Este foi o ano das mídias sociais no Brasil, quando os aplicativos para a troca de mensagens instantâneas tornaram concreto por aqui o conceito de rede virtual, com o qual se realiza o processo dialógico de dois ou milhares de indivíduos, sem necessidade dos mediadores tradicionais. Pode-se dizer também que nesse processo se desmancha o fenômeno das maiorias silenciosas, agora potencialmente protagonistas do processo geral da comunicação.
Esse é um contexto extremamente desafiador para a mídia tradicional, que criou e exerceu durante dois séculos um poder baseado na inevitabilidade do filtro entre a origem das informações e sua destinação final. Submetidas ao sistema unidirecional das informações, as individualidades somente podiam se expressar sob licença dos detentores dos meios, que as utilizavam para consolidar seu poder institucional.
Os filtros tradicionais do sistema comunicacional têm seu papel reduzido e se transformam em meras referências. Com isso, dilui-se o poder real das famílias que tradicionalmente dominam o setor de negócios da comunicação. Paralelamente, apresentam-se novos desafios conceituais para quem analisa a correspondência histórica entre os movimentos da sociedade e os eventos políticos e econômicos.
Quando colocada no centro do processo de interpretação das trocas entre as instituições e a sociedade, a imprensa definia a agenda tanto do campo social quanto dos agentes institucionais. Na condição de mera referenciadora dessa conversação, a imprensa tem um papel menos relevante. Por exemplo, ao interpretar determinado fato econômico que se realiza sob manifestação das vontades sociais, a imprensa empacota esse fato em seu próprio viés.
No entanto, essa não é a única interpretação aceitável: as redes sociais produzem e multiplicam continuamente um novo conjunto de possibilidades, de tal modo que o antigo poder real da mídia, de definir o que é adequado para a coletividade, passa por um processo reverso, diluindo-se em muitos estágios de poder simbólico – até o extremo de significar exatamente o contrário do que originalmente se pretendia.
A mídia é uma referência
Embora estejamos muito longe do estágio utópico esquerdista que preconiza a absoluta transparência do social, e mesmo que se conteste a possibilidade de que um dia venha a se realizar, pode-se observar como um tipo inédito de protagonismo começa a se manifestar. Não se trata do fim do fenômeno das massas, mas já não se pode afirmar que as maiorias serão sempre maiorias silenciosas.
No Brasil, o descompasso entre o noticiário político e econômico da imprensa hegemônica e as preferências manifestadas pelos eleitores é um exemplo dessa dicotomia. A mídia não mais impõe interpretação e visão de mundo – apenas referenda, eventualmente, o que é vontade manifesta, e tenta influenciar essas vontades.
Como agente da indústria cultural, a imprensa ajudou a saturar o mundo com simulacros de realidade, e o resultado tanto pode ser a diluição dos significados quanto o surgimento de novas formas de compreender a realidade.
Essa questão só pode ser respondida pelos próprios acontecimentos: é possível que o processo de desintermediação da informação tenha chegado tarde demais. No entanto, embora observadores mais identificados com o pensamento tradicional de esquerda tendam a uma visão mais pessimista, há evidências de que o desenvolvimento das mídias digitais produz mais autonomia, ao oferecer ao indivíduo a posse dos meios de produção de comunicação e cultura.
Para concordar com essa hipótese, é preciso considerar que a indústria cultural estaria sendo minada justamente por seus excessos, por ter avançado demais na construção de uma massa manipulável, sem levar em conta a natureza humana.
Algumas instituições que formularam e conduziram o projeto da modernidade nas nações periféricas, como o Brasil, precisaram reproduzir o modelo global do colonialismo para efetivar seu poder simbólico sobre a sociedade.
No contexto em que os indivíduos se apropriam dos meios para produzir a comunicação e, portanto, contribuem para a dinâmica cultural, as massas se tornam ruidosas e quase já não se ouve a voz do dono.
O que se percebe nas redes sociais, cada vez mais, é a voz das maiorias outrora silenciosas.