Tarefas antagônicas exercidas por jornalistas figuram entre as explicações da surpresa com que todos os habitantes do país em condições de acompanhar a vida pública tropeçaram nas jornadas democratizantes de junho. De um lado, o esforço dos que passam os dias tentando conhecer e expor a realidade, o que muitas vezes requer lutar dentro de suas redações. De outro lado, os que empenham seus atributos intelectuais e retóricos na tarefa de ocultar ou distorcer fatos da vida do país.
A contraposição é pesada mas, infelizmente, verdadeira. Os dois lados atuaram de modo relativamente competente segundo padrões que davam para o gasto até duas semanas atrás. Mas os jornalistas propriamente ditos levaram a melhor: fatos que eles narraram, ainda que de modo imperfeito, limitado, enviesado, sensacionalista, circense, estão na origem da raiva que explodiu nas ruas brasileiras e foi depois traduzida em pesquisas de opinião sobre governantes das três esferas do poder.
Discurso da empulhação
O discurso produzido pelas consultorias de comunicação e assessorias de imprensa, sob a batuta de marqueteiros, deu com os burros n’agua. É um discurso mentiroso, cínico, empulhador, do qual os emitentes (presidentes da República, governadores, prefeitos, parlamentares, partidos) deveriam ter em algum momento desconfiado. Ou que lhes deveria ter repugnado, se lhes restasse uma dose razoável de republicanismo democrático e sentido ético na atividade política.
Cá entre nós: até os marqueteiros deveriam ter desconfiado. Principalmente porque a narrativa dos motes publicitários foi desmentida dia após dia pelas matérias de jornais. Mas todos os distintos usuários das narrativas forjadas (pagas, direta ou indiretamente, com dinheiro público, mais um fator de escárnio) partem da premissa de que o povo é bobo, incapaz. Não é maldade. É concepção de mundo. Não percebem a diferença entre ser oprimido e ser bobo.
De que se queixam?
Para que se vislumbre como o fenômeno é arraigado, na edição de segunda-feira (1/7) da Folha de S. Paulo dois dirigentes da agência de comunicação corporativa e assessoria de relações públicas Máquina PR, Maristela Mafei e Marcelo Diego, assinaram artigo no qual manifestam sua surpresa diante de um furor que “acontece em um país com inflação dentro da meta, baixa taxa de desemprego, expansão do consumo e eleições livres” (ver “Uma mudança sem volta”). De que se queixam? – parecem dizer Mafei e Diego.
A lista de clientes da Máquina (que nasceu Máquina da Notícia) inclui Embratur, Petrobras, Prefeitura de São Luís, Sebrae-SP e alguns dos maiores grupos empresariais do país. Sua concorrente CDN (Companhia da Notícia) trabalha para agências do governo federal, os ministérios da Justiça e da Saúde, a Secretaria da Comunicação Social da Presidência da República, os governos de Minas Gerais e São Paulo. A FSB, apontada como a maior assessoria de comunicação do país, não publica lista de clientes governamentais. Informa apenas que “tem atendido todo o espectro político”, o que considera uma decorrência da “crença na democracia representativa” e não da indiferença a convicções.
Mas nas últimas décadas, agora se pode ter certeza, os fatos vividos – e a pequena parte deles que é noticiada – acabaram pesando mais no imaginário da população do que as versões arrumadinhas.
Toninho do PT, Celso Daniel
Numa recapitulação dos elementos de irritação e temor da população em que a cronologia começasse quase trinta anos atrás, o fracasso do Plano Cruzado, no governo Sarney, seria o marco mais visível, seguido pelo confisco da poupança e pelo fracasso do plano econômico do governo Collor
Se o ponto de partida fosse o governo de Fernando Henrique Cardoso, a suposta compra de votos para aprovar a PEC da reeleição, em 1998, pode ter alimentado uma desconfiança difusa. O Plano Real, tão bem-recebido, sofreu descarrilamento em 1999 (depois das eleições…), mas sobreviveu. E houve o “apagão” de 2001.
Se, porém, a datação começasse com a ascensão do petismo lulista ao poder maior, o tópico da dissonância entre a história oficial e os fatos teria que começar em setembro de 2001, quando foi assassinado o prefeito de Campinas Toninho do PT (Antônio da Costa Santos), e continuar com a execução do prefeito de Santo André Celso Daniel, em janeiro de 2002. Foram acontecimentos chocantes que envolveram o até então geralmente dado como impoluto Partido dos Trabalhadores de Lula.
Não é pura coincidência que interesses contrariados de empresas de ônibus tenham sido cogitados como motivações dos crimes, que a polícia paulista atribuiu à chamada criminalidade comum. Nem, muito menos, que um movimento por passe livre nos ônibus tenha finalmente encontrado, onze anos depois, a porta de acesso ao país das maravilhosas manifestações.
Não seria má ideia seguir detalhadamente a cronologia, que passa por Waldomiro Diniz/Carlinhos Cachoeira, mensalão, Palocci vs. caseiro Francenildo e outras perfídias.
Mas bastam seis meses de notícias trágicas e aberrantes para dar ideia da dissonância entre a história oficial e o que as pessoas estão vivendo.
2013 começou com chacina
Em 4 de janeiro de 2013, uma chacina em que sete pessoas foram mortas no Jardim Olinda, zona sul de São Paulo, trouxe à memória toda a mortandade causada no ano anterior pela guerra entre a Rota, tropa de choque da PM paulista, e o PCC, entidade que assumiu o controle de facto dos presídios do estado – e, fora deles, do chamado crime organizado. O número de mortos em 2012 aumentou 40% em relação a 2011. Foram 428 pessoas a mais, entre elas 107 policiais militares e, em represália a esses assassinatos, em torno de 200 indivíduos “com passagem anterior pela polícia”, ou “suspeitos”, ou “civis”.
No mesmo dia 4, um padrão de comportamento policial truculento foi reiterado pela milionésima vez em conflito da Guarda Civil Metropolitana com skatistas na Praça Roosevelt, centro de São Paulo. Mas nesse caso houve algo diferente: um dos rapazes agredidos filmou a cena e colocou no YouTube o vídeo, que alcançava, seis meses depois, quase 3,2 milhões de exibições (ver aqui).
Cresceu desde então um padrão de resistência e denúncia documentada que descreveu toda uma trajetória em locais públicos da capital paulista e na internet. A Praça Roosevelt, não custa lembrar, foi onde manifestantes se reuniram inicialmente no dia 13 de junho, a quinta-feira da virada da opinião pública e da mídia. O dia em que também repórteres foram espancados, atingidos deliberadamente com balas de borracha.
Jabor, o paroxismo
Até esse dia de junho, a editorialização do noticiário, a ignorância dos jornalistas e uma parte ponderável do opinionismo tratava o Movimento Passe Livre como uma espécie de aberração inexplicável. O autor destas linhas prefere não adotar a posição marota de silenciar sobre sua posição: participava desse desconhecimento hostil.
A aberração dessa mentalidade emergiu pela boca de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo. O comentarista ofendeu grosseiramente gente sobre quem não tinha informação nenhuma, como reconheceria depois. Com o estilo de sempre, começava assim: “Mas afinal o que provoca um ódio tão violento contra a cidade? Só vimos isso quando a organização criminosa de São Paulo [PCC] queimou dezenas de ônibus. Não pode ser por causa de 20 centavos”. E terminava assim:
“Esses caras vivem no passado de uma ilusão. Eles são a caricatura violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende aqui. Realmente, esses revoltosos classe média não valem nem 20 centavos” (ver aqui).
Seis meses de dureza
Para quem torce por um jornalismo melhor, é preocupante que tantas deixas tenham sido anestesiadas pela cobertura rotineira, pela escassa curiosidade, pela sobrecarga de trabalho, pela incapacidade de ligar os pontos e formar uma figura.
Não por acaso foram policiais que fizeram o caldo das manifestações entornar, no dia 13 de junho, no colo dos governantes. O tiro saiu pela culatra em São Paulo. O governo esperava aplausos pela repressão. Ganhou repulsa.
>> Janeiro de 2013 como que condensou, na mídia, várias das razões que fizeram tanta gente ir para as ruas e muita gente mais aplaudir.
>> Inundações/corrupção. As primeiras enchentes de verão, na Baixada Fluminense, mostraram a eterna fragilidade de bairros pobres e outros nem tanto, em diferentes cidades do país. Em março, novo castigo na Região Serrana do Rio de Janeiro trouxe ao noticiário a reiteração de denúncias sobre desvio de verbas destinadas a ajudar vítimas e melhorar a preparação para temporais. Muito pior do que roubar bala de criança.
>> Infraestrutura de serviços públicos. O fornecimento de energia elétrica preocupou. Meses depois, houve uma série de cortes.
>> (In)segurança pública. O secretario de Segurança Pública de São Paulo proibiu a PM de “socorrer” suspeitos baleados em confrontos (não proibiu os PMs de ajudar outras pessoas, mas os jornais foram por esse falso caminho, soprado por alguém que desejava desqualificar a medida). Meses depois se constataria queda do número de homicídios cometidos por policiais em serviço. Pararam de “tentar socorrer” as vítimas deles mesmos.
>> Saúde. Novos e velhos problemas levaram o governo a suspender a venda de planos de saúde por 225 empresas. No terreno da saúde pública, manchete da Folha: “SP [município] tem 661 mil pedidos médicos na fila de espera”.
>> Transporte urbano. A superlotação do metrô paulistano voltou ao noticiário na forma de um boato que provocou pânico e correria entre as estações Consolação e Paulista.
>> Abuso de poder/corrupção. Verbas do gabinete de Henrique Eduardo Alves foram parar na conta da empresa de um assessor do deputado. A sede da empresa ficava numa casinha humilde em cujo quintal um vizinho deixava um bode. O bode Galeguinho virou piada, mas Henrique Eduardo é hoje o digno presidente da Câmara dos Deputados. Noticiou-se que os bens de Alves haviam dobrado em quatro anos.
A denúncia mais recente contra ele foi a de uso de um avião da FAB para transportar até o Rio a noiva e familiares dela. Foram ver a final da Copa das Confederações no Maracanã. Alves “devolveu” R$ 9 mil à União. A Folha (4/6) calculou que o equivalente ao abuso praticado, fretar um avião, custaria R$ 158 mil.
** Surgiu a primeira denúncia contra Rosemary Noronha, ex-assessora da Presidência da República (governo Lula) em São Paulo.
** Revelou-se que o ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi, afastado numa “faxina” da presidente Dilma, continuava a ganhar jeton de R$ 6 mil como conselheiro do BNDES.
** A Justiça de Jersey considerou o ex-prefeito Paulo Maluf culpado em inquérito sobre superfaturamento e determinou que ele devolva R$ 58 milhões à prefeitura paulistana. Os jornais anunciaram a nomeação para cargos na prefeitura, por Fernando Haddad, de sete indicados por Maluf. Em declaração posterior, Maluf queixou-se da Justiça de Jersey e elogiou a brasileira.
** Exposição no Senado fez balanço triunfal da mais recente (não se pode assegurar que tenha sido a última) gestão de José Sarney na presidência da Casa.
** Ivete Sangalo recebeu R$ 650 mil por show de inauguração de hospital em Sobral, reduto político dos irmãos Ciro e Cid Gomes.
** O procurador-geral da República denunciou o senador Renan Calheiros, candidato a voltar a presidir o Senado, por suposto uso de notas fiscais frias.
>> Inflação. O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Haddad resolveram atender apelo do governo federal para adiar o aumento da passagem de ônibus. Objetivo: frear a inflação. Foi um reconhecimento oficial de que a inflação havia se tornado preocupante.
>> Gestão vs. circo. Cidades de vários estados cancelaram festas de carnaval devido a excesso de endividamento.
>> Gestão vs. religião. O serviço Folha Transparência informou que templos da igreja católica e de igrejas evangélicas e espíritas, entre outras religiões, arrecadam R$ 20,6 bilhões por ano, segundo a Receita Federal. O valor equivale a 90% da verba anual do Bolsa Família.
>> Indiferenciação política.Alckmin e Haddad se reuniram no Palácio dos Bandeirantes e foram fotografados confraternizando. Anunciaram colaboração em diferentes áreas. Exemplo pinçado pela Folha: construção de vinte (20) creches.
** Guilherme Afif Domingos, vice-governador de São Paulo, confirmou convite para ser ministro de Dilma, fato que selou a adesão do PSD à base governista, formada por 22 partidos, dos quais muitos, em vários estados e municípios, compõem a base aliada da oposição a Dilma.
>> Descaso e tragédia. Incêndio em boate de Santa Maria matou imediatamente 231 jovens. Mais onze morreram depois. Diferentemente do noticiário costumeiro, no caso da Boate Kiss todos os mortos foram identificados, com nomes e fotografias das quais ressaltava sua extrema juventude.
Uma narrativa da realidade
A crônica dos meses seguintes está repleta de notícias dolorosamente semelhantes. O que se vai ler em seguida é uma seleção. Tem filtros. Não existe narrativa sem filtros deliberados ou involuntários. Se o autor tentasse captar “tudo”, só aumentaria o número de erros e afugentaria até o mais paciente dos leitores que chegaram até aqui.
A finalidade é formar um panorama de fatos noticiados por jornais que contrasta com o discurso oficial, alimentado por assessorias e consultorias. Por certo, a recepção do noticiário, não apenas de seis meses, é claro, foi um dos fatores que acenderam o rastilho da indignação e levaram tanta gente às ruas.
De fevereiro a junho
O encantamento da classe média com as UPPs, no Rio, começou a ser erodido. Isso, ao contrário do que muita gente pensa e a mídia das Organizações Globo trombeteia, pode não ser má notícia (para que não paire dúvida: o desencantamento pode ser boa notícia, logo as UPPs podem não ser uma boa “solução”).
Carlinhos Cachoeira saiu da cadeia e começou a botar banca novamente. Jornalistas foram assassinados por terem feito denúncias contra poderosos. O mensalão voltou à ribalta com a tentativa dos advogados dos condenados de fazer catimba no Supremo.
A seca no Nordeste reapareceu como denúncia viva de omissões e fracassos centenários de governos das três esferas. A transposição do São Francisco, que serviria para mitigar os efeitos do fenômeno (ou para irrigar plantações de donos de terra, denunciam alguns), ficou mais cara e mais distante do prazo dado para a obra.
Joaquim Barbosa, cujo nome passaria a figurar com brilho em pesquisas tipo “se as eleições presidenciais fossem hoje…” – questionáveis em si mesmas –, mandou repórter do O Estado de S. Paulo “chafurdar na lama”, criticou a baixa colaboração de bancos no combate ao crime e o “conluio” entre juízes e advogados, declarou que os partidos brasileiros são “de mentirinha” e falou contra a baixa eficiência do Congresso. Na lógica aqui proposta, o fato de Barbosa se colocar como alguém “fora do eixo” pode ser avaliado como altamente estimulante de uma atitude de não conformismo. O conformismo, como disse Marguerite Yourcenar, é uma doença miserável.
O deputado Marcos Feliciano – pastor de uma igreja evangélica acusado de homofobia e racismo – foi indicado para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Constatou-se que alunos sabem no 9º ano menos matemática do que no 5º. Uma lei aprovada quase na moita no final de 2012 passou a autorizar a contratação de professores sem pós-graduação em universidades federais – reivindicação corporativa que poderá bagunçar o coreto do ensino superior brasileiro, justamente aquele que proporcionalmente recebe mais verbas públicas.
Foram a júri PMs acusados pelo massacre do Carandiru (111 presos mortos em 1992): em pesquisa de opinião, só 10% dos entrevistados disseram acreditar que os culpados irão para a cadeia. Transcrição de gravação feita pela polícia do Paraná fez médica acusada de exterminar pacientes de UTI dizer “assassinar” por “raciocinar”. Diante de uma sucessão de casos atrozes de latrocínio indiferentes à sua fala, Alckmin anunciou novo projeto para a segurança. No dia seguinte, foto aérea na capa da Folha mostrou pátio em que 233 carros de polícia esperavam há um mês documentação que lhes permitisse rodar.
Alimentos tiveram alta e vendas em supermercados, queda. O saldo da balança comercial entrou em processo de regressão.
Reportagem mostrou mansão de Ricardo Teixeira nos Estados Unidos. No Brasil, José Maria Marin sofreu acusações de corrupção, chorou e disse que só morto sairia da CBF.
Incêndios e acidentes paralisaram trens e metrôs na Grande São Paulo. O Ministério da Saúde informou que o número de mortes em acidentes de trânsito com motos, em todo o país, aumentou 263,5% entre 2011 (3.100 mortos) e 2011 (11.268). O total de mortos no trânsito passou de 30.524 para 42.425 por ano. No período, segundo os dados oficiais, o trânsito matou 400.155 pessoas.
Alckmin declarou que, se o brasileiro soubesse o que é feito contra ele, “ia faltar guilhotina para a Bastilha, para cortar a cabeça de tanta gente que explora esse sofrido povo”. Até hoje ninguém explicou de onde brotou esse surto de revolucionarismo, mas é plausível que tenha merecido alguma atenção dos cidadãos paulistas.
Jornais escancararam negociação do Planalto com parlamentares para aprovar Medida Provisória dos Portos, ao custo de R$ 1 bilhão em emendas ao Orçamento da União. O lucro da Petrobras em 2012 caiu 36% em relação ao ano anterior. O crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2013 não passou de 0,6%. O dólar bateu recorde de valorização.
Um protesto de professores fechou a Avenida Paulista e em seguida a Rua da Consolação. Houve confronto. Um repórter-fotográfico do Estadão levou cacetadas da polícia. Na Virada Cultural paulistana, a PM limitou-se a contemplar atos criminosos. Houve arrastão, um morto e nove feridos.
Vieram os boatos sobre o fim do Bolsa Família. Filas e estresse. Dilma e o ex-presidente Lula apontaram o dedo na direção de uma conspiração. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, especificou: “Foi a oposição”. Dias depois, a Caixa Econômica Federal admitiu ter cometido um erro ao permitir saques múltiplos de uma só vez. A direção da CEF permaneceu intacta.
Índios fizeram protesto radical em Mato Grosso do Sul e um foi morto em confronto com a Polícia Federal.
Em São Paulo, a criminalidade continuou a aterrorizar: novos arrastões em restaurantes, salão de beleza atacado a tiros na Rua Oscar Freire, um servente do Colégio Sion, em Higienópolis, assassinado por um ladrão em frente à escola, em horário escolar.
O jornal diário
É e será sempre impossível saber o que pensavam e sentiam as pessoas que participaram das jornadas de junho. O que se tenta fazer são aproximações, frequentemente associadas a doses maciças de imaginação sociológica e política. E ideologia. Quem chega mais perto de tendências que correm no pré-sal da sociedade tem, teoricamente, um trunfo na disputa política.
Mas nada disso impede que testemunhas oculares da história tenham uma noção prática dos rumos da sociedade. No mínimo, lendo todo dia um jornal da manhã para saber das novidades.
Uma hipótese muito remota, talvez recôndita, seja a de que muitos jovens tenham intuído, mais do que formulado, que o país está deixando passar a famosa “janela de oportunidade” proporcionada pela transição demográfica: queda das taxas de mortalidade, depois queda das taxas de natalidade, mudança da estrutura etária da pirâmide populacional (José Eustáquio Diniz Alves, 2008).
Existem problemas novos e antigos na economia, com reflexo evidente na vida do “povão”. Tudo que se conseguiu na travessia democrática, até aqui, parece não ter sido suficiente para fortalecer nos cidadãos confiança nos governantes.
Quando o país é sacudido na superfície como foi em junho, alguma coisa muito maior se move no subsolo. Por incrível que pareça, ou não, um velho mote externado por Ulysses Guimarães, na proclamação da Constituição de 1988, parece ter sido esquecido nos últimos tempos. Tratava-se, disse Ulysses, de um documento “da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social”. Não se pode conceber democracia sem garantir as condições mínimas de existência digna.
Um dos ingredientes mais escassos da antigamente chamada realidade nacional é o debate aberto e desarmado das questões. As notícias, boas ou más, mas verdadeiras, são um ingrediente essencial desse debate.