Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Democracia é também não informar

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O WikiLeaks ganhou tintas, perante a opinião pública, de instrumento da democracia; com seu mentor (e fundador), Julian Assange, no papel de herói. Já o jornal inglês News of the World acabou reduzido à essência de todos os males da mídia, mundana e promíscua; e seu proprietário, o australiano (naturalizado americano, para atender memoranduns da FCC) Rupert Murdoch, a vilão de faroeste italiano.

Engraçado só é que os dois casos são, em essência, rigorosamente iguais. E quem condenou um, para ser coerente, jamais poderia louvar o outro. Só que a culpa, no episódio, recai menos sobre o leitor e mais sobre a própria mídia, do novo incapaz de ver seu próprio umbigo. Nessa linha, um exame isento dos casos revelará que há, em ambos, uma mesma questão de forma e uma mesma questão de substância. A ver.

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A forma diz respeito aos meios para obtenção das informações. Dando-se que as escutas telefônicas do News of the World são tão ilegais quando o processo de acesso a documentos reservados dos governos, pelo WikiLeaks –a partir da internet, segundo consta.

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Em relação à substância temos também, nos dois casos, conteúdos que não devem ser revelados. E não devem ser revelados por assim melhor corresponder ao interesse coletivo, esse o fator determinante. De resto, e caso essa reserva seja equivocada, há já processos consolidados para sua revisão.

É assim em toda a parte, a partir de Comissários da Informação (Canadá), Ombudsman e Comissões Administrativas (Suécia), Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (França), Comissão sobre Segredo de Pesquisa (Noruega), Corte Administrativa Suprema (Finlândia), Administrative Appeals Tribunal e Ombudsman (Austrália), District Courts e Civil Service Comissions (EUA). Mesmo no Brasil, com uma “Comissão Mista de Reavaliação de Informações” (art. 35 do Projeto de Lei 219-C), formada por representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

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Em um caso temos a vida privada das pessoas. No outro, além disso, também documentos de outras naturezas. É preciso, aqui, examinar o tema com menos paixão. Porque a idéia de ser antidemocrática, toda regra que estabeleça qualquer limite ao acesso da informação, é só um mito.

Na França, para não ir longe, o prazo médio de sigilo é 30 anos. Mas são de: a) 60 anos (da data de produção do fato), para segurança do Estado e vida particular; b) 100 anos (do encerramento do caso), para assuntos jurídicos; c) 120 anos (da data do nascimento), para informações pessoais; d) 150 anos (da data de nascimento), para informações médicas. E a França, ninguém dirá o contrário, é um espaço democrático.

Em todos os países as regras são parecidas; podendo inclusive, em casos específicos, não haver esse acesso. A Suprema Corte nos Estados Unidos, a propósito, já definiu, no caso O’Connor x United States (1991), que o governo tem poder de bloquear informações que considere relevantes. Com esse acesso, indistintamente, sendo imediato; ou dando-se em alguns anos; ou “pelo tempo que requererem as considerações de Segurança Nacional” (a mão ainda treme, ao escrever essas duas palavras). Indeterminado, pois. De tudo resultando que certo distanciamento, entre fato histórico e acesso à informação, resulta em tantos casos mesmo desejável.

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Sobre o jornal inglês, todos estamos de acordo. Contra. Sem contudo perceber que divulgar informações em poder do governo pode ser tão danoso, ao interesse coletivo, quanto expor detalhes da vida íntima das pessoas (protegidas pela privacidade). Tomemos, entre muitos, o exemplo banal da fórmula da Coca-Cola – que, só para lembrar, é um segredo (industrial) em poder do governo (INPI). Vem o WikiLeaks edivulga. O que acontece?, já sabemos. Em cada esquina desse país vai abrir uma fábrica de tubaína – que venderá o mesmo sabor da Coca por metade do preço (ainda menos, que quase inevitavelmente nenhuma delas pagará imposto). O que a democracia ganha com isso?

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A regra, generalizada, é estabelecer reserva sobre alguns temas. Onze deles estão inclusive presentes em todas as legislações de países com democracia consolidada. Textos sobre fronteiras. Efetivos de forças armadas. Planos militares, que nenhum país divulga. Privacidade. Sigilos profissionais também, entre eles o das confissões religiosas. Outros mais. Em tudo se reafirmando uma verdade simples, e que (ainda) causa pavor à mídia – a de que democracia é informar e é também não informar.

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Então, assim ficamos. Ou não deve haver nenhum limite à informação, caso em que WikiLeaks eNews of the World devem ser tidos como mensageiros do bem. Ou podemos (e mesmo devemos) admitir limites democráticos a esse acesso à informação, sugeridos sempre pelo interesse coletivo – caso em que Murdoch e Assange acabam sendo vilões muito parecidos.

Os leitores podem escolher. Um lado ou outro. Só não podem é louvar o WikiLeaks emandar ao inferno o New of the World. Apenas por não ser razoável. Nem coerente. E isso basta.

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[José Paulo Cavalcanti Filho é advogado no Recife (PE), ex-presidente do Conselho de Comunicação Social]