Mais do que esperada, a cassação do mandato do senador Demóstenes Torres não produz manchetes altissonantes nos jornais desta quinta-feira, dia 12. “Senadores cassam Demóstenes”, “Senado cassa Demóstenes”, registram burocraticamente os diários.
É como se a imprensa estivesse aliviada com o incômodo que lhe causou ver transformado em vilão, de uma hora para outra, aquele que um dia já foi a fonte privilegiada em reportagens sobre escândalos. Dos outros. Assim como alguns parlamentares pareciam claramente desafogados com o desfecho sem dramas do processo, os jornais dão a impressão de certa ansiedade em ver esse episódio virar passado.
Mas o próprio Demóstenes tratou de manter acesa a lembrança de seus tempos de acusador, pedindo perdão aos colegas que andou denunciando, em ocasiões passadas, quando, segundo a imprensa, ainda era o paladino da decência.
Quem assistiu à sessão pela televisão observou que o ex-senador fez questão de se considerar vítima de uma vingança e os relatos dos jornais destacam esse trecho do julgamento, mas não se referem ao apoio que a imprensa deu a ele na ocasião. Mas não há como apagar dos arquivos eletrônicos as muitas páginas que a imprensa concedeu a esse que se revelou um verdadeiro “santo do pau oco” – para resgatar uma velha expressão popular. É como se a imprensa brasileira não quisesse responsabilidades com seu próprio passado.
Demóstenes fora, segue o barco, e provavelmente nos próximos dias veremos diminuir o destaque para o caso que tem como personagem central o bicheiro Carlos Cachoeira. Ninguém se engane achando que o Senado Federal ou o sistema político haverá de passar por uma reforma para se prevenir contra o ingresso ou a permanência de delinquentes em seus quadros.
Os 56 que votaram pela cassação não são necessariamente cidadãos acima de qualquer suspeita. Trata-se apenas de um episódio que nem o Parlamento nem a imprensa têm gosto em vivenciar. Os demais parlamentares, principalmente aqueles 19 que votaram contra a cassação e os 5 que se abstiveram, certamente estão torcendo para que surja logo um assunto para distrair os jornalistas.
Ainda há outros personagens a serem julgados, entre eles pelo menos um governador, um par de deputados e um prefeito, mas nenhum deles tem em seu currículo o enredo do justiceiro caído em desgraça. Portanto, a história perdeu um pouco de seus atrativos, como uma novela em que o vilão principal se entrega nos primeiros capítulos.
O suplente feliz
Esse, aliás, parece ser o tom central de todo o noticiário sobre a cassação de Demóstenes Torres. Como se expiassem junto com Demóstenes a culpa por terem acreditado nele, os jornais repetem e destacam o “conselho” que o senador cassado deixou para os parlamentares mais novos: “Não entrem por esse caminho de ir para a TV, aparecer atacando um colega”, disse ele.
O problema, então, não foi ter colocado o mandato político a serviço de uma organização criminosa: seu pecado foi o de haver posado de moralista, tentando esconder seu próprio rabo sob a toga de juiz de seus pares, com a cobertura entusiasmada da imprensa.
Longe dos holofotes da imprensa, o suposto chefe da quadrilha segue fazendo o jogo de quem tem muito a contar. A divulgação de um vídeo que compromete o prefeito de Palmas, capital do Tocantins, parece ser apenas um aviso: Carlos Cachoeira não pretende arcar sozinho com as responsabilidades criminais pelo esquema e, a julgar pela ousadia com que fez infiltrar seus negócios por aí, não seria de surpreender se aparecesse entre seus sócios ocultos algum outro figurão da República.
A rigor, a cassação de Demóstenes Torres representa para ele um mal menor, uma vez que o suplente que deverá assumir, o empresário Wilder Morais, é gente sua, foi indicado para a chapa de Demóstenes pelo próprio bicheiro e já partilhou com ele até mesmo a esposa. E pelo que se lê nesta quinta-feira, os jornais não demonstram disposição para investigar os negócios do novo prócer do Senado.
A cassação de Demóstenes não melhora a imagem do Congresso, ainda que tire de sua fachada a imagem hipócrita do senador goiano. Tudo que os nobres parlamentares desejam é abafar o que resta do episódio, deixando para a Justiça a tarefa de julgar e sentenciar o bicheiro, afinal um corpo estranho no complicado ambiente corporativista do Parlamento.
Para a imprensa, são águas passadas. Agora, trata-se de achar outro porta-voz que não tenha o rabo preso. Afinal, estamos em ano eleitoral e nada como um novo escândalo para manter acesa a chama da moralidade.