Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As novas mídias e o jornalismo

Mineiro, torcedor do Galo, apreciador de uma boa cerveja, figura extremamente generosa ao dividir seu tempo com quem propõe idéias instigantes, Idelber Avelar é mestre em literatura brasileira pela Universidade da Carolina do Norte, Ph.D em literatura latino-americana pela Duke University e professor titular de literaturas latino-americanas e teoria literária na Tulane University, em New Orleans.

Além disso, Idelber também é blogueiro. Toca O Biscoito Fino e a Massa desde 2004, um dos mais importantes representantes da blogosfera brasileira. Ali ele aborda assuntos os mais variados, de futebol ao conflito entre israelenses e palestinos, navega pela política, música e literatura, aponta os descaminhos da mídia e também seus acertos, tudo isso com uma crítica fundamentada e embasada pela participação atenta de seus leitores. Entre os dias 24 e 26 de junho, Idelber Avelar esteve em Mato Grosso do Sul, mais especificamente em Dourados, onde participou de um congresso internacional de literatura na Universidade Federal da Grande Dourados. Na noite de sexta-feira (26/6), entre um e outro gole de uma Original gelada, ele concedeu a seguinte entrevista ao Escrevinhamentos.

‘Não vejo uma revolução via twitter no Irã’

Em janeiro, os blogs foram os principais canais de comunicação para que o mundo soubesse o que ocorria na Faixa de Gaza. Nas últimas semanas, no Irã, a informação circulou por meio do twitter. Qual a sua análise sobre estas novas ferramentas de comunicação que, diante do totalitarismo, tem forçado as fronteiras da comunicação para além dos seus canais tradicionais? Elas terão impacto decisivo nestas sociedades?

Idelber Avelar – Acho que elas já estão impactando de alguma forma. No caso, por exemplo, da China, do Irã, há o interesse dos governos de censurar estas novas mídias que formam uma espécie de termômetro. Acho que o impacto será cada vez maior, porque são ferramentas extremamente baratas. Um blog, literalmente, não custa nada, ele custa só o preço de sua conexão na internet a partir da qual você pode usar várias ferramentas como o blogspot, o wordpress. Nos Estados Unidos foi fundamental. Lá, o que houve não foi um caso de censura, mas de grande concentração da mídia. Na época da Guerra do Iraque, a mídia conservadora e liberal falou com uma voz única. Não havia diferença entre a Fox, que é uma emissora de direita, e a CNN, que supostamente é uma emissora de centro. O Washington Times, que é um jornal de direita, e o New York Times, que é mais liberal, não mostravam diferenças. Todos estavam batendo os tambores da guerra. A chegada das novas mídias teve um impacto tremendo depois da Guerra do Iraque, no desmascaramento da mentirada que levou à guerra, e depois, na campanha do Obama. Foi chave na campanha. A diferença entre a campanha do Obama e a campanha da Hillary nas primárias democratas foi que ela estava trabalhando, ainda, com um modelo unidirecional de informação. Um modelo de informação pré-internet. E quando se deu conta desta diferença já era tarde, o Obama já tinha levado. Então, o impacto é não só no sentido de liberalizar sociedades que têm governos autoritários, mas, também, de democratizar o acesso à informação em sociedades que tem governos democráticos.

Governos têm se armado de tecnologia para fazer frente às ameaças que estas novas ferramentas apresentam. Quem vence este cabo de guerra em longo prazo?

I.A. – Isso vai depender muito do contexto. Por exemplo, estou um pouco cético quanto a certas coisas que foram ditas sobre o Irã. Não acho que esteja sendo feita uma revolução via twitter no Irã. Acho que estamos muito longe disso. E acho que o mais provável, no caso do Irã, é que um outro tipo de situação se produza logo, logo, ali. Passando este período, o mais provável é que a república islâmica se mantenha sólida, com dissidências pró-ocidentais se articulando via redes sociais, conquistando algum espaço. Mas, eu não vejo, de forma alguma, uma mudança social via twitter no Irã. Acho que o caso de Cuba é diferente, inclusive porque é uma população com um nível de alfabetização altíssimo. A tendência é que se produza algum tipo de abertura muito em breve, há vários sinais disso. E com estas mídias tendo algum tipo de papel neste processo.

‘Um termômetro da realidade’

Você faz uma crítica ácida à Lei Azeredo. Diz que ela interessa aos lobbies bancário e dos direitos autorais. Este debate está claro para a população, em especial para os 60 milhões de usuários da internet no Brasil?

I.A. – Acho que uma parcela cada vez maior da população está ligada, a informação está circulando. Agora, enquanto estamos conversando aqui, está acontecendo em Porto Alegre o Fórum Internacional de Software Livre, e o presidente Lula está lá. Acabei de saber via twitter que ele deu uma declaração bem incisiva contra a Lei Azeredo, dizendo que aquilo é estado policialesco, que tem que lutar contra isso. Ou seja: o recado chegou ao Lula. É o tipo de coisa que o Lula não estaria dizendo, não fosse o impacto que a mobilização na internet produziu e que chegou ao Ministério da Cultura, nas áreas mais progressistas do governo.

Uma das principais características da internet é propiciar o debate, mas qual a qualidade deste debate? Ele é menos qualificado do que o debate que ocorre em outros meios? Ou ele reflete o debate possível em nossa sociedade?

I.A. – Acho que o que acontece na internet é expressão de uma realidade que existe fora dela. A internet da vazão a uma série de bate-bocas que nunca chegaram até a grande mídia. Basta você escolher o que quer acompanhar. Não acredito, por exemplo, que a caixa de mensagem do meu blog seja caracterizada por bate-boca. E uma coisa mais reflexiva, com um nível bem razoável. Quando as pessoas criticam os blogs pelos seus erros, ou pela linguagem meio descuidada, me preocupo pouco. Vejo tudo isso como uma espécie de termômetro da realidade e a realidade também é feita de chute na arquibancada, de palpite, de gritaria, de indignação. Este tipo de linguagem – que não costumava entrar nas mídias tradicionais – entra no blog. Mas o bate-boca não me incomoda, a existência de blogs onde eles existem não me incomoda nem um pouco. Sou um pouco como o nosso ex-ministro Gilberto Gil nesta questão. Eu acredito em abraçar o mundo, o bom e a porcaria que tem no mundo.

‘O festival de chutes que vejo por aí’

As mídias sociais poderão ocupar o papel da imprensa na intermediação da informação?

I.A. – Essa é uma discussão complexa. Às vezes, por causa do meu entusiasmo com as novas mídias, por causa das minhas criticas violentas à grande mídia brasileira, algumas pessoas me acusam de defender a idéia de que os blogs vão acabar com a imprensa. Eu acho que não vão. Eu acho que vai morrer um certo modelo de Jornalismo, a minha crítica esta aí. Este modelo de Jornalismo, onde a notícia é impressa às oito da noite para ser lida, na melhor das hipóteses, às oito da manhã do dia seguinte vai morrer. Acho que este tipo de Jornalismo vai acabar. Vai acabar porque não tem o menor sentido você pagar para ler o que você já leu de graça no dia anterior, na internet. Mas, acho que estamos muito longe de qualquer tipo de cenário no qual os grandes grupos de mídia tendam a desaparecer. É sempre bom lembrar que o Grupo Folha, as Organizações Globo, a família Mesquita, elas não estão nem perto da insolvência, elas estão ganhando ainda uma boa grana. Acho, porém, que a produção de informação está se pulverizando um pouco, democratizou-se bastante o acesso à produção e circulação de informação. Isso está impactando na forma como os grandes grupos de mídia lidam com a informação. Hoje, todos os grandes portais têm blogs, jornalistas ligados à grande mídia estão abrindo seus blogs. Enfim, algumas respostas para esta nova realidade já são visíveis nos grandes grupos de mídia. Não acredito que os blogs, o twitter e as redes sociais, necessariamente, vão substituir a grande imprensa. A grande mídia vai perder um pouco da centralidade que ela tinha, de ser a única intermediadora da informação, mas não vejo nenhuma revolução à vista.

Que papel terá a internet na política brasileira em 2010?

I.A. – Acho que a internet terá um papel muito importante na eleição brasileira do próximo ano, maior do que teve na última eleição. Em 2006 ela já teve um papel significativo, por exemplo, como aconteceu na véspera da eleição do primeiro turno, quando a Rede Globo colocou no jornal aquelas fotos, aquele pacote de dinheiro. Havia acontecido no mesmo dia o acidente da Gol e a Globo optou por não mostrar no Jornal Nacional.

O que existe de singular em um blog?

I.A. – O que existe de singular no blog é que ele é movido, em geral, pelo desejo individual do blogueiro. Isso traz uma característica muito particular, que é o fato de muitos blogs se dedicarem a temas que o blogueiro realmente domina. É uma situação um pouco diferente, por exemplo, de uma empresa de jornalismo onde o jornalista tem que cobrir temas que ele não domina. Claro que existem milhões de blogs onde o sujeito está escrevendo bobagens sobre temas que não domina. Mas, hoje, você tem uma especialização bem grande em muitos blogs. No caso da tecnologia, você tem blogs que te informam muito melhor do que qualquer caderno de tecnologia da imprensa brasileira. Hoje, quem quer estar atualizado sobre tecnologia não vai ler o caderno de informática do Globo ou da Folha, por que sabe que, principalmente nos blogs em inglês, ele vai encontrar informações muito mais atualizadas e especializadas. A grande vantagem é esta. O blog traz problemas no sentido de que é um espaço não editado, um espaço em que a interpretação crítica do leitor é muito importante, porque você tem que avalizar ou não aquela informação. Você tem que aprender a dissociar os blogs que tem credibilidade dos blogs que estão dando tiro para todo lado. Este tipo de triagem é o leitor quem vai fazer. Então, muitas vezes, o blog é criticado por não ter um editor, ou porque ninguém sabe se aquela informação é verdade ou não, mas esta é uma habilidade que o leitor vai desenvolver. No caso da Palestina, eu fiz questão de fazer uma cobertura diária, de plantão mesmo sobre o massacre em Gaza porque é um tema sobre o qual eu me informo há bastante tempo. Sobre o Irã, eu ainda não escrevi. Acho que eu não tenho nada a dizer que seja diferente deste festival de chutes que eu vejo por aí. Então, penso em me pautar com este cuidado. Não escrevo sobre cinema, por exemplo, que é um assunto que eu domino pouco. É claro que eu erro, é evidente, mas acho que eu não dou chute na arquibancada. Então, esse é a primeira singularidade que eu vejo. Existe uma gama enorme de blogs, onde o blogueiro está escrevendo sobre aquilo que ele é apaixonado. Nem sempre este é o caso nos grandes veículos de mídia. Então acho que esta é uma primeira distinção que poderia ser feita.

Ao mirante, Nelson!, um de meus favoritos

Os blogs surgiram como diários pessoais e hoje passam por uma transformação, tentando encontrar sua vocação. Qual é esta vocação em sua opinião?

I.A. – Olha, é muito difícil generalizar a esta altura do campeonato. Ele é uma ferramenta mais ou menos neutra em relação ao conteúdo que veicula. Muitos blogs começaram como diários pessoais, mas nem todos. Um dos blogs pioneiros no Brasil, que é o Catarro Verde, do Sergio Faria, lá de São Paulo – um cara que está blogando desde 2001 – não tem nada de diário. São petardos, frases secas, curtas, como a gente diz: jogando a merda no ventilador. Acho que a vocação é produzir contatos horizontais entre o produtor e o consumidor de conteúdo. Acho que ele não tem uma vocação relacionada ao conteúdo, qualquer conteúdo entra nele. Não dá para rotular. Acho que, em algumas áreas, temos melhores blogs. Por exemplo, os blogs de tecnologia estão muito na frente dos blogs de literatura. Não temos, no Brasil, grandes blogs de literatura, seja de crítica literária, seja de produção ficcional ou poética mesmo. Tem muita gente colocando contos e poesias na internet, mas eu ainda não vejo uma qualidade. Posso estar errado, mas é o que observo de longe. Eu ainda não navego a internet em português procurando literatura. Quando eu quero ler literatura vou aos livros.

Mas isso não te deixa um pouco isolado do que pode estar acontecendo fora das grandes editoras?

I.A. – Bom, eu estou de olho aberto, ligado. Mas até agora não vi muita coisa não. Assim, tem bons escritores que tem blogs, mas não necessariamente são bons blogs. Bons escritores que usam blogs para divulgar eventos, lançamento de um livro. Este tipo de coisa você encontra com freqüência. Mas, o que eu vejo de interessante em termos de criação são coisas que não são exatamente literatura no sentido estrito. Por exemplo, um dos meus blogs favoritos, o Ao mirante, Nelson!, não é exatamente literatura, mas é literatura de um jeito que funciona naquele espaço. Não é algo que existia antes como literatura e que foi colocada naquele espaço.

‘Ataques anônimos sempre existiram’

Qual o público dos blogs? Blogeiro escreve para blogeiro? Você consegue definir o perfil deste público?

I.A. – Depende. Eu acho que todo mundo quer ser lido. Não conheço ninguém que escreva para si próprio. Até porque, se for para escrever para si próprio, é melhor deixar na gaveta. Vai colocar na internet pra que? Eu tenho uma idéia bem clara de quem me lê. Mas esta informação depende muito da sua familiaridade com a ferramenta. Hoje, nem olho muito as estatísticas, porque eu tenho já uma noção boa de quantas pessoas são, de onde elas vêm, etc. No caso do meu blog, a grande maioria é formada por um leitor que tende à esquerda, existe uma predominância de leitores com algum tipo de inquietude intelectual, tem uma grande parte de acadêmicos, muita gente da literatura, do direito. Então, tenho uma idéia bem razoável de quem me lê. Mas tem muita gente que não se preocupa com isso, que não está nem aí, e acho isso saudável.

Quais são os seus blogs preferidos?

I.A. – Eu não vou aos blogs, né? Eu uso o RSS, que é uma ferramenta de coleta de feeds, como se fosse uma assinatura. As informações chegam em minha página do google reader e eu só vou quando quero comentar alguma coisa. Então, fico sabendo se tem post novo em cada lugar. Os blogs que checo com mais entusiasmo são o Ao mirante, Nelson!, o Consenso, só no paredão, do Alexandre Nodari, o Descurvo, que é um blog de um jovem leitor do Biscoito, que abriu seu próprio blog, o Hugo Albuquerque. Entre os grandões, eu acompanho muito o blog do Luis Nassif, o Viomundo, do Luiz Carlos Azenha, acompanho o Amálgama, um blog coletivo de uma garotada muito boa. Ultimamente tenho lido com muito interesse o blog da Marjorie Rodrigues. Acho que estes são os que eu leio com mais constância, interesse e entusiasmo, mas tenho uma lista de 200 blogs aos quais estou sempre ligado.

Recentemente você se manifestou sobre um caso de anonimato na internet. Esta prática enfraquece a produção online?

Acho que este é um fenômeno mais ou menos inevitável. Este anonimato se quebra, é muito fácil descobrir quem é o anônimo. Com a polarização política, este tipo de coisa vai acontecer. No caso em questão era um blog anônimo que trazia ataques bem pesados, difamatórios, o conteúdo era calunioso. E aí depende de cada um se aciona a justiça, se não aciona. A minha tendência é sempre deixar para lá. Prefiro deixar passar batido. Neste caso, o Luiz Nassif achou que tinha ataques à honra ali, que ele queria resolver na justiça. É um direito dele. Era um negócio barra pesada. Até agora, inclusive, não está na justiça. Ele simplesmente acionou o Google para que os dados daquela pessoa fossem entregues, inclusive para que ele pudesse decidir se iria processar ou não. Judicialmente o procedimento dele foi corretíssimo. Primeiro ele acionou o Google para ter os dados, obteve os dados e agora sabe quem foi. Se ele quiser processar ele pode. Mas o fato é que faz parte da vida, entra no rol daquelas coisas que são componentes da realidade e que a internet apenas dá vazão. Ataques anônimos sempre existiram desde que o mundo é mundo. O caso é que a internet amplifica isso.

‘O dinheiro pensa de forma parecida’

Qual a sua análise sobre a qualidade do jornalismo praticado hoje nos Estados Unidos e no Brasil, e no que eles diferem?

I.A. – Eu acho que a imprensa brasileira é muito ruim. Quando eu falo imprensa, estou pensando nos grandes oligopólios de mídia. Acho até que fora dos grandes centros há boas iniciativas locais. Mas o Jornalismo brasileiro tem uma característica que em outras sociedades latino-americanas você não vai encontrar: a concentração em quatro ou cinco famílias. São quatro ou cinco famílias que decidem no Brasil o que é notícia. O que acontece aqui, e que diferencia, eu acho, o Jornalismo brasileiro do americano, é que no Jornalismo americano existe algum tipo de confronto, algum tipo de embate. Então, na campanha eleitoral – diferente do que ocorreu na Guerra do Iraque, quando todo mundo disse o que o Bush queria – você via, por exemplo, certo tipo de generalização sobre o Obama na Fox, e você via, imediatamente, o contraponto na MSNBC, e, ainda, a CNN fazendo o meio de campo. Este tipo de embate de idéias não acontece no Brasil. O que acontece no Brasil é uma espécie de efeito manada. A Folha inventa um escândalo, a Veja e a Globo repercutem, o Estadão repercute e todos dizem a mesma coisa. O caso da Operação Satiagraha é um exemplo. O que aconteceu com o delegado Protógenes Queiroz foi absurdo. Aquela história dos grampos que ninguém nunca viu, os áudios que nunca apareceram. Gilmar Mendes simplesmente disse que foi grampeado, acusou a Abin e a Polícia Federal. Nenhum indício de grampo foi encontrado, o princípio mais básico do direito, que é a presunção de inocência, não foi respeitado. A imprensa bateu tambores com aquilo durante semanas, meses, em cima de nada, de um factóide.

Alguns blogs de esquerda utilizam o termo Partido da Imprensa Golpista (PIG) para se referirem aos representantes da grande mídia. Você crê neste tipo de articulação?

I.A. – Não acho que seja, necessariamente, um partido organizado e golpista contra o Lula, nem que haja uma conspiração. É simplesmente o fato de que a concentração do capital midiático chegou a tal ponto que o os grandes grupos pensam mais ou menos da mesma forma. É como a gente diz em inglês: money thinks alike. O dinheiro pensa mais ou menos de forma parecida. Então, na questão política, eu acho que temos um jornalismo cada vez mais fundamentado em factóides, em escândalos, em assassinatos de reputação, em uma escandalização da política que é muito daninha.

‘No jornalismo americano há o contraponto’

E nas demais áreas do jornalismo?

I.A. – Há também, nas outras áreas, problemas graves. Eu acompanho muito futebol e o jornalismo esportivo que se faz no Brasil é péssimo. Você vê em alguns veículos, claramente, que as matérias têm dedo de empresário que quer vender tal jogador. Você vê repórter concominado com cartola. O que aconteceu com meu clube, por exemplo, o Atlético Mineiro, que no começo dos anos 80 tinha um dos maiores patrimônios do Brasil, é exemplo. Ele foi completamente dilapidado, hoje tem uma das maiores dividas do Brasil. Nos anos 80 vendeu meia seleção brasileira, aquele timão do Telê Santana. Todos estes nomes foram vendidos e ninguém viu o dinheiro. Se você abrir o Estado de Minas no caderno de esportes, você vê claramente o dedo do cartola. O jornalismo cultural é de qualidade cada vez mais baixa, cada vez mais centrado em fofoca, histórias do galã da novela, muito pouco conteúdo real. O caderno supostamente intelectual do maior jornal brasileiro, que é a Folha, é um negócio, sinceramente, vergonhoso. A grande maioria do que está lá são traduções de coisas já publicadas em inglês ou em francês que, quem tem condições de ler aquilo e entender, já leu na língua original. Quem não leu não tem interesse e nem quer acompanhar.

Falta uma produção original?

I.A. – Sim, e não falta gente capaz de fazer isso no Brasil. No caso do ‘Mais!’, é uma opção por um determinado tipo de modelo de capital simbólico, de capital cultural, um certo tipo de expectativa sobre o que é que vai trazer distinção para o jornal. Fica um negócio completamente vazio. É um modelo de caderno cultural que não tem o menor sentido.

E o jornalismo americano?

I.A. – Não acho o jornalismo americano grande coisa, não. Mas acho que pelo menos lá você tem embate de idéias, você tem o contraponto.

‘Democratização na publicidade oficial’

É possível fazer um jornalismo de qualidade no Brasil dentro do mainstream? Ou não é possível e a saída poderia estar, inclusive, nas novas ferramentas que a internet está propiciando?

I.A. – Eu acho que o mainstream pode mudar, ele está mudando. Acho que uma revista como a CartaCapital, com todos os problemas dela, faz uma coisa um pouco diferente do que você vê na Veja. Muitas vezes você se refere à CartaCapital e alguém vai dizer: ‘Ah, mas é uma revista do PT. A única diferença é que ela é de esquerda e a Veja é de direita, é uma revista chapa branca etc.’ Eu não entendo muito esta crítica, pois a CartaCapital foi a revista que denunciou a armação do PT para sufocar o escândalo do chefe da Polícia Federal que torturou uma empregada doméstica. Foi a CartaCapital que fez uma matéria sobre o Luis Eduardo Greenhalgh mostrando como este sujeito que era advogado dos trabalhadores sem terra, ligado aos direitos humanos, virou advogado do Daniel Dantas. Foi esta revista que investigou a fundo o que foi o mensalão, além da bateção de tambor. Então, não vejo a CartaCapital como uma revista chapa branca. Vejo muitas críticas ao Governo Federal lá. Agora, é muito diferente do que se vê na Veja. Acho que o mainstream pode mudar, mas, sem dúvida, a transformação do jornalismo brasileiro passa pela internet. Não só pelo que se produz na internet, mas pelo impacto que se dará sobre a mídia impressa, televisiva e radiofônica.

Qual sua posição sobre a inserção da chamada mídia alternativa na distribuição de recursos públicos de publicidade?

I.A. – A primeira coisa que tem que ser dita é que o grosso do dinheiro público que vai para a mídia vai para a grande mídia. Se você tirar o dinheiro público da Veja, da Globo, da Folha de S.Paulo, se você tirar os anúncios da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa, estes grandes grupos de mídia vão tomar um baque tremendo, eu não sei se eles se sustentam sem dinheiro público. Quando o dinheiro público vai para alguma iniciativa menor, alternativa, sempre tem gritaria. Mas pouca gente fala dos anúncios do governo nas páginas da Veja. É uma revista que bate no governo sistematicamente, e nove em cada dez vezes bate a partir de factóides ou de escandalização. Então, acho que esta foi uma das mudanças positivas do governo Lula, mas podia ter mudado ainda mais. Diversificou-se muito o destinatário deste dinheiro público. Hoje o número de veículos de mídia que recebe publicidade oficial é muito mais alto do que era oito anos atrás. Houve uma certa democratização desta distribuição. E aí eles chiaram, né? A Folha e a Globo chiaram. Fizeram matérias totalmente manipuladas, do tipo ‘aumenta em 560% os veículos que recebem publicidade oficial’. É algo que não faz o menor sentido, porque para o leitor fica parecendo que houve aumento de gastos na publicidade, o que não houve. Simplesmente aumentou o número de veículos que recebem estas publicidades. Mas acho o governo Lula ainda muito tímido quanto a isso.

‘Todo mundo sabe das relações da Folha com o Serra’

Você pensa, então, que deveria haver uma pluralidade maior na distribuição destes recursos?

I.A. – Maior, maior. Acho que a Veja não tem nada que receber dinheiro público…

Alguém na mídia deveria, de fato, receber dinheiro público? Não seria mais adequado se o leitor bancasse a mídia? Ou é utópico?

I.A. – Olha, Barone, é difícil responder no abstrato assim. Se for para ser capitalista, vamos ser capitalistas de verdade. Que a dona Veja, que a dona Folha de S.Paulo renunciem à verba pública e se banquem com anúncios privados e com as assinaturas. Por que eles chiam tanto quando o governo investe, por exemplo, R$ 2 milhões em um projeto como o Overmundo, que informa milhões de internautas – ou centenas de milhares – sobre manifestações culturais brasileiras que jamais teriam espaço na grande mídia? Acho que o Overmundo é um site de qualidade muito irregular, tem coisas muito boas e tem coisas muito ruins, muito mal escritas. Mas é isso mesmo, a vida é isso mesmo. Você vai lá e faz sua triagem. O governo investiu R$ 2 milhões ali. Pode parecer muito dinheiro, mas no mar de verba publicitária do governo federal não é absolutamente nada. Quando abriram o Overmundo foi uma chiadeira tremenda. Acho que, se for para usar verba pública para mídia, que se estabeleçam critérios. Interesse público? Definido de que forma? Quem vai ser o comitê gestor disso? Que seja claro. Do jeito que está é muito fácil para os grandes veículos de mídia usar isso como chantagem. ‘Não tira o anúncio da Petrobras não, senão vamos cair de pau.’

O que é melhor, uma imprensa travestida do manto da isenção, mas que opera seus interesses nas entrelinhas, ou uma imprensa abertamente engajada?

I.A. – Isenção no sentido de imparcialidade política não existe né? isso é bobagem. Eu gosto muito desta tradição americana, por exemplo, de fazer suas escolhas em editorial. Quer dizer: o New York Times fez uma escolha pelo Obama e deixou isso claro em editorial. No caso das eleições brasileiras de 2006, a CartaCapital foi a única que fez isso e fez uma cobertura das eleições muito mais isenta do que os veículos de mídia que supostamente eram neutros, mas que estavam claramente fazendo campanha para o Geraldo Alckmin. Pega as capas da Veja. É a manipulação insidiosa que é irritante, eu acho, para a inteligência do leitor. Você pega a capa com o Lula: é uma charge do Lula, com uma viseira, uma roubalheira acontecendo em volta dele, e ele sem ver nada. A capa com o Alckmin é iluminada, com um close up e a legenda: ‘A alternativa’. Tem que ser imbecil para não ver que aquela revista está manipulando. E aí depois eles reclamam de que a internet está acabando com os leitores deles, mas são eles que estão acabando com os leitores. Ninguém é burro, as pessoas não são burras. Eu insisto muito nisso na internet. Não subestime a inteligência das pessoas. É um princípio pelo qual eu me pauto, que eu uso para criar meus filhos. É melhor ser honesto, contar a verdade. Dizer assim: a CartaCapital acha que a candidatura Lula é melhor por isso, por isso e por isso. Isso é no editorial, matérias jornalísticas são matérias jornalísticas. A credibilidade não tem nada a ver com neutralidade. São coisas completamente diferentes. Todo mundo que lê o meu blog sabe que eu não sou neutro, todo mundo sabe disso. Agora, a credibilidade vem do fato deles saberem que eu chequei a informação que eu estou passando. É evidente que eu posso errar, mas eles sabem que eu chequei a informação. Eles sabem que tem ali, embutido no argumento, o contraditório. Eles sabem quem eu sou, de onde eu escrevo, quais são as minhas escolhas políticas. A credibilidade vem disso, ela não vem de uma pretensa neutralidade. A Folha de S.Paulo tenta passar a impressão de que é um jornal eqüidistante das forças políticas deste país, quando todo mundo sabe as relações da Folha com o José Serra. Todo mundo conhece. Qualquer um que saiba o beabá da política brasileira sabe das relações da família Frias com José Serra. Os escândalos que se sucederam no governo paulista. Eles fizeram um contrato sem licitação para o metrô, abriu-se uma cratera no centro de São Paulo, uma cratera do tamanho deste quarteirão, morreu um monte de gente, o contrato era sem licitação, era superfaturado, todo mundo sabe disso. E não teve uma matéria que investigasse isso.

‘Papel dos blogs é aprofundar, checar dados’

Dá para levar a sério uma imprensa assim?

I.A. – Recentemente publiquei no meu blog os números da grande imprensa brasileira mostrando que todos os grandes jornais estão perdendo leitores de ano para ano. De 2000 a 2008, a Folha de S.Paulo perdeu 30% dos seus leitores. Você junta a falta de transparência com o fato de que estas escolhas políticas não ficam claras, com o fato de que a internet vai oferecendo cada vez mais opções plurais, instantâneas, e você tem a receita da crise da mídia. Não é muito difícil de entender.

Alguns apontam como saída para o jornalismo impresso um aprofundamento da pauta, da análise. Isso não é o que estão fazendo os blogs, apesar da crítica de que eles apenas repercutem o que é publicado nos jornais?

I.A. – É, é. Eu acho que esta critica procede em um certo sentido. Os blogs no Brasil ainda não produzem informação. A informação primária, da qual os blogs se nutrem, vem da imprensa mesmo. Eu não tenho um representante no Senado procurando informação para mim. Não tenho condição de ter isso. No caso da política é muito raro você ter blogs que realmente produzam a informação primária. Um blog que eu leio com assiduidade e que é um dos melhores blogs do Brasil – e que é uma exceção a esta regra – é o RS urgente. Eles produzem informação primária. O Marco Aurélio Weissheimer tem contatos na Câmara dos Vereadores, na Assembléia Legislativa, no Governo do Rio Grande do Sul, e quem segue o colapso, a crise profunda do governo Yeda Crusius sabe de tudo desde 2007. A imprensa começou a cobrir agora. A Veja fez uma matéria – porque a Yeda Crusius estava se transformando em um peso para a candidatura Serra – e a grande mídia brasileira resolveu rifá-la. Mas o escândalo está lá desde 2007. Eles levaram dois anos para descobrir que tinha superfaturamento no Detran, que tinha venda de carteira no Detran. É um escândalo que já tem cadáver. E o Zero Hora não dava nada. O Zero Hora, que passou quatro anos inventando um escândalo atrás do outro na época do governo Olívio Dutra. Você pode olhar os artigos do Zero Hora nestes quatro anos do governo do PT no Rio Grande do Sul. Era um escândalo atrás do outro. Todos eles, no geral, inventados. Voltando à sua pergunta, é verdade que a grande maioria dos blogs não produz informação primária no caso da política, com algumas poucas exceções, como o RS Urgente. O papel dos blogs tem sido aprofundar, checar dados, o que é muito importante. A informação em geral vem da grande mídia, mas a gente vai lá checar e muitas vezes achamos matérias mentirosas.

‘O Hunffington Post conseguiu uma bolsa de US 1,2 milhão’

Este papel de aprofundar o debate não deveria estar sendo ocupado pelo impresso, até para a sua sobrevivência?

I.A. – É claro. A história dos grampos, por exemplo, mostra isso. A imprensa toda noticiava os grampos sem prova nenhuma. O sujeito diz que foi grampeado pela Abin. Ele encontrou algum vestígio? Não. Qual é a prova? É o depoimento dele, que a própria revista que ele chamou foi lá e transcreveu e depois ele mesmo foi lá e disse que a transcrição era correta. É um negócio absolutamente delirante. E aí o que a internet fez? Vários leitores meus, por exemplo, que são engenheiros, demonstraram que, para que o tal grampo tivesse acontecido, determinado aparelho deveria ter sido instalado em tal lugar, o que, naquele prédio, era impossível por isso, por isso e por isso. Isso se dá com informação especializada, que muitas vezes não vem nem do blogeiro, vem dos leitores. No meu blog, modéstia à parte – e não é mérito meu, é mérito dos leitores – posso colocar qualquer coisa, dizer: ‘Preciso que vocês chequem isso.’ Não vai demorar duas horas e eles vão dar a resposta. Se eu coloco uma informação errada, o nome do goleiro que jogou a Copa de 38 por Cuba, não demora meia hora e alguém aponta este erro. É transparência.

Qual sua opinião sobre as possibilidades de financiamento de um jornalismo blogueiro?

I.A. – Há esta esperança de que a internet ocupe um pouco do espaço da grande mídia. A questão chave para isso é saber quem vai pagar a conta. Para que os blogs, portais, sites de internet ocupem este espaço, eles precisam ser financiados. Alguém precisa pagar os custos da produção de notícia. Esta ainda é uma questão que está no ar no Brasil. Os blogs brasileiros que conseguem algum tipo de renda que permita ao blogueiro viver daquilo são, em geral, blogs de tecnologia.

Você acha que o modelo de conteúdo pago não funcionaria no futuro?

I.A. – O modelo de conteúdo pago não funciona. Esta história de você colocar uma grade no seu site na qual o sujeito tenha que pagar para ler este ou aquele artigo não funciona, pois a oferta é muito grande. É uma simples questão de oferta e procura. Como a oferta é muito grande, quem começar a botar grade paga vai dançar. O modelo do add sense, propagandas via Google, rendem uma mixaria que não sustenta ninguém. Outro dia estava conversando com o Miguel do Rosário, jornalista carioca que tem um blog muito bom, o Óleo do diabo, um blog de esquerda, e ele disse que tirou o add sense porque rendia R$ 30 por mês. Nos Estados Unidos a coisa esta um pouco mais adiantada. Aconteceu há seis meses uma coisa muito promissora. O Hunffington Post, que é um dos melhores blogs de política do país, conseguiu uma bolsa em uma fundação privada de US 1,2 milhão para fazer jornalismo investigativo. Mas esta é uma coisa bem americana, esta história das fundações que tem grana e investem.

‘Não vi nenhuma defesa do diploma feita por quem não fosse jornalista’

Sem este respaldo fica mais difícil produzir conteúdo de qualidade?

I.A. – Para ser o mais honesto possível, eu posso manter o Biscoito sem propaganda porque eu tenho um salário muito bom como professor universitário. Sou professor titular, já conquistei o que eu queria na minha carreira e posso dedicar uma boa parte do meu tempo ao blog, porque é importante e prioritário para mim neste momento. Se eu dependesse de trabalhar oito horas por dia, eu não teria o Biscoito do jeito que ele é.

Há um caminho neste sentido no Brasil, um vislumbre para o financiamento deste trabalho na internet?

I.A. – Eu acho que, no Brasil, os empresários e grupos empresariais que fizerem uma aposta inteligente vão se dar bem. O grupo empresarial que fizer um investimento em um grupo de meia dúzia de bons blogs – que estabeleça um contrato com eles em que fique claro o que se espera destes blogs, até a freqüência de posts, que permita que estes blogueiros preservem sua liberdade e independência – pode obter bons resultados. A burguesia brasileira é muito medrosa e pouco criativa, mas o cara que perceber que ali tem um filão, ele vai gastar dinheiro nos primeiros seis meses, no primeiro ano, mas se ele mantiver esta idéia e fizer uma boa seleção de blogs, uma boa aposta, ele vai se dar muito bem, pois a visibilidade é enorme. Pode até fazer uma escolha plural: um blogueiro de esquerda, um de centro, outro de direita, para atingir um espectro maior. Faltam ainda no Brasil modelos de financiamento para o jornalista que está na internet, mas estes modelos existem, estão aí.

Como você analisou a reação pública à decisão do Supremo Tribunal Federal pela não obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão no Brasil?

I.A. – Foi interessante. Eu senti nos jornalistas um pânico que foi absolutamente revelador. No final das contas, o Supremo não proibiu nenhum grupo de mídia de exigir o diploma, ele não proibiu o diploma, ele não acabou com a faculdade de jornalismo, ele não fez absolutamente nada, a não ser dizer que uma obrigatoriedade que já nem era respeitada deixaria de existir na letra da lei. Se você olha, por exemplo, o futebol. Quem são os jornalistas esportivos mais respeitados e de credibilidade no Brasil? Eu diria Juca Kfouri, que é formado em Sociologia, e Tostão, que é formado em Medicina. Alguém duvida que estes caras estão entre os três ou quatro melhores comentaristas de futebol do Brasil? Então, eu vi muito pânico, uma mostra da situação de crise do jornalismo brasileiro, a incerteza do jornalismo. Às vezes eu tiro sarro, pois tenho uma crítica muito aguda à mídia, e os jornalistas foram muito arrogantes durante muito tempo. Agora é a nossa vez de tirar um sarrinho. Nós, os leitores de jornais, que passamos 20 anos escrevendo cartas para painel de leitor sendo ignorados, às vezes com correções importantes. Então, estamos agora, realmente, tirando um sarrinho com a reação dos jornalistas. No caso das reações negativas à decisão do STF, a única que realmente chegou perto de me fazer refletir foi a do Leandro Fortes, que eu considero o grande jornalista brasileiro de hoje. O Leandro argumentava que, com a queda da obrigatoriedade do diploma, os donos de veículos de comunicação do interior do Brasil estariam livres para contratar capangas. A manipulação ficaria mais fácil. Eu não conheço a realidade do interior do Brasil para dizer se o Leandro está certo ou não. Mas foi o único argumento que eu levei a sério. O resto foi desespero. Não vi nenhuma defesa da obrigatoriedade do diploma sendo feita por quem não fosse jornalista. Curioso.

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Jornalista e edita o blog Escrevinhamentos