Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Chega de chororô

Passada quase uma semana do desastre de Belo Horizonte, quando a seleção brasileira foi humilhada pelos alemães com a goleada de 7 a 1, a imprensa dá meia-volta, abandona o espírito crítico com que vinha revendo suas análises sobre o fracassado projeto do hexacampeonato, e retoma o estilo piegas que marcou toda a cobertura da Copa do Mundo.

Nesta sexta-feira (11/7), o personagem central é o atacante Neymar Jr., que deixou o repouso em sua casa para se juntar aos companheiros na concentração da Granja Comary, em Teresópolis. Vai “dar uma força” aos colegas humilhados.

Na primeira página do Globo, Neymar aparece para dizer uma obviedade: que a seleção nacional fracassou. Pelo menos, demonstra mais intimidade com a razão, observa o jornal, ao contrário do técnico Luiz Felipe Scolari, para quem o planejamento para a Copa foi perfeito.

No Estado de S. Paulo e na Folha de S. Paulo, enormes fotografias do jogador enxugando uma lágrima, e a volta do texto “emocionado” como eixo da repercussão sobre a eliminação do Brasil nas semifinais. O Estado puxa o foco para a seriedade da lesão sofrida pelo atacante na partida contra a Colômbia, ao reproduzir a informação de que a fratura de uma vértebra na região lombar poderia tê-lo deixado paraplégico. Já a Folha destaca que Neymar viveu “as piores semanas” de sua vida após o jogo contra a Colômbia.

E o leitor ou leitora se haverá de perguntar: “E daí? Que importância tem o estado de espírito de Neymar, diante do vexame a que seus companheiros de equipe submeteram todo brasileiro que aprecia o futebol?”

Os jornalistas sabem que, daqui para a frente, qualquer equipe do Brasil que for jogar uma partida em outro país, seja na disputa da Libertadores, seja um simples amistoso, terá que suportar o gesto de milhares de torcedores adversários mostrando sete dedos das mãos. Em lugar do dedo médio estendido, ofensa tradicional nos estádios, os sete dedos, representando os sete gols da Alemanha, serão a marca do futebol nacional, ainda que venha a vencer todas as competições do futuro.

Uma derrota definitiva

Os jornais não deveriam se deixar sensibilizar pelas lágrimas de um ou outro jogador, pelo constrangimento dos dirigentes da CBF ou pela arrogância dos responsáveis técnicos Scolari e Carlos Alberto Parreira. Eles são os líderes de uma geração que fracassou completamente, quando a única coisa que se exigia da equipe era que funcionasse como equipe.

Ainda que alguns dos jogadores venham a participar de uma futura seleção vitoriosa, na Copa América, em outras Copas do Mundo, ou com a conquista inédita de uma Olimpíada, isso não irá apagar a marca do vexame de Belo Horizonte.

O que, sim, se pode mudar, é a estrutura do sistema de futebol profissional, mas essa é uma alternativa que não ganha muitos adeptos na imprensa, porque muitos jornalistas são beneficiados pelo compadrio e as benesses distribuídas pela Confederação Brasileira de Futebol, as federações e a Fifa.

Circula nas redes sociais um texto da jornalista Milly Lacombe no qual ela descreve como, durante a Copa do Mundo de 2006, foi advertida por um editor da SportTV, emissora onde trabalhava, para que amenizasse as críticas a certo jogador da seleção brasileira, porque o empresário do atleta poderia vetar futuras entrevistas dele para a emissora.

Essa relação de promiscuidade entre o jornalismo esportivo e empresários, atletas, dirigentes de clubes e de entidades é parte da estrutura ineficiente que conduziu ao desastre do dia 8, terça-feira. A revelação de que uma quadrilha de falsários e cambistas acompanha os eventos da Fifa é a face mais bisonha desse sistema que explora o esporte.

Ao manter o foco nas emoções individuais de jogadores mimados, com fotografias de rostos lacrimosos, a imprensa desvia a atenção daquilo que é mais importante. A cumplicidade de jornalistas com suas fontes de informação não produz apenas mau jornalismo: alimenta o círculo vicioso de favores que inibe a função principal da imprensa.

A crise é o ponto onde se distinguem os homens dos meninos. Já basta de chororô. É hora de os jornalistas defenderem firmemente a renovação do futebol brasileiro e o banimento dos escroques que enriquecem à custa dessa paixão nacional.