Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A violência urbana e os donos da mídia

Há cerca de 10 anos, em palestra que fez na Universidade de Brasília, Jo Groebel – professor da Universidade de Utrecht, na Holanda, e representante da Sociedade Internacional de Pesquisa sobre Agressão nas Nações Unidas – não deixou dúvidas sobre a existência de uma relação entre a predominância da violência na programação da televisão e a tendência para a agressividade de jovens e adultos. Nunca esqueci da veemência com que ele afirmava, baseado em seus mais de 20 anos de pesquisa, que a televisão ‘faz com que as pessoas pensem que a violência é normal’ e que ‘quanto mais desigual a estrutura da sociedade maior o impacto da violência mostrada na TV’.

Nos Estados Unidos, os ‘National Television Violence Studies’, financiados pela National Cable Television Association (NCTA), realizados durante os anos 1990 por um pool de grandes universidades – Califórnia, Carolina do Norte, Texas e Wisconsin –, confirmaram as conclusões de Groebel e geraram uma série de recomendações sobre o conteúdo da programação para a indústria de entretenimento.

Certamente essas pesquisas e esses resultados são do conhecimento dos executivos dos nossos principais grupos de mídia.

O tema vem a propósito do novo patamar alcançado entre nós pela violência urbana, simbolizado pelo seqüestro de um jornalista e um técnico da TV Globo-SP por criminosos que, em troca, exigiram a exibição de um vídeo na emissora.

Índices do crime

O crime organizado sabe muito bem que na sociedade contemporânea, como disse Ignácio Ramonet, a mídia é o segundo poder (imbricado com o primeiro, que é exercido pela economia), ‘instrumento de influência, de ação e de decisão incontestável’, muito além do poder político. Sabe também que, no Brasil, o que não sai no Jornal Nacional raramente alcança o espaço de discussão pública. Por isso, ao chantagear os jornalistas da Globo, os bandidos estão atingindo o núcleo do poder na sociedade e mostrando até onde sua determinação criminosa pode chegar.

O que surpreende neste triste episódio é a recusa dos donos da mídia no Brasil em reconhecer que ela própria é também parte do problema – e da solução –, e não apenas uma instituição que assiste à escalada da violência e reclama providências das autoridades.

O indignado documento divulgado pelas entidades patronais ANJ, ANER, ABERT, ABRA e ABRATEL – com a dissidência da Rede Bandeirantes, registre-se – não faz qualquer referência a uma reflexão da mídia sobre qual é a sua parte de responsabilidade em relação ao nível de violência alcançado pela sociedade brasileira.

** Será que não há nada que os donos da mídia possam fazer além de cobrar coordenação entre as autoridades federais e estaduais de segurança pública?

** Será que a programação das concessionárias de televisão não tem qualquer influência sobre a agressividade dos nossos jovens e adultos?

** Será que o segundo poder (de fato) nada tem a ver com os altos índices de criminalidade, ao contrário do que indicam unanimemente as pesquisas realizadas em outros países?

Serviço público

Diante da gravidade da situação, é imprescindível que as mesmas entidades que assinaram o documento pedindo providências às autoridades também tomem algumas providências no seu próprio âmbito de ação.

A exemplo de seus pares em outras partes do mundo, ANJ, ANER, ABERT, ABRA e ABRATEL poderiam destinar parte de seus lucros para a pesquisa das causas da violência no Brasil. Talvez os resultados indiquem que – além das autoridades politicamente constituídas – existem várias iniciativas que os donos da mídia podem e devem tomar, e não só em relação ao conteúdo das programações de seus veículos.

É isso que a sociedade brasileira espera, sobretudo daqueles que são concessionários de um serviço público – o rádio e a televisão – no sentido de conter a insuportável escalada da violência que agora vitimiza também, e diretamente, os jornalistas.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)