Os profissionais de comunicação com experiência em gestão de crise sabem o que é o turbilhão: é uma sucessão intensa de notícias negativas contra as quais nenhuma ação paliativa parece funcionar. Em casos como esses, quando as respostas, argumentações e justificativas são atropeladas pela sequência de acusações, muitas vezes a melhor atitude é o silêncio, ou ponderações pontuais e genéricas, tentando compor um espaço de serenidade no meio da tormenta.
É assim que se comporta, por exemplo, a atual diretoria da multinacional Siemens, cujo presidente vem a público enfrentar a imprensa e, com a maior clareza que permite a circunstância, admite que a empresa cometeu erros no passado e está disposta a corrigi-los, inclusive, se for o caso, indenizando o Estado e a sociedade por eventuais prejuízos.
A empresa não se defende pontualmente de cada ataque, porque sabe que no momento seguinte será publicada nova denúncia, ou uma velha denúncia será requentada com um novo detalhe.
O turbilhão foi detonado nesta semana e segue nas edições de sexta-feira (28/3) dos grandes jornais brasileiros, por conta das revelações sobre as trapalhadas cometidas pela Petrobras na aquisição de uma refinaria nos Estados Unidos. No meio da tormenta, os jornais publicam o resultado de uma pesquisa feita anteriormente ao escândalo, na qual se registra a queda da aprovação da presidente da República. Paralelamente, articulistas afirmam que essa perda de popularidade é a causa do movimento ascendente da Bolsa de Valores.
No mesmo contexto, a imprensa havia feito um grande barulho por conta do rebaixamento do status do Brasil no rating feito pela agência de avaliação de riscos Standard & Poor’s. Da mesma forma, pululam artigos e editoriais reforçando a tese de que o governo atual não é capaz de fazer frente aos desafios do seu tempo. No entanto, o jornalismo diário tem uma característica estranha: os editores não parecem considerar a relação que existe entre um dia e a edição seguinte. É como se a imprensa levasse ao pé da letra o predicado bíblico segundo o qual “basta a cada dia o seu próprio mal”.
Tudo vira comício
Logo após o grande barulho em torno da decisão da Standard & Poor’s, os jornais registram que a Bolsa sobe e o dólar cai, e reproduzem o palpite dos oráculos do mercado, segundo os quais isso se deveu à divulgação da pesquisa que mostra uma queda na aprovação do governo. Ao mesmo tempo, acontece também que, apesar de ter sofrido uma perda em sua avaliação por parte da agência, a Petrobras vê suas ações valorizadas subitamente.
Por outro lado, anuncia-se que o governo brasileiro conseguiu captar 1 bilhão de euros em bônus da dívida externa, a um custo extremamente baixo – a menor taxa de retorno em euros já registrada. Trata-se de uma demonstração concreta de confiança do mercado externo na economia brasileira, confirmada pela solicitação dos bancos emissores, que queriam aumentar o volume de títulos ofertados. Além disso, registra-se mais um mês com desemprego recorde para o período.
Há uma questão essencial na observação da imprensa que não costuma ser contemplada nos debates dos especialistas: para onde vai o jornalismo durante esses episódios que chamamos de turbilhão?
Com todos os riscos que se corre ao fazer tal afirmação, pode-se dizer que, em ocasiões como esta, a imprensa se desvincula do jornalismo. Sim, por incrível que possa parecer, a imprensa não tem obrigatoriamente uma relação umbilical com o jornalismo. Eventualmente, o interesse da imprensa vai na direção oposta daquilo que seria a boa prática jornalística. O turbilhão define bem esses momentos.
Coincidência ou não, nesta semana completam-se vinte anos do célebre caso da Escola Base. Acusados levianamente de abusar de crianças sob seus cuidados, os donos da escola e o motorista da perua escolar foram crucificados pela imprensa em peso, com exceção do extinto Diário Popular. Passado o furacão, demonstrou-se que eram inocentes, mas era tarde: suas vidas estavam destruídas.
Há uma grande distância entre esse caso e o de empresas, personalidades e governos atingidos pela força insana das notícias negativas. Em geral, instituições poderosas contam com assessorias competentes para administrar essas crises. Acontece que, diante de uma importante disputa eleitoral, os especialistas em comunicação institucional perdem espaço para os marqueteiros de campanha.
E tudo vira comício.