse novo ambiente, flexibilizado e com uma nova configuração – mesmo com a manutenção de certas restrições e preconceitos em relação à atuação feminina na sociedade –, a mulher foi, aos poucos, conquistando seu espaço em terrenos antes dominados pelos homens. No mercado de trabalho, por exemplo, é notável o avanço, nos últimos anos, da influência feminina. Dados da Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) (2009 A) [pesquisa sobre trabalho e desigualdade de gênero na região metropolitana de São Paulo], órgão ligado ao governo do estado de São Paulo, mostram que a ocupação feminina vem crescendo com mais intensidade que a masculina. A taxa de participação delas na região metropolitana de São Paulo, em 2009, era de 55,9%. Em 1989, o índice atingia 46,1%. Já a taxa de participação masculina diminuiu no mesmo período: em 2009, era de 71,5%, enquanto no fim da década de 1980 chegava a 77,3%.

As tendências da participação feminina

Mesmo com um crescimento considerável em relação aos homens, as mulheres possuem uma taxa de participação menor do que eles no mercado e ainda enfrentam sérios problemas no trabalho, o que demonstra existir, ainda, muitos desafios para que a qualidade do emprego para elas seja comparável a dos homens. A taxa de desemprego é um exemplo das diferenças existentes entre os sexos. Em 2009, a taxa entre as mulheres era de 55%, enquanto entre os homens ficava em 45%, ou seja, mesmo sendo minoria no mercado, as mulheres trabalhadoras sofrem mais dispensas.

Outro fator que demonstra uma discrepância entre os sexos é a função de Trabalho Doméstico, por exemplo, que continua dominada pelas mulheres, de acordo com outra pesquisa da Fundação Seade (2009 B) [‘O trabalho doméstico na Região Metropolitana de São Paulo’]. A taxa de ocupação delas nesse setor era, em 2008, de 16,3% do total da ocupação feminina no ano, enquanto a dos homens era de apenas 0,6%. Esse domínio das mulheres no setor de serviço doméstico se deve, provavelmente, ao fato de a atividade estar histórica e culturalmente ligada às funções tidas como femininas.

Outro fator discriminatório diz respeito às remunerações destinadas às mulheres. Pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) [PNAD 2009 – Primeiras análises: Investigando a chefia feminina de família] mostra que as mulheres possuem maior escolaridade que os homens e, mesmo assim, recebem menos. Considerando lares com filhos, as mulheres, enquanto chefes da casa possuem, em média, 8,3 anos de estudo, enquanto os homens têm sete anos de escolaridade. Quando não figuram na chefia e são cônjuges elas possuem, em média, 7,6 anos de estudo e eles, 7,5. Em casais sem filhos, a remuneração delas corresponde a 80% da dos companheiros (R$1.039,93, em média, contra R$ 1.303,03), enquanto, em casais com filhos, têm uma renda correspondente a 73% da de seus maridos.

Essas diferenças de tratamento para com os trabalhadores do sexo feminino se dão em um ambiente no qual a maioria populacional é feminina. De acordo com os números do último censo populacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), elas somavam, em 2010, 21,2 milhões (51,3%) de habitantes no estado de São Paulo. Quando o levantamento considera apenas a cidade de São Paulo, a participação feminina é ainda mais representativa: com 5,9 milhões, elas respondem por 52,7% da população, fatia um pouco maior que a de Ribeirão Preto, onde as mulheres, num total de 290.286 moradoras, constituem 52% da população.

Outro fator que demonstra o crescimento da mulher na sociedade é o acesso à informação. Elas chegam a se equiparar ou até superar os homens na leitura de jornais. Na Folha de S.Paulo, correspondem a 50% dos leitores, e no jornal A Cidade, de Ribeirão Preto, representam a maioria: 53%.

Desta forma, considerando que as mulheres estão ocupando um espaço mais representativo no mercado de trabalho, existem em maior número na sociedade brasileira, paulista e ribeirãopretana e já dominam um grande espaço entre os leitores de jornal, a proposta deste estudo, que é parte de uma pesquisa mais extensa apresentada no final de 2010 como Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo, no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, é analisar se a representação delas nos veículos impressos, especificamente nos cadernos que abordam assuntos econômicos – tendo em vista que a pesquisa foca o mercado de trabalho –, segue as tendências apontadas pelas pesquisas sobre a participação feminina na sociedade. As mulheres passaram a ocupar mais espaço nos jornais? De que maneira? Ainda são discriminadas, como no mercado de trabalho? São representadas como uma mulher emancipada ou o discurso em vigor ainda é o que as posiciona como responsáveis exclusivas pelas tarefas do lar?

Metodologia de pesquisa

Os jornais escolhidos para serem analisados foram Folha de S.Paulo e A Cidade, publicado em Ribeirão Preto e com área de abrangência de 26 municípios. O primeiro foi escolhido por ser o jornal de maior circulação nacional e o segundo por ser o de maior circulação em Ribeirão. Utilizar um veículo de abrangência nacional e outro de proximidade torna possível uma comparação entre discursos que circulam em suportes com características distintas. O período escolhido para análise foi do dia 26 de abril a seis de maio de 2010, porque engloba o Dia do Trabalho. Entende-se que, na data específica de 1º de maio e nos dias próximos, os jornais apresentam sua visão de mercado de maneira mais contundente. As editorias de assuntos econômicos (Economia, no jornal A Cidade, e Dinheiro, no jornal Folha de S.Paulo) foram escolhidas como objeto de análise porque são as que mais abordam o mercado de trabalho numa perspectiva econômica.

Ao todo, foram observadas seis matérias no jornal A Cidade e 24 na Folha de S.Paulo, de um total de 32 e 157 matérias, respectivamente. As matérias selecionadas correspondem àquelas em que são utilizadas fontes femininas. A análise das matérias (notícias e reportagens) foi feita em dois momentos. Primeiro, uma abordagem quantitativa, com o objetivo de contextualizar, por meio de números, como os jornais se posicionam em relação às fontes escolhidas: proporcionalmente, quanto o homem aparece mais como fonte em relação às mulheres? Este movimento analítico forneceu dados estatísticos sobre o aparecimento da mulher, demonstrando, ainda, quantas vezes ela foi destacada em títulos e fotos.

Os dados contribuíram para o segundo momento do trabalho, no qual foram analisados fatores como a maneira como a mulher aparece quando utilizada como fonte e como os jornais analisados elaboram seus discursos sobre o tema quando se referem ao sexo feminino. Para este segundo momento, a análise realizada é nominada qualitativa e tem como base teorias da Análise do Discurso (AD), que não se atém, apenas, à linguagem e à gramática usada nos textos. Vai além. Linguagem e gramática servem como indícios, pistas que conduzem a AD para um campo específico, o discurso, que, em linhas gerais, pode ser entendido como as condições que permitem emergir um texto e não outro, uma palavra e não outra, uma abordagem e não outra. A partir daí, a AD procura analisar que tipos de efeitos de sentido o texto dito, escrito, publicado provoca no interlocutor (leitor, espectador).

O uso da AD

Acredita-se que a AD seja a teoria mais adequada para amparar o segundo momento da pesquisa, já que ela abre espaço para a análise de qualquer atividade humana envolvendo o uso da linguagem. Como o ser humano é, essencialmente, dotado de linguagem, permite-se afirmar que a AD se ocupa das atividades humanas de uma forma geral, sob a perspectiva da linguagem. Assim, não apenas os textos oficiais ou legitimados socialmente tornam-se objeto de estudo.

A AD permite que voltemos o olhar para discursos que, historicamente, foram ocultados, abafados pelas ideologias dominantes, como o das mulheres, que ainda não gozam de tanta credibilidade como os advindos de uma fatia social, que, segundo Mill & Jorge (2010), é considerada a ideal pela ideologia de mercado. Essa fatia é representada pelos homens brancos, casados, heterossexuais, cristãos, doutores, ganhadores de um bom salário e que dominam as tecnologias digitais. Parcelas da sociedade que não se enquadram neste modelo sofrem cargas maiores ou menores de discriminação conforme se aproximam ou se distanciam dessas características.

Foram observados, a partir dessas considerações, aspectos dos veículos impressos que Sousa (2004) destaca como sendo objetos de estudo em jornais por meio da AD. São eles: Contexto Gráfico (dimensão, localização da matéria na página e no jornal, chamada na primeira página, associação a fotografias ou imagens, ênfase dos títulos, colocação de molduras e outras formas de saliência gráfica), Associação a Imagens (fotografias utilizadas para ilustrar a matéria), Fontes (instituições ou pessoas utilizadas nas matérias jornalísticas que apresentam um ponto de vista sobre o fato noticiado) e Estruturas Textuais (o texto em si, análise de títulos, subtítulos, corpo da matéria, lead etc).

Ao utilizar a AD, é necessário se atentar a alguns aspectos do discurso que diferentes filósofos apontam, como o fato de o discurso ser ‘orientado’, como defende Maingueneau (2001).O discurso é ‘orientado’ não apenas por ser ‘concebido em função de uma perspectiva assumida pelo locutor’ (Maingueneau, 2001, p.52), mas também porque é desenvolvido no tempo, de maneira linear. Desta forma, o discurso é construído com um efeito, em função de uma finalidade, com o objetivo de se dirigir para algum lugar. Além disso, o discurso é uma forma de ação do enunciador (os jornais, por exemplo) sobre outros indivíduos (no caso, os leitores). ‘Toda enunciação constitui um ato (prometer, sugerir, afirmar, interrogar etc) que visa modificar uma situação’ (Maingueneau, 2001, p. 53). Essa orientação do discurso por parte dos jornais reflete influências e posições ideológicas, assim como interesses mercadológicos dos seus idealizadores e funcionários, no ‘produto final’ dos periódicos, as matérias.

O discurso, de acordo com Maingueneau (2001), também é ‘contextualizado’, não existe fora de um contexto e, além disso, só é possível enquanto remete a um sujeito, que pode modificá-lo no curso da enunciação. O discurso é dirigido por normas e está inserido no bojo de um interdiscurso, ou seja, ele só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar em que ele deve traçar seu caminho. Para contextualizar a análise, portanto, foi feito um levantamento histórico de como a mulher foi retratada desde o século 19, pela imprensa feminista que surgiu na época, até os dias atuais. Esse levantamento foi necessário para entender como o discurso vigente sofreu influências no curso da história para representar a mulher hoje.

Para o caso específico dos jornais, objeto deste trabalho, Sousa (2004) afirma que eles apresentam enquadramentos ou molduras para os temas tratados em suas páginas por meio de organizações de discursos. Quem enuncia, no caso os jornais, possui determinados objetivos. A enunciação (fala, escrita) não é, portanto, neutra, carrega uma carga ideológica, sendo a notícia uma construção social determinada pelos agentes envolvidos, pelas características do meio jornalístico, pela linha editorial, pelo contexto social e pelo interlocutor. Interlocutor, para a AD, representa o sujeito com quem se fala, o(s) outro(s) participante(s) do diálogo, fundamental para que a linguagem entre em jogo nas relações sociais.

Jornalismo e credibilidade

Outro fator que eleva o interesse para o estudo de periódicos é a importância que os leitores dão a eles. A grande maioria dos leitores, por não disporem de tempo e artifícios para compreender amplamente um assunto em discussão, sobretudo se o tema foge de sua esfera cotidiana de relacionamentos, transfere esse papel à imprensa, admitindo que as matérias publicadas sejam verdadeiras, já que são encaradas como concebidas por meio de mecanismos de apuração isentos e escritas com o mínimo de influência do jornalista – o que faz, teoricamente, com que elas representem a realidade, ou o mais próximo dela possível. Via de regra, o jornalismo possuiria, aos olhos da população, autoridade suficiente para relatar com objetividade e neutralidade os fatos que ocorrem na sociedade.

A confiança na imprensa por parte dos leitores pode ser explicada a partir de muitos outros pontos de vista. Para o sociólogo inglês Anthony Giddens, isso reside na caracterização do jornalismo como um sistema perito. Segundo Miguel (1999), estudioso da teoria de Giddens, as relações interpessoais face a face estão se ‘quebrando’, se modificando e se contrapondo em outros tipos de relações, com grupos de pessoas que não conhecemos individualmente, mas, apenas, pelo resultado do seu trabalho. Esses grupos de pessoas podem ser engenheiros que planejam prédios, mecânicos que constroem aviões e, no caso desta pesquisa, jornalistas, que produzem informação.

Nesse contexto, Giddens (1991) diz que há dois tipos de desencaixe na sociedade contemporânea. O primeiro deles o autor chama de ‘fichas simbólicas’, que são ‘meios de intercâmbio que podem ser ‘circulados’ sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular’ (GIDDENS, 1991, p.25). Giddens se atém, em específico, na ficha do dinheiro. Outro tipo de desencaixe, que foi utilizado na teorização desta pesquisa, é o que o autor chama de ‘sistemas peritos (expert systems)’.

Sistemas peritos são ‘sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje’ (GIDDENS 1991, p. 30). Para o autor, as pessoas acreditam em sistemas cujos mecanismos são leigas para compreender profundamente, mas, nos quais, convencionalmente, são impelidas a depositar confiança, pois eles são os únicos que podem fazer o trabalho que lhes é confiado.

Miguel (1999) vai além e classifica os jornais como ‘meta-sistema perito’. Para o autor, o termo abrange ‘todos os mecanismos que favorecem a universalização da crença – ou descrença – no funcionamento de sistemas peritos específicos, para além da experiência individual dos consumidores’ (MIGUEL, 1999, p.202), ou seja, aos jornais cabe fiscalizar e relatar com rigor as atitudes de outros sistemas peritos, como o governo, os médicos etc.

Diante disso, considerando o objeto do presente trabalho, é possível observar como o jornalismo, enquanto meta-sistema perito, pode confirmar a crença de que a mulher é renegada no mercado de trabalho ou destruir essa crença, através dos espaços destinados a ela, bem como no tratamento dado à mulher nas editorias Economia e Dinheiro dos jornais A Cidade e Folha de S.Paulo, respectivamente, veículos analisados neste estudo. Aqui, pode-se considerar o mercado de trabalho como um sistema perito – porque a maioria das pessoas, mesmo não sabendo como funciona, acredita que funciona. No caso específico do presente trabalho, esse sistema perito (mercado) é fiscalizado pelos jornais – ou meta-sistema perito.

Herança da imprensa feminina

Antes de entrar nos resultados da análise propriamente dita, faz-se necessário resumir as características da imprensa feminina no Brasil e a herança deixada por ela à imprensa atual.

A imprensa feminina surgiu por volta de 1820 e era regida por tons bastante formais, em que era costumeiro ouvir falar da cobertura de bailes e de modelos de vestuário. Conservadora no começo e sem cunho social, esta imprensa evoluiu a passos lentos. Aos poucos, foi eliminando uma barreira que existia com as leitoras e passou a utilizar, como forma de tratamento, o ‘você amiga’, para impor seus ideais ligados ao consumo. Mesmo quando abordava assuntos de interesse social, reivindicando direitos do seu público, a imprensa feminina, salvo algumas exceções, visava o lucro, pregando o consumo e não a promoção da mulher no âmbito social. ‘A imprensa feminina brasileira assistiu ao nascimento das reivindicações da mulher, criou veículos próprios, mas nunca chegou ao grau da movimentação francesa, que propiciou até o aparecimento de um jornal diário feito por mulheres: La Fronde‘ (BUITONI, 2009, p. 193).

Não se pode afirmar que a imprensa feminina no Brasil contribuiu para uma emancipação total da mulher brasileira. Pelo contrário, estipulou parâmetros de como a mulher deve ser e se portar, o que faz com que exista uma pressão em vários setores da sociedade quando o assunto é a mulher, que deve, por exemplo, conservar a juventude para se destacar em algumas esferas sociais. Não importa quantos anos tenha, deve aparentar jovialidade. Há tintas para cabelos, implantes de silicone, inúmeros produtos que visam apenas à aparência feminina. O que ocorre, segundo Buitoni (2009), é uma inversão que desumaniza, que transfere o sujeito para o objeto. Pouco importa à imprensa feminina a mulher, sujeito único e isolado. O que importa são os objetos que devem compô-la dentro de uma esfera de consumo.

A leitora da imprensa feminina pensa estar participando da modernidade, haja vista que o ‘novo’ é pregado por essa imprensa, mas, sem saber, está trabalhando na manutenção do status quo, que tem por objetivo classificar, agrupar e dominar.

A mudança que a mulher apresenta, concretamente, no contexto social, é mínima, mesmo a mais exposta aos conceitos veiculados pelos meios de comunicação. E mesmo a imagem apresentada pela imprensa feminina inclui poucos elementos de inovação. Como dissemos, é uma tradição camuflada de nova. A transformação sofrida pela imagem da mulher nas revistas femininas é quase nula quando analisada em seus significados profundos. Ela nunca ultrapassa os limites de adaptação às normas vigentes. (BUITONI, 2009, p. 197, 198)

Não se vê, ainda, uma imprensa feminina que questione o fato de as mulheres receberem menos que os homens exercendo as mesmas funções ou a discriminação que acontece quando elas tentam realizar atividades que foram rotuladas, discursivamente, ao longo da história, como masculinas. Ainda hoje, a mulher é vista por boa parte dos homens como um ser menor, inferior. Eles aliam a figura feminina, muitas vezes, à ‘burrice’ e à estupidez. No trânsito, quando algum motorista comete um erro, logo se diz que, provavelmente, é uma mulher quem está ao volante.

Se a imprensa feminina não cumpriu bem seu papel, enxergando a mulher apenas como consumidora, é permitido a nós perguntar: como se encontra a visão da imprensa, não exclusivamente a feminina, sobre a mulher atualmente? A mulher é retratada como emancipada ou ainda como mulher submissa, que só se realiza no lar, para o marido e os filhos, e nos salões de beleza? As mulheres, enquanto fontes jornalísticas, são individualizadas e nomeadas ou são associadas a grupos e rotuladas?

Nem metade das fontes masculinas

A análise quantitativa revelou que a mulher é utilizada em menor quantidade se comparada ao homem. No jornal A Cidade, as fontes masculinas, nas edições selecionadas para este estudo, somam 38 aparições em matérias (sendo que algumas dessas fontes aparecem em mais de uma matéria). As mulheres somam nove fontes no período analisado. As fontes institucionais (empresas ou instituições que se manifestam por meio de nota ou comunicado) são quatro. Portanto, nas matérias de economia do veículo, aparecem, no total, 51 fontes, sendo que as mulheres respondem por pouco mais de 18% desse número, enquanto os homens correspondem a 74% do total de fontes utilizadas. As empresas representam 8% das fontes utilizadas.

No jornal Folha de S.Paulo, a superioridade masculina é ainda maior. As mulheres representam, apenas, 9,1% das fontes (28 aparições) utilizadas nos onze exemplares que circularam no período analisado. Os homens respondem por 79,22% (244 aparições) do total das fontes. As mulheres perdem, até, para as fontes institucionais, que representam 11,36% (35 aparições) do total. Há, ainda, a utilização de uma única fonte que não tem sua identidade revelada, o que representa menos de 1%. (0,32%). Então, os homens dominam a aparição na editoria Dinheiro enquanto fonte, sendo seguido pelas fontes institucionais. As mulheres aparecem em último, com menos de 10% de aparição. Em ambos os jornais, elas não chegam nem à metade do número de fontes masculinas utilizadas.

Essa superioridade se reflete nas chamadas de capa dos jornais para as editorias analisadas. Enquanto no A Cidade, das oito chamadas de capa, apenas duas são de matérias que utilizam fontes femininas (contra quatro que conduzem para matérias que contam com fontes masculinas), na Folha de S.Paulo, das 24 chamadas, seis são de matérias que utilizam mulheres como fontes (enquanto 22 são de matérias nas quais homens são utilizados).

Nas aparições fotográficas, também é possível notar reflexos da supremacia masculina enquanto fontes. Nas nove edições do A Cidade analisadas, são utilizadas, ao todo, 21 fotos nas matérias da editoria Economia. Em sete delas (33%), aparecem mulheres, sendo que, em apenas quatro (19%), são identificadas pelo nome. Quando não são identificadas, as mulheres servem como pano de fundo para algum outro objeto destacado, que condiz diretamente com o assunto das matérias. Já os homens aparecem em 10 imagens (48%), sendo identificados em seis delas (29%). No restante, assim como as mulheres, aparecem como personagens secundários diante de uma ilustração geral do assunto noticiado.

Na Folha de S.Paulo, considerando as fotos da primeira página dos cadernos Dinheiro, onde já são apresentadas algumas matérias publicadas pelo jornal, 97 fotografias são utilizadas nos 11 exemplares analisados. Desse total, em 15 (15%) imagens há a presença de mulheres, sendo que, em apenas quatro (4%), as fontes femininas são identificadas pelas legendas correspondentes. Já os homens aparecem em 57 fotografias (59%), sendo que, em 35 (36%) imagens, eles são identificados. São, na maioria, empresários, políticos ou presidentes de grandes empresas. Todos são personalidades valorizadas pela sua posição e importância na sociedade. Essa valorização do jornal para com essas fontes é até maior que a própria relevância delas para a notícia em si.

O papel formador e transformador do jornalismo

Um fator comum nos dois jornais é que, geralmente, não há uma única matéria apenas com fontes femininas, o que já acontece com regularidade com as fontes masculinas. O que ocorre também é que quando as mulheres são utilizadas como fontes, geralmente são citadas depois dos homens, longe do lead, parte mais importante das matérias jornalísticas. Como a construção das matérias jornalísticas se dá dentro da estrutura de pirâmide invertida (onde o texto flui dos aspectos mais relevantes para os de menor relevância), é correto dizer que as mulheres, aparecendo após os homens, às vezes nos últimos parágrafos das matérias, têm menor importância atribuída se comparada a eles.

Outro ponto observado nos dois jornais é que às mulheres, em algumas ocasiões, não são atribuídas funções. Não atribuir funções a uma fonte é dar a ela atenção menor numa escala de importância. Nas matérias onde foi observado esse descaso para com as atividades das mulheres, os homens têm suas funções citadas, enquanto elas não. Ao se deparar com uma matéria, o leitor irá considerar mais significativas e pertinentes as falas de um economista, e talvez não se interesse muito em ler as falas de uma fonte que aparentemente não tem função, ocupação.

Os jornais A Cidade e Folha de S.Paulo reproduzem a discriminação para com as mulheres que existe nas diferentes esferas sociais. Constantemente, as fontes femininas são associadas ao consumismo como se fossem personagens ideais para o mercado. Sejam como fontes em matérias que têm como teor principal algum aspecto de consumo ou sendo ilustradas nas fotografias destas matérias, as mulheres ainda são os principais alvos do mercado, especialmente o da beleza, sendo vistas como clientes em potencial por grandes empresas, que, possuindo vínculo com os meios de comunicação, acabam influenciando no discurso dos jornais.

O que também se observou ao longo da pesquisa é que há uma tentativa, por parte do jornal A Cidade, de buscar uma manutenção de um ideal de mulher convencionado pela imprensa feminina do século passado. Procura-se passar uma ideia de que ser esposa é um destino maravilhoso, que causa apenas felicidade. A figura de mãe também é reforçada numa matéria de Dia das Mães do jornal, na qual é possível observar outra herança da imprensa feminina do século passado: a busca pelo jovem. Nota-se que há uma preferência por fontes jovens, sendo que raramente alguma fonte identificada pela idade passa dos 30 anos (até mesmo as fontes identificadas como mães).

Por fim, observou-se que, enquanto o jornal A Cidade utiliza, preferencialmente, fontes primárias, zelando por fontes que dão versões do fato por serem personagens dele quando o assunto é a mulher no mercado de trabalho, o jornal Folha de S. Paulo opta por fontes expert, especialistas que dão suas opiniões sobre determinados assuntos, que têm sua função no mercado valorizada. Percebe-se, então, que o jornal de circulação regional pouco valor dá a mulher no mercado, enquanto o de circulação nacional se preocupa e dá mais espaço a mulher nesse cenário, mesmo que, em comparação aos homens, isso represente muito pouco.

Portanto, há discriminação para com a mulher nos jornais analisados, o que se dá na utilização em menor escala delas como fontes, no número reduzido de destaques e fotografias, na pouca citação de representantes do sexo feminino nas partes atrativas das matérias (títulos e subtítulos) e também no próprio corpo do texto. Falta maior representatividade feminina nos meios jornalísticos, um equilíbrio maior em relação às fontes masculinas, além de espaços e destaques maiores.

A importância deste estudo, ao mostrar que as mulheres ainda sofrem preconceito e discriminação nos meios impressos, é possibilitar o debate sobre o tema. Sugerir reflexões, questionamentos e debates na área que possam apontar soluções que diminuam a distância de direitos que ainda existe entre homens e mulheres. Este trabalho constitui uma pequena fagulha que pode desencadear mais trabalhos sobre as mulheres na imprensa e no mercado, principalmente em Ribeirão Preto, que, como foi visto por meio de um de seus jornais locais, não dá a devida importância à mulher no mercado.

Não se recomenda que, para equilibrar o uso de fontes masculinas e femininas, o jornalista se sinta obrigado a aumentar o número de mulheres nas matérias das editorias de economia. O que deve ser feito é apenas dar maior espaço a elas, procurá-las como fontes, deixar de lado fontes viciadas (aquelas que sempre são utilizadas para falar sobre alguns assuntos e que, muitas vezes, nem são as mais indicadas a falar, mas, devido à correria das redações, são as mais fáceis de encontrar).

O jornalismo possui um papel fundamental na sociedade como formador e transformador de opiniões, sendo, em muitas situações, o responsável por dar continuidade ou cessar algum discurso em vigor. Se um jornalista, ao apurar uma pauta, se desvencilhar de preconceitos existentes em sua formação, abandonar a preguiça de procurar novas fontes e lançar o olhar para o novo, pode dar início a uma sociedade mais justa em relação aos excluídos sociais, como as mulheres que, apesar de conquistarem espaço nos últimos tempos, ainda ficam à margem na nossa sociedade machista e intolerante.

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Respectivamente, jornalista, Ribeirão Preto, SP; e jornalista e professor universitário, Pontal, SP