Os jornais de quarta-feira (1/5) publicam alentadas reportagens informando que, no dia 18 de abril, o presidente de honra da Fifa – Federação Internacional de Futebol – João Havelange, renunciou ao cargo honorífico para não ser punido em uma investigação sobre pagamento de propinas. Juntamente com Ricardo Teixeira, seu ex-genro e ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, e do paraguaio Nicolás Leoz, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol e do comitê executivo da Fifa, ele é acusado de receber propinas da agência de marketing esportivo ISL.
O caso vinha se arrastando desde a falência da ISL, ocorrida em 2001, com a descoberta, pela Justiça da Suíça, onde fica a sede da Fifa, de que a empresa havia mantido uma longa relação de negócios paralelos com a entidade, pagando propina para influenciar em decisões importantes na organização de competições internacionais de futebol. Embora os nomes dos envolvidos tivessem sido mantidos em sigilo, a imprensa brasileira tinha informações consistentes sobre o esquema, principalmente por conta do trabalho do colunista Juca Kfouri.
O noticiário dos jornais dando conta de que Havelange havia se desvinculado oficialmente da Fifa há quase duas semanas revela pouco, muito pouco. Revela principalmente que a entidade segue sendo uma caixa-preta a cujo conteúdo a imprensa não tem acesso. Aquilo que é apontado como o epílogo de um processo criminal é apenas uma formalidade para colocar panos quentes em um esquema que certamente vai ter continuidade, com outros nomes na fachada.
João Havelange reinou sobre o futebol mundial por quase 25 anos, período em que o esporte se transformou em um negócio planetário de muitos bilhões. Boa parte de seu poder se baseou na relação com a ISL, cujos proprietários são ligados à empresa de materiais esportivos Adidas. Foi uma longa parceria, iniciada ainda nos anos 1970, e que rendeu grandes lucros para ambas as partes. Mas junto com a grande influência, inclusive sobre as relações entre países, a Fifa também se tornou mais exposta, e as negociatas vieram à tona.
E os outros?
As reportagens publicadas nas edições de quarta-feira pela imprensa brasileira passam a impressão de que o futebol mundial entra agora em nova etapa, livre de trambiques. Mas há muitas perguntas sem resposta, e o fato de a entidade se localizar no espaço nebuloso entre os negócios privados e o ambiente do Estado facilita o acobertamento de irregularidades. Observe-se, por exemplo, que o maior volume de subornos foi pago entre 1992 e 2000, mas, como na época a Fifa não tinha um código de conduta, os pagamentos da ISL aos dirigentes eram considerados comissão por intermediação de negócios.
O Estado de S. Paulo opina diretamente, afirmando que “a prometida ação para punir os responsáveis no futebol e adotar medidas exemplares contra Havelange, Teixeira e Leoz terminou em uma grande pizza”. Com as renúncias, os três dirigentes não sofrerão punição e o caso foi encerrado. Muito provavelmente, nos próximos dias também a imprensa deixará o assunto no esquecimento, mesmo porque muitos ganham muito com a intensa movimentação financeira em torno dos campeonatos de futebol.
A análise cuidadosa dos relatos feitos pelo Estado, a Folha de S. Paulo e o Globo pode deixar o leitor curioso, por exemplo, com a falta de informações sobre o tipo de vantagens que a ISL negociou com os ex-dirigentes do futebol mundial durante todos esses anos. Segundo a investigação, os três principais acusados receberam subornos que totalizaram entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões.
O que foi dado em troca? Essa é uma informação que falta nos jornais.
Num parágrafo discretamente posicionado no meio do texto, o Estado registra: “O documento confirma que Havelange teria recebido milhões de dólares, entre 1992 e 2000, em propinas relacionadas à venda de direitos de transmissão para as Copas de 2002 e de 2006”.
Ora, não é preciso ser diplomado em jornalismo investigativo para adivinhar quem pagou a propina, direta ou indiretamente. No Brasil, até as freiras reclusas sabem quem transmite os principais eventos da Fifa e quais têm sido seus patrocinadores. Mas isso não vai sair nos jornais.