Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa veste a carapuça

A imprensa brasileira, representada pelos veículos mais influentes, ou seja, os jornais e revistas de circulação nacional e maior tiragem e os programas noticiosos de maior audiência na televisão e no rádio, completa o balanço da Copa do Mundo, encerrada no último domingo (13/7).

Como não podia deixar de ser, um dos eixos que marcam as análises é a inevitável comparação entre o sucesso do evento e o clima de pessimismo que a própria imprensa havia criado antes de seu início.

Alguns dos comentários publicados nesta terça-feira (15/7) têm como referência o balanço público do torneio feito pela presidente Dilma Rousseff com parte do ministério. Foi, claramente, um lance de oportunismo político, como quase toda iniciativa de candidatos em período eleitoral. A diferença entre essa aparição da presidente, ao lado de seus ministros, e manifestações anteriores da chefe do governo, é que ela se dá em clima festivo.

Os jornais tratam com abordagens distintas a exibição tática da candidata à reeleição, que foi vaiada e ofendida por parte dos torcedores presentes à arena do Corinthians na abertura da Copa e por um pequeno grupo após a final, no Maracanã, quando entregou a taça aos vencedores.

Cada um à sua maneira, os principais diários do País agasalham a observação, reiterada pela presidente e alguns de seus ministros, de que a imprensa hegemônica insuflou na sociedade um intenso pessimismo quanto à capacidade do Brasil de organizar um acontecimento desse porte.

O Estado de S. Paulo coloca na reportagem sobre o balanço da Copa o selo “Eleições 2014”, numa tentativa de limitar as declarações ao contexto da campanha presidencial.

A Folha de S. Paulo faz um registro burocrático da manifestação do governo, no caderno especial sobre a Copa, contrapondo às declarações oficiais uma avaliação de obras de infraestrutura inacabadas, algumas das quais haviam sido prometidas como parte do projeto do Mundial.

O Globoassume a carapuça e traz na primeira página uma foto da risonha presidente, ao lado de dois ministros, com o título: “De que se riem?”

Focinheira para vira-latas

É bem possível que os editores do Globo saibam que a pergunta, associada à imagem de governantes risonhos, tem como referência um poema do uruguaio Mario Benedetti, que falava de ministros da ditadura militar naquele país.

No caso, os representantes do governo riem do Globo e de outros veículos de comunicação, que lhes deram a oportunidade de tripudiar publicamente sobre a onda de pessimismo que acabou desmoralizada pelo sucesso da Copa do Mundo.

Uma pesquisa apressada feita pelo Instituto Datafolha indica que 83% dos estrangeiros que estiveram no Brasil entre os dias 12 de junho e 13 de julho afirmaram que a organização da Copa foi ótima ou boa; 92% elogiaram o conforto dos estádios e 82% declararam terem se sentido seguros andando pelas ruas das cidades brasileiras.

Os visitantes consultados representam 60 países, e a maioria deles tinha uma expectativa desfavorável ao desembarcar por aqui, porque as notícias reproduzidas pela imprensa internacional eram majoritariamente negativas.

Na consulta, recebem notas positivas alguns dos quesitos mais criticados pela mídia nos meses anteriores ao evento, como a estrutura oferecida aos visitantes, o transporte, a segurança pessoal e até a qualidade do meio ambiente nas cidades visitadas.

Interessante também observar que as maiores notas foram dadas ao modo como os brasileiros receberam os turistas: quase todos declararam que os anfitriões foram simpáticos (98%) e receptivos (95%) e 84% consideraram os brasileiros honestos. As piores notas foram para os preços de hospedagem, alimentação e transporte aéreo.

Embora apanhe um universo reduzido do total de visitantes, pois o Brasil recebeu mais de um milhão de turistas de 202 países durante a Copa, a pesquisa contraria os brasileiros que adoram detestar tudo que é nacional e idealizam tudo que é estrangeiro: nada menos do que 69% dos visitantes disseram que morariam no Brasil.

Dois registros curtos: o filho do atacante Klose ficou com a bola que um torcedor entregou para ser autografada e dois torcedores alemães foram presos quando embarcavam de volta ao seu país, por terem furtado uma pequena estátua que estava exposta no aeroporto de São Paulo, em Cumbica.

Espera-se que os fatos sirvam de focinheira para os vira-latas.

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