Os jornais destes dias de carnaval oferecem um conjunto de símbolos que podem fazer a delícia dos adeptos da semiótica proposta pelo cientista americano Charles Sanders Peirce: desde o conjunto de ideias que se pode associar à expressão “tríduo momesco” até o conjunto formado pela decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal sobre a Ação Penal 470, a disputa eleitoral e o próprio carnaval, há na imprensa uma profusão de signos esperando para serem desvendados.
A fala do presidente do STF, admitindo manobras para definir a prisão dos condenados, lembra o conceito peirceano segundo o qual não é o pensamento que está em nós, mas nós é que estamos no pensamento. Assim, o leitor de jornais precisa, antes de tudo, abdicar da ilusão de que o universo midiatizado é real: não, os signos que nos bombardeiam constantemente não representam estaticamente a realidade, mas formam um movimento ininterrupto de ganho e perda de saberes. Nós os absorvemos ou descartamos depois de confrontar a diferença entre duas hipóteses contraditórias e ponderar com uma terceira para justificar nossa escolha.
O carnaval, a decisão do STF e o processo eleitoral são categorias de fatos, ou fenômenos que chegam às nossas consciências sob todas as formas de linguagem. Por exemplo, muitos julgam que uma decisão da Corte Suprema traz uma qualidade absoluta, ou seja, ela representa um signo absoluto. Para outros, esse mesmo fato deve ser pensado, ou seja, trata-se de um fenômeno da existência, que só pode ser interpretado em relação a outra coisa. Um terceiro grupo de pessoas pode considerar que o mesmo fenômeno, ou seja, uma decisão do STF, é um signo mediador, que surge enquanto são interpretadas as relações entre os fatos.
Parece complicado?
Na verdade, a função dos teóricos é complicar aquilo que pode ser entendido intuitivamente. Assim, bastaria dizer que o signo é uma coisa que representa outra coisa. Portanto, uma fala do presidente do STF pode ser representada na categoria da primeiridade, como um valor em si; pode também ser pensado em relação a outra coisa, como as eleições, e estará na categoria da secundidade; e, finalmente, a mesma fala pode ser tomada como terceiridade, uma síntese de muitos fatos correlacionados.
O coro dos celerados
Aí é que a coisa se torna interessante. Veja o leitor e a leitora atentos e críticos que o mesmo fenômeno – uma fala do presidente do STF – pode produzir os três tipos de compreensão.
Pode representar uma parte da ritualística da corte, na qual o perdedor bate o pezinho e demonstra seu descontentamento com uma frase que pode desmoralizar sua própria toga. Pode também compreender o mesmo signo verbal como elemento de uma disputa eleitoral, na qual o personagem tem papel relevante, mesmo que não venha a se candidatar. E pode também significar uma terceiridade, ou seja, pode ser tomado como uma sentença do presidente do STF contra a própria Justiça e a democracia.
Toda nossa conversa tem a ver com a imprensa, pois estamos falando de como, segundo o teórico da semiótica, um signo, daqueles que compõem uma notícia, sendo um dado da consciência, produz um saber específico que vai formar o conjunto das consciências da sociedade, de onde irão brotar as decisões diante das urnas ou uma crise política e social.
Nesse processo dinâmico de formação de significado, pode-se projetar três possibilidades, na linha das três categorias fenomenológicas de Peirce. Em todas elas se pode observar um determinado grau de influência da mídia.
Na primeira possibilidade, a fala do presidente do STF foi apenas uma de suas costumeiras manifestações de birra, ou seja, o destempero é apenas sintoma de falta de compostura. Na segunda, trata-se de uma tática para desmoralizar seus antagonistas na corte, o que pode repercutir indefinidamente até produzir uma grave crise institucional. Na terceira, a frase do ministro reproduz o efeito pirotécnico do desfile carnavalesco e se esvai no fim da passarela.
O problema está na categoria da secundidade: a fala do presidente do STF provocou um surto em determinados ativistas das redes sociais, seguidores dos pitbulls reacionários credenciados pela imprensa. O destempero do ministro abriu a caixa de Pandora da insanidade, pondo em evidência dois oficiais do Exército e um da Marinha, uma apresentadora do SBT, um publicitário aposentado e um punhado de celerados, que passaram a pregar abertamente o golpe militar e o assassinado de líderes do atual governo.
Enquanto isso, a imprensa se empolga no sambódromo.