Qual o tamanho da crise política que atinge o Brasil? Essa questão não pode ser respondida pela imprensa, em seu núcleo duro, porque a mídia tradicional, como instituição corporativa, é protagonista central no desenvolvimento dos fatos que conduziram ao atual estado de conflagração que divide os brasileiros. Portanto, é parte interessada na elevação da temperatura e no processo de isolamento do governo.
O ponto de paroxismo a que foi levada a chamada sociedade civil nas últimas semanas é resultado da perigosa combinação de uma imprensa que atua politicamente como partido de oposição e de um governo que hesita em agir e não se comunica com eficiência. O resultado é a perda da conexão entre as instituições republicanas e a população, cujas reações passam a ser comandadas pelo discurso coeso, adjetivado e perturbador da mídia.
O poder central insiste em articular uma narrativa linear, racional, mas há cada vez menos ouvidos disponíveis para a racionalidade. A massa não reflete em torno de ponderações – ela apenas reage a gritos, palavras de ordem, estímulos emocionais. E a imprensa brasileira tem se especializado nesse tipo de linguagem, num esforço intenso e cotidiano para convencer o cidadão de que o país é hoje pior do que era há dez ou vinte anos.
Objetivamente, não há sintomas que comprovem essa crença – apesar dos indicadores que apontam a deterioração das contas públicas, a perda do real frente ao dólar e a oscilação de preços, as medidas anunciadas há um mês são consideradas adequadas pela maioria dos analistas e os fundamentos da economia não justificam a percepção geral de um desastre.
Os grandes bancos internacionais, ao situar o Brasil numa posição de alta vulnerabilidade entre os principais países emergentes, colocam entre as grandes causas de preocupação o aumento dos juros nos Estados Unidos, a retomada do crescimento na Europa e no Japão e a desaceleração da economia chinesa. Há, portanto, mais lógica nas explicações do governo do que no discurso predominante na mídia – e não são poucos os analistas, principalmente aqueles comprometidos com o setor produtivo, que estão preocupados com a contaminação da economia pela crise política.
A seara da irracionalidade
A crise política é, essencialmente, uma obra da mídia hegemônica, cujo objetivo de negócio é interromper a trajetória da aliança liderada pelo Partido dos Trabalhadores, que assumiu o poder central em 2002.
E por que fazer a distinção entre “sociedade civil” e “população”? Porque toda ação de comunicação, para ter eficiência, precisa definir um objeto, ou receptor, e não pode ser dirigida a um alvo difuso como a sociedade em geral ou a população como um todo.
O processo de influência por meio da comunicação de massa precisa ser dirigido a alvos específicos, que só podem ser identificados no campo a que se convencionou chamar “sociedade civil”. Foi assim, por exemplo, na Constituinte de 1988, desenhada para agradar ao que era, na época, a parte da população representada por sindicatos patronais e de empregados, conselhos profissionais e setores protegidos por lobistas. Naquele período, quase 50% da população vivia, como se diz, da mão para a boca, e não era parte da chamada “sociedade civil organizada”.
Essa é a origem dos vícios da política institucional na nossa democracia. E é esse o objeto da ação comunicacional da mídia, ao desenvolver uma campanha pelo aliciamento das classes de renda média, que naturalmente se sentem fragilizadas com o discurso apocalíptico martelado diariamente na imprensa escrita, nos telejornais e em programas de rádio.
O PT também é fruto da Constituição corporativista, e a principal causa de seus êxitos eleitorais é a inserção de grandes camadas de excluídos no campo chamado de sociedade civil. Para reverter o resultado das urnas, a imprensa partidarizada procura romper essa conexão.
As bases do PT, se não batem panelas, se manifestam pelo silêncio. O governo eleito por elas tenta agradar os setores conservadores da “sociedade civil” representados pela mídia tradicional, e pede compreensão e paciência aos que irão pagar a conta. Na massa, consolida-se a convicção de que até mesmo a falta de água ou a lotação dos ônibus depois de um jogo de futebol é culpa da presidente da República, como se ouviu de torcedores no domingo (8/3) em São Paulo.
O grande trunfo da mídia é a irresponsabilidade, a disposição de ir fundo no cultivo da irracionalidade.
Não há luz no fim desse túnel.