Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A TV Globo encara a ruptura

A TV Globo, carro-chefe do maior conglomerado de comunicação da América Latina, está se preparando para completar um ciclo de mudanças em 2015, ano que deverá marcar seus 50 anos de existência. Os principais jornais do país publicam nas edições de sexta-feira (4/4) entrevista com o diretor-geral da emissora, Carlos Henrique Schroder, analisando a nova estratégia para enfrentar a queda de audiência e preparar o grupo para o futuro. Na próxima sexta-feira (11/4) a TV Brasil, emissora de televisão pública vinculada à Empresa Brasil de Comunicação, discute questões relacionadas ao poder concentrado da mídia, durante o programa Ver TV.

Como tudo que envolve a Globo, qualquer movimento é capaz de provocar um tsunami no setor, dadas as proporções gigantescas de sua hegemonia. Por isso, merece atenção a afirmação do principal executivo da emissora, segundo o qual sua nova estratégia vai priorizar a inovação, o que significa assumir mais riscos de perda de audiência. Segundo Schroder, a audiência deixará de ser a meta principal, mas uma das consequências de uma programação “interessante e relevante”.

Parte das mudanças foi divulgada durante o evento intitulado “Vem Aí”, no qual a empresa apresentou seu projeto ao público.

A informação não consta da entrevista que ele concedeu a jornalistas que fazem a crônica da televisão, mas sabe-se que o processo de mudança na estratégia do grupo começou há pelo menos 13 anos, em 2001, quando os principais executivos da empresa se internaram no centro de estudos de gestão Amana-Key, tido como um dos principais núcleos de inovação estratégica do mundo. Isolados no ambiente tranquilo da zona rural de São Paulo, eles começaram ali a encarar a possibilidade de uma ruptura no amplo domínio que o grupo havia construído desde os anos 1960.

Na última década, a Globo perdeu cerca de 30% de sua audiência, e projeções citadas pela imprensa apontam para a continuidade da queda em 2014, mesmo com a Copa do Mundo. O avanço da internet é outra ameaça real ao seu domínio. No entanto, no mercado publicitário comenta-se que a emissora vai aumentar neste ano, em pelo menos 20%, sua participação no total da receita publicitária nacional, graças à Copa.

Então, qual é o segredo?

Um critério duvidoso

O segredo é o conjunto de planilhas chamado “critério técnico”, pelo qual os grandes anunciantes, entre os quais se destaca o governo federal, destinam a maior parte da verba para quem supostamente alcança o maior número de pessoas. A questão foi discutida de maneira sucinta no programa que a TV Brasil vai levar ao ar na semana que vem, e vem provocando intenso debate entre ativistas da democratização das comunicações.

Uma das questões se concentra num caso de grande repercussão nas redes sociais digitais: um governo democrático e supostamente interessado em melhorar a consciência cívica dos cidadãos, deve financiar um programa de televisão cuja apresentadora defende o linchamento de suspeitos nas ruas e se apresenta como musa de celerados que pedem a volta da ditadura? A resposta dos especialistas que decidem o destino das verbas públicas que vão para a mídia é baseada no tal “critério técnico”.

E o que seria essa panaceia? Nada mais do que a lógica segundo a qual quem tem mais audiência leva mais dinheiro.

Acontece que o “critério técnico” dos analistas de mídia é uma nebulosa – a medição da audiência é feita por uma amostragem mínima do número de aparelhos ligados, não pela atenção do eventual telespectador. A principal preocupação das emissoras é reter a sintonia. Observe-se, por exemplo, o caráter autorreferente de quase toda a grade da Globo: durante as 24 horas da programação diária, a emissora trata quase exclusivamente de reter o telespectador, à revelia da qualidade, para evitar oscilações na audiência.

Mas o que define o tal critério como uma fraude é o bônus de veiculação, ou bônus sobre volume, um benefício que os veículos dominantes oferecem para estimular a compra de pacotes de anúncios.

Os contratos valem para um semestre ou para o ano inteiro. Existem o “BV de agência” e o “BV por fora”. Corre no setor a história do presidente de uma multinacional, grande anunciante, que foi demitido porque o conselho de administração da empresa descobriu que ele destinava o BV para sua conta bancária particular.

O tema poderia preencher um debate de dias inteiros, por sua complexidade, mas vamos ficar na pauta central de hoje: a Globo entrou num processo de entropia, no qual todo o universo se resume às suas próprias referências.

Romper a cadeia do próprio sucesso é seu principal desafio.