A decisão da justiça americana de inocentar o policial envolvido no episódio controverso da morte do jovem Michael Brown, em agosto, no estado do Missouri, provocou violentos protestos em Ferguson, onde ocorreu o incidente, e manifestações em dezenas de cidades dos EUA, como Nova York, Washington e Los Angeles.
O júri decidiu, na noite de segunda-feira [24/11] , não indiciar o policial Darren Wilson, branco, que atirou em Michael Brown, jovem negro de 18 anos, em um episódio nebuloso e com muitas versões. A mais popular delas, a de que Brown teria sido atingido pelas costas, com os braços levantados em sinal de rendição, acabou se tornando a disseminada pela imprensa e abraçada pelos manifestantes que, a partir da morte do jovem, entraram em violentos confrontos com a polícia.
O jornalista e crítico de mídia Howard Kurtz alertou, no entanto, que o caso tornou-se “uma história de um lado só”. Enquanto os pais de Brown eram entrevistados por repórteres solidários e eram vistos depoimentos de amigos e manifestantes, não se ouvia nada do lado de Darren Wilson ou do Departamento de Polícia de Ferguson.
Narrativa fragmentada
Na segunda-feira, após a decisão da justiça, o presidente Barack Obama foi à TV pedir calma à população. “Eu não sei se o presidente poderia ter dito algo, àquela altura, que detivesse os manifestantes e agitadores depois que [o policial] não foi indiciado, e aqui está o porquê: eles estavam reagindo a uma narrativa midiática que se consolidou logo após a tragédia. E nós sabemos agora que aquela narrativa estava cheia de desinformação”, afirmou Kurtz. “Sabemos agora que algumas testemunhas mudaram suas versões, e admitiram que não presenciaram os tiros. Mas seus relatos, de que Darren Wilson atirou em Michael Brown pelas costas, que Brown tinha suas mãos para cima, que ele estava tentando se render, ecoaram pela mídia”.
A imprensa americana tinha um retrato fragmentado do acontecimento. Só mais tarde no processo soube-se a versão de Wilson: a câmera de segurança de um mercado havia mostrado Brown roubando cigarros. O policial identificou o jovem como suspeito, pouco tempo depois, numa rua próxima. Ao ser abordado, Brown teria desferido dois socos em Wilson, o que o teria deixado com o rosto inchado. Ainda dentro do carro, para se defender do jovem, que tentava puxar sua arma, o policial disparou dois tiros. Já fora do carro, ele perseguiu Brown, que teria parado e começado a avançar em sua direção. Wilson disparou mais 10 tiros, um dos quais atingiu a testa de Brown. Em sua primeira entrevista após a decisão, concedida à rede de TV ABC, o policial disse que lamentava a morte do jovem, mas que não se arrependia de sua ação e agiria da mesma forma se se tratasse de um homem branco.
Há no caso de Michael Brown um cenário grave: a morte de um jovem negro e desarmado por um policial branco em uma comunidade predominantemente negra em que a força policial é de maioria branca. “Estes são temas racialmente carregados que a mídia tradicional costuma abarcar. E, ainda que estes sejam problemas antigos nos EUA, não significa que todo policial nesta situação é culpado”, defende Kurtz.
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