Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escândalo provoca debate sobre pressão comercial no jornalismo

“Se grandes jornais permitem que corporações influenciem seu conteúdo por medo de perder receita publicitária, a democracia está em perigo”. A frase é de Peter Oborne, principal comentarista político do Daily Telegraph, que pediu demissão acusando o jornal britânico de suavizar sua cobertura jornalística em nome de um contrato publicitário.

Segundo Oborne, o Telegraph omitiu informações sobre denúncias de que o HSBC teria ajudado milhares de clientes a lavar dinheiro na Suíça. Depois de publicar seis artigos sobre a investigação sofrida pelo banco, funcionários do Telegraph receberam ordem de destruir todos os emails, anotações e documentos ligados ao inquérito.

Desde 2013, após o banco parar de anunciar no Telegraph, a publicação de matérias críticas sobre ele passou a ser desestimulada na redação. De acordo com Benjamin Mullin, do Instituto Poynter, nos EUA, a conta era extremamente valiosa para o jornal – um ex-executivo do Telegraph teria lhe dito que o HSBC é “o tipo de anunciante que você, literalmente, não pode se dar ao luxo de ofender”.

Assim, o jornal britânico queria reconquistar a conta do banco. Oborne afirma que o executivo-chefe do Telegraph Media Group, Murdoch MacLennan, estava “determinado a não permitir qualquer crítica ao banco internacional”. Jornalistas que já trabalharam para o Telegraph contam que MacLennan se preocupava até com os títulos de matérias pequenas. Qualquer menção a “lavagem de dinheiro” era proibida.

Esta situação foi irritando Oborne, que decidiu entregar seu cargo e falar publicamente sobre o assunto por conta da mais recente investigação envolvendo o HSBC – apelidada de “Swiss leaks”. O banco é acusado de ajudar cerca de 100 mil clientes a esconder dinheiro em contas secretas em Genebra. Apesar da ampla cobertura do caso, diz Oborne, os leitores do Telegraph precisariam de um microscópio para achar o assunto nas páginas do jornal.

Realidade comercial

O Telegraph reagiu às críticas de seu ex-funcionário e da imprensa britânica atacando outras organizações de mídia. Em um editorial publicado online na quinta-feira [19/2], o jornal afirma que não tem porquê se desculpar por sua cobertura do escândalo envolvendo o HSBC.

No texto, são citados o jornal The Guardian e a rede BBC, primeiros veículos britânicos a revelar o caso. O Telegraph critica a BBC por ser financiada pelo público, e o Guardian, que é administrado por um fundo, por “estar protegido da realidade comercial”.

O jornal diz que se importa profundamente com seus leitores, com quem tem um laço de confiança, e ressalta que “não há tema, pauta, pessoa ou organização proibida” para seus jornalistas. O Telegraph promete, ainda, criar diretrizes para definir claramente e abertamente como suas equipes editorial e comercial “irão cooperar em uma indústria midiática cada vez mais competitiva”. “Estamos orgulhosos de fazer aquilo que nossos críticos não podem ou não farão: combinar excelência jornalística com sucesso comercial. Nós o fazemos para vocês, nossos leitores. E vamos continuar fazendo”, conclui o artigo.

Empréstimo

O Guardian pode ter irritado o Telegraph por ter publicado reportagem em que afirma que, em dezembro de 2012, os donos do jornal, os irmãos David e Frederick Barclay, teriam conseguido um empréstimo de 250 milhões de libras do HSBC para outra empresa de seu grupo que passava por dificuldades financeiras. De acordo com Oborne, foi no início de 2013 que começaram as pressões para que os jornalistas do Telegraph não divulgassem informação críticas ao banco.

O Telegraph nega que as decisões sobre a cobertura recebida pelo HSBC tenham alguma relação com o empréstimo recebido, afirmando que os negócios dos irmãos Barclay já receberam empréstimos de diferentes bancos.

 

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