Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cuidados de uma cobertura de crime sexual

Byron Calame usa o espaço de sua coluna desta semana no New York Times [23/4/06] para avaliar a cobertura do diário sobre o caso das acusações de estupro e racismo contra a equipe de lacrosse da prestigiada Duke University, em Durham, na Carolina do Norte.

O caso

Em 13 de março, cerca de 40 jogadores – em sua maioria, brancos – compareceram a uma festa do time em uma casa fora do campus. Foram contratadas, para entreter os rapazes, dançarinas exóticas negras. Uma das mulheres acusou três jogadores de forçá-la a entrar em um banheiro e estuprá-la. A dançarina alega também que foi vítima de insultos raciais. Os três co-capitães do time que organizaram a festa e os advogados da maioria dos jogadores presentes negam que tenha havido qualquer tipo de agressão sexual. Exames iniciais de DNA não ligaram nenhum dos jogadores à acusadora, mas dois deles foram presos na semana passada sob acusações de estupro e seqüestro.

As reclamações

O ombudsman afirma ter recebido aproximadamente uma dúzia de mensagens de leitores sobre o assunto. A maioria delas, diz Calame, classificava a cobertura do Times como injusta com relação aos jogadores de lacrosse e à universidade. Antes de analisar a cobertura, o ombudsman deixa claro que, pela política do jornal, pessoas acusadas não são citadas nominalmente – exceto em ‘raras circunstâncias’. Ele ressalta também que o Times toma cuidados especiais ao lidar com histórias sobre crimes sexuais.

A cobertura

O Times deu início à cobertura sobre o time de lacrosse em 29/3, com uma matéria de capa. Desde então, o jornal publicou mais de 20 artigos sobre os desdobramentos do caso. Calame resolveu reler os textos com atenção, e, após fazê-lo, sentenciou: a cobertura, para ele, parece ‘basicamente justa, com alguns poucos erros relacionados ao posicionamento e espaço dados aos artigos’.

O mesmo pensa Tom Jolly, editor de esportes do jornalão, cuja equipe conduziu as reportagens e que se disse ‘confortável com a cobertura feita’. ‘Desde o começo, nós sentimos que esta história tinha dois elementos principais: um era a acusação de estupro; o outro era o comportamento de um time esportivo de alto nível em uma universidade de prestígio’.

Calame diz que diversas decisões dos jornalistas responsáveis pela cobertura pareceram bastante fundamentadas. A primeira matéria noticiava as acusações da dançarina, como descritas no formulário para o mandado de busca, e as negativas dos jogadores. O destaque na primeira página é controverso, mas justificado, diz o ombudsman: mesmo que a acusação de agressão sexual fosse derrubada, a alegação de racismo e outros comportamentos questionáveis de importantes jogadores universitários ainda levantariam sérias questões de raça e classe social no ambiente acadêmico.

O posicionamento serve também para chamar a atenção daqueles leitores que não costumam passar os olhos na editoria esportiva – visto que o caso ultrapassa a fronteira dos jogos de lacrosse e ganha tons de página policial. ‘Eu acho que o Times prestou um serviço ao alertar a uma audiência maior sobre uma história importante’, completa Calame.

Pelos cuidados especiais do jornal ao lidar com vítimas e acusados de um crime sexual, informações sobre a experiência sexual ou atitudes passadas do acusador que possam ser usadas para minimizar ou suavizar a acusação não deveriam ser publicadas, defende o ombudsman. No entanto, completa ele, em situações de agressão sexual, os leitores merecem saber de fatos que possam afetar a habilidade do acusador a lembrar dos eventos.

Em 14/4, o Times publicou uma matéria da Associated Press que dizia que um dos policiais que viu a dançarina depois da festa teria afirmado que ela parecia bêbada. No mesmo texto, era dito que um exame médico da acusadora ‘não mencionava que ela estaria bêbada’. O artigo não citava, e deveria, segundo Calame, a possibilidade da mulher ter algum problema médico ou outra condição que pudesse afetar seu comportamento.

Do mesmo modo, o ombudsman defende que um artigo de 5/4 sobre o jogador Collin Finnerty deveria ter menos destaque. O texto falava sobre uma acusação sofrida por ele em novembro do ano passado por agredir um homem. Mesmo que Finnerty seja um dos jogadores envolvidos no caso da festa – e um dos dois presos na semana passada –, ‘o tamanho do artigo pareceu fazer muito do incidente [anterior]’. Calame diz que, neste caso, um ou dois parágrafos em algum outro texto sobre o assunto teria sido suficiente aos leitores e justo com o jogador.

Muitas questões surgem ao se analisar a cobertura de um caso tão sensível e que envolve tantos aspectos diferentes. Calame ressalta que, depois de examinar a performance do Times, ficou convencido de que cobrir os procedimentos legais do caso é algo vital. O ombudsman conclui que o jornal deve ficar de olho na história, pois mesmo se a acusação de estupro não vingar, ela não termina por aí. Há ainda muitas questões que devem ser cobertas – entre elas o que será feito da alegação de insulto racial, visto a importância do time e da universidade.