O Observatório da Imprensaexibido ao vivo na terça-feira (20/11) pela TV Brasil trouxe uma entrevista de Alberto Dines com o jornalista Geneton Moraes Neto, um reconhecido repórter que está completando 40 anos de carreira. Neste depoimento, o Geneton conversou sobre pecados e virtudes do jornalismo e relembrou os bastidores de entrevistas com personalidades de destaque da história brasileira. Ele começou sua carreira no Diário de Pernambuco e passou por diversas publicações. Em 1985 passou a trabalhar na TV Globo. Escreveu livros-reportagem como Dossiê Brasília: os Segredos dos Presidentes e Dossiê Drummond.
Conhecido por seu estilo contundente, em 2010 Geneton gravou uma série de entrevistas com generais que atuavam na ditadura militar, exibida pelo canal Globo News. Na abertura do programa, Geneton contou que viveu uma situação inusitada com generais Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército, e Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do SNI e ex-comandante militar do Planalto. Em diversos momentos, os entrevistados devolveram as perguntas de forma agressiva, ao invés de responder ao jornalista.
Para o repórter, a sua função naquele momento não era debater com os entrevistados, por isso ficou calado diante da confrontação. O jornalista, na opinião de Geneton, não pode se dar ao direito de selecionar quem vai entrevistar. Na primeira vez em que propôs a entrevista ao general Newton Cruz, o militar negou e respondeu, em tom de brincadeira, que era mal educado e que acabaria gritando durante o depoimento. Apenas na quarta tentativa o general concordou com a gravação.
Muitas histórias para contar
Há lacunas históricas dos anos de chumbo que precisam ser preenchidas, na opinião deGeneton Moraes Neto. E agora é tempo de contar o que não pôde ser revelado durante a ditadura militar. Geneton contou que uma vez perguntou ao consagrado repórter Joel Silveira, seu mestre e amigo pessoal, que matérias sugeriria para um profissional iniciante apurar. Joel listou pelo menos dez assuntos não esclarecidos sobre a ditadura, como a morte da estilista Zuzu Angel e do deputado Rubem Paiva.
“O jonalismo pode cumprir um papel interessante. Não é só essa coisa acusatória. Você pode colocar algumas coisas em pratos limpos”, disse. Para Geneton, há uma tendência de “folclorizar” fatos da ditadura. Diversas suposições parecem teorias conspiratórias, como a de que o ex-presidente Juscelino Kubitscheck teria sido assassinado.
É fascinante que o jornalismo possa tocar em pontos incômodos, na opinião de Geneton.Esta é uma obrigação da imprensa, que nãopode se furtar a “nadar contra a corrente”.O repórter relembrou a entrevista com o ex-guerrilheiro Carlos Eugênio Paz. No depoimento, o ex-comandante militar da Ação Libertadora Nacional (ANL) confirma os rumores de que teria participado da execução de um companheiro de luta. Após a confissão, o ex-guerrilheiro disse que não contara isso antes porque os jornalistas não lhe perguntaram diretamente sobre o assunto.
“Eu acho que entrevista tem que ser, obrigatoriamente, um instrumento de prospecção e de revelação, e não de congratulação. É o que você vê frequentíssimamente aqui no Brasil”, criticou Geneton. São as “entrevistasvoleibol”, onde o repórter fica apenas levantando a bola para o entrevistado. Para Geneton, é zero a possibilidade de ocorrer algo interessante em uma conversa onde o personagem é “congratulado” pelo repórter.
O lugar da ideologia
Geneton ressaltou que o jornalista exerce um serviço público e, por isso, não pode se deixar levar por preferências políticas. “Você deve exercer a patrulhagem ideológica na cabine de votação ou na mesa do bar; você com o entrevistado, não. Eu estou falando uma coisa que pode parecer óbvia, mas não é, não. Há jornalistas, que não são poucos, que se recusariam a entrevistar o George W. Bush porque ele invadiu o Iraque. Ou, no outro lado, se recusariam a entrevistar Fidel Castro porque é um ditador. Eu pagaria 1 milhão de dólares para entrevistar Bush ou Fidel”, disse Geneton.
Ao gravar uma entrevista, Geneton costuma ter em mente uma pergunta sugerida por um editor inglês a um iniciante: “Toda vez que você estiver entrevistando um líder sindical, um presidente da República, um astro de rock, seja quem for, intimamente, pergunte sempre a você mesmo: ‘por que será que este bastardo está mentindo para mim?’”. Outro preceito que procura seguir diariamente é o de não se contaminar com uma situação que batizou de “síndrome da frigidez editorial”. De tanto lidar com o que é extraordinário, o jornalista corre o risco de achar que o inusitado é corriqueiro e não vale a pena ser noticiado.
Outra “praga” do jornalismo brasileiro lembrada por Geneton é o costume de repórteres fazerem afirmações, e não perguntas, nas entrevistas. E também o de fazer jornalismo para jornalistas, e não para o público. “Você vê uma diferença brutal entre o que se vê na Redação e a vida real”, lamentou o repórter. Um bom teste é a ir até uma padaria. Enquanto os frequentadores do local podem achar interessante a ideia de uma entrevista com um sobrevivente do Titanic, em uma Redação a pauta poderia ser desprezada porque o desastre já tem mais de cem anos.
Jornalismo apático
Falta emoção na imprensa, na opinião de Geneton Moraes Neto. O jornalista relembrou uma entrevista com o escritor, teatrólogo e cronista Nelson Rodrigues para o Diário de Pernambuco, em 1978, quando Rodrigues se queixava da falta de pontos de exclamação nos títulos de jornal. Nelson Rodrigues contava que o jornal A Noite havia publicado uma manchete inesquecível sobre um estudante que morreu em uma manifestação no Rio de Janeiro: “Primavera de Sangue”.
“Ele dizia que a imprensa, em nome da objetividade, estava perdendo a alma. Ele citava sempre o caso da morte do [ex-presidente dos Estados Unidos John] Kennedy. Eu me lembro que ele dizia – e ninguém usava adjetivos como Nelson Rodrigues: ‘Kennedy tinha aquele queixo plástico e estava despedaçado em Dallas, morto, e os jornais aqui não se deram ao trabalho de dar um ponto de exclamação na manchete’”, lembrou Geneton.
Dines comentou que o mito da objetividade foi forjado justamente para disfarçar a emoção e, com isso, a imprensa perdeu a capacidade de contagiar o leitor e o telespectador. Para Geneton, a modernização da imprensa ocorrida a partir da década de 1950 foi uma conquista, mas, por outro lado, gerou uma obsessão pela frieza. “Abriu caminho para a mediocridade, para a mesmice; se confundiu isso com jornalismo”, criticou o repórter.
Os dois lados da verdade
Geneton disse que é favor da exigência do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão, mas ponderou que o caminho pode ser uma especialização. “Eu não conheço ninguém que tenha ficado mais burro estudando”, disse Geneton. Para o repórter, as grandes lições sobre a profissão se aprende na prática. E citou o exemplo uma das suas primeiras reportagens, aos 16 anos, sugerida pelo editor Antônio Camelo: uma denúncia sobre as precárias condições do Hospital Psiquiátrico Tamarineira, no Recife.
Com a petulância típica da juventude, Geneton misturou-se clandestinamente aos pacientes e ouviu as reclamações dos internos sobre o local. Em seguida, retornou ao hospital, procurou a diretoria e identificou-se como repórter. “A diretora disse: ‘A gente tem uma equipe de nutricionistas, segunda-feira servem frango, terça-feira servem carne…’. Aquele mundo cor-de-rosa. Ali eu já aprendi uma coisa para o resto da vida: que existem duas verdades – a verdade oficial e a verdade dos fatos. Você não pode confiar cegamente em uma ou em outra”, disse.
Dines perguntou sobre o impacto da internet na imprensa. Para Geneton, as novas tecnologias de comunicação dessacralizaram a figura do jornalista – e isso é um fato louvável. “Tornou um pouco ridícula aquela coisa de ficar na Redação decidindo o que o mundo vai saber. A internet acabou com isso. Outro dia eu fiz uma brincadeira na internet dizendo que o jornalista típico é aquele que acorda de manhã, olha para o espelho e pergunta: ‘Qual é a lição de música que eu vou dar a Beethoven hoje?’. Ou, então: ‘Qual é a lição de futebol que eu posso dar a Pelé?’. O jornalista tem essa pretensão que eu acho que a internet acabou.”
Profissão insubstituível?
Por outro lado, a boa notícia para o velho jornalismo é que hoje, mais do que nunca, a credibilidade tornou-se uma moeda valiosa. Grandes jornais vão sair fortalecidos como fonte de notícia confiável. Para Geneton, a figura do jornalista como alguém habilitado a hierarquizar as notícias e a transmitir as informações de maneira clara e instruída, como preconizava o jornalista Paulo Francis, sempre será necessária.
A importância da Redação como espaço de criação coletiva também foi discutida no programa. “Eu acho uma pena que está se perdendo um pouco essa coisa da Redação como ambiente. Hoje, com as facilidades tecnológicas que você tem, vai chegar o dia em que cada um vai ficar em um lugar, escrevendo. Vai se perdendo essa coisa da convivência. Já se perdeu um pouco. Lembro quando eu entrei na Redação do Diário de Pernambuco, e para quem tem 16 anos é uma coisa inesquecível, do ruído das máquinas de escrever e das mãos sujas de tinta, do cheiro de cigarro e do barulho das rotativas. Hoje, você entra em qualquer Redação e parece que você está em um hospital”, sublinhou Geneton.
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[Lilia Diniz é jornalista]