Lembrando: “É importante que quanto maior for a cobertura de um órgão de imprensa, maior seja o compromisso do jornalista com sua responsabilidade social” (“Jornalismo de qualidade e responsabilidade social“, por Rackel Cardoso Santos, Observatório da Imprensa, 16/12/2008).
Causou perplexidade a morte, supostamente por homicídio, de cinco membros da família do sargento da Polícia Militar de São Paulo (PMESP) Luís Marcelo Pesseghini, incluindo a esposa dele, cabo Andréia Pesseghini (também da PMESP). Os dois foram encontrados mortos no dia 5 de agosto de 2013, na residência da família na cidade de São Paulo, ambos apresentando ferimentos no crânio produzidos por disparo de arma de fogo (pistola calibre 40). Juntamente com o casal, também morreram o filho Marcelo (de 13 anos), a mãe e a tia de Andréia.
Apenas quatro dias depois da tragédia envolvendo a família Pesseghini, em 9 de agosto, teve destino semelhante a família do subcomandante da Guarda Civil Municipal da cidade de Mairinque (distante 65 quilômetros da cidade de São Paulo), incluindo o próprio guarda municipal Laercio de Souza Lanes e sua esposa, Lindalva Prado Lanes, enquanto o filho do casal (de 10 anos) também foi encontrado alvejado, na cabeça, sendo socorrido em estado grave.
Menções evitadas
Copycat em 9 de agosto do ocorrido em 5 de agosto? Talvez…
Copycat é uma expressão em inglês que resulta da justaposição da palavra copy, que significa “cópia”, seguida da palavra cat, que quer dizer “gato”. Ela tem sua origem no fato de que os filhotes de gatos tendem a imitar, todos juntos, o comportamento da mãe. Assim, a expressão se refere, indiretamente, às manifestações da tendência humana de reproduzir comportamentos modelados de outros indivíduos, tendência essa jocosamente representada no bordão “o que o macaco vê o macaco faz”.
O efeito copycat tem sido sistematicamente apontado na literatura criminológica, sempre que a ocorrência de um determinado fenômeno “dispara” uma onda de ocorrências similares. Parece ser típico, por exemplo, de quando acontecem suicídios ou homicídios de grande repercussão. Assim, a informação ou publicidade dada a um suicídio ou homicídio pode fazer com que, logo em seguida, aconteçam ocorrências da mesma natureza.
A mídia de postura socialmente responsável muitas vezes evita fazer menção a certas ocorrências, caso, por exemplo, do vandalismo, já que uma simples referência a uma ocorrência pode fazer desencadear várias outras, segundo o efeito copycat. Com o suicídio acontece o mesmo. O suicídio do músico Kurt Cobain, líder da banda norte-americana Nirvana, ocorrido em 1994, parece ter relação com suicídios subsequentes.
As “fórmulas dramatúrgicas”
Uma das bases teóricas explicativas do chamado efeito copycat é a “Teoria da Aprendizagem Social”, ou “Teoria da Modelagem”. A “Teoria da Aprendizagem Social” (TAS), ou “Teoria da Modelagem”, (TM) sustenta que os indivíduos podem aprender determinados comportamentos socialmente, de maneira informal, incluindo como portar-se em situações específicas, fruto da mera observação. A aprendizagem estaria condicionada pela observação de que os comportamentos verificados nos “modelos” produziriam resultados também almejados por terceiros. Assim, a imitação seria procedida na expectativa de obter os mesmos resultados observados na ação ou comportamento modelado.
A mídia, tão abundante na sociedade moderna, reproduziria muitas das “situações modelo” para aprendizagem pela imitação ou modelagem – copycat. Isso ocorreria tendo em conta o valor supostamente positivo ou negativo atribuído pela mídia às situações por ela retratadas como “ideais”/”reprováveis”, quer seja no plano real ou ficcional. Consequentemente, ela passa a ser uma poderosa fonte de modelagem de “comportamentos sociais almejados/reprováveis”. Assim, ela passa a ser uma das fontes mais determinantes de modelos de como a sociedade deve funcionar ou não e, correspondentemente, de como os indivíduos devem comportar-se em situações sociais específicas.
Um exemplo bem tangível do efeito comportamental da informação produzida pela mídia são as “fórmulas dramatúrgicas” das telenovelas, sempre bastante semelhantes em essência – todas elas condicionantes de níveis de audiência. Segundo elas, situações afetivas se complicariam em um primeiro momento, por força de um incidente marcante qualquer, passando em seguida por um estado de conflito e confusão, para derradeiramente chegarem a uma resolução ou “final feliz”… Os telespectadores se apegariam a esse formato, produzindo “bons índices de audiência” sempre que o formato estivesse presente, o que seria reforçado pelo “final feliz” previamente esperado pelos próprios telespectadores, produzindo um sentimento de “auto-corroboração”…
A previsibilidade de episódios
Obviamente, ainda que “modelando” comportamentos bem-sucedidos dos personagens ficcionais das telenovelas, nem por isso as pessoas do “mundo real” passam a ter os mesmos desfechos glamorosos e felizes em suas vidas…
A “Teoria da Aprendizagem Social” (TAS), ou “Teoria da Modelagem” (TM), tem como um dos seus precursores o psicólogo Albert Bandura (Mundare, Canadá, 1925). No plano da criminologia, a TAS serve para explicar, de maneira esquemática genérica, como a agressão é aprendida “por modelagem”. Contrariando esquemas teóricos positivistas que apontam que as tendências violentas seriam “herdadas biologicamente”, a TAS, ou TM, sugere que elas são essencialmente “aprendidas ou modeladas socialmente”. Em um primeiro estágio do desenvolvimento psicossocial, as crianças aprenderiam “respostas agressivas” ao observar outras pessoas (na família primordialmente), através da mídia (nos “desenhos”, ou videogames, por exemplo) ou no ambiente social externo à família (com os “amiguinhos”, basicamente). Isso eventualmente levaria o indivíduo a um “reforço positivo” em relação a certos comportamentos observados, o que implicaria que eles devessem ser emulados ou copiados sistematicamente, promovendo ganho material, aumento da estima de terceiros ou da própria autoestima.
Se as teorias de Bandura explicam, na modelagem da aprendizagem social, as causas da agressão, autores mais recentes dessas mesmas teorias trabalham com a previsibilidade de episódios emulados de ocorrências anteriores. É o caso de Loren Coleman, em sua obra O Efeito Copycat (The Copycat Effect) de 2004.
Além do senso comum
Segundo Coleman, situações passadas podem servir para previsão da ocorrência de eventos futuros acontecidos por modelagem. Seria o caso, por exemplo, de ocorrências de violência letal. Em relação a elas, vale destacar a observação de que algumas guardem um padrão temporal em sua emulação, fazendo com que os fatos se repitam algum tempo depois do episódio noticiado, podendo ocorrer a curto, médio ou longo prazo, dependendo do “relógio interno” do autor. Não menos importante, poderiam ser emuladas também as características pessoais do autor, das vítimas, a motivação e até mesmo o modus operandi utilizado originalmente.
Dentre todas as conclusões de Coleman, a mais importante talvez seja a de que ocorrências intensamente veiculadas pela mídia terão maior possibilidade de ser objeto do fenômeno de modelagem, se constituindo, portanto, em ameaças significativas partindo de sua ocorrência e consequente divulgação pública.
O fenômeno vulgarmente denominado de copycat, portanto, talvez faça parte da dinâmica social muito mais intensamente do que faz supor o senso comum. E as tragédias de São Paulo tenham relação uma com a outra…
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George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF