A coisa está passando meio despercebida, mas é uma das decisões judiciais mais importantes dos últimos tempos: um promotor que divulgou partes de um processo em segredo de justiça teve de responder a uma ação de danos morais. Perdeu no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça.
E por que é importante? Porque houve vários casos em que autoridades, para ganhar a batalha da opinião pública antes que a causa fosse julgada na Justiça, deixaram vazar informações de processos para prejudicar os réus (prejudicar, a propósito, é a palavra correta neste caso: em seu sentido original, significa prejulgar). Não é questão de citar caso a caso (embora, nas notas abaixo, haja algumas informações complementares), mas de mostrar que uma conduta até agora tolerada, apoiada até pela imprensa, acabou sendo enquadrada nos limites da lei.
A defesa do promotor alegou que, como os juízes, os promotores não podem estar sujeitos a pedidos de indenização movidos pelos ofendidos; e também que estariam a salvo “de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação”.
O tribunal decidiu que se espera do promotor que não dê publicidade aos casos e processos em que atua, menos ainda em questão que envolva segredo de justiça; e que os danos morais decorreram não de sua atuação institucional, como promotor, mas por dar publicidade dos fatos à imprensa.
Uma sentença como esta contribui para que promotores e advogados disponham de armas iguais num julgamento, sem tanta pressão da opinião pública para que réus sejam condenados, não importa se culpados ou não.
Este tipo de pressão é usado com frequência e poucas vezes os meios de comunicação o denunciam – até porque podem ser beneficiados pelos vazamentos. Há algum tempo, num processo, este colunista e a jornalista Marli Gonçalves eram os únicos repórteres presentes. Mas a reportagem saiu em diversos jornais, assinada, e coincidentemente destacando o ponto de vista do promotor do caso – incluindo até, o que foi pitoresco, o mesmo erro no nome de quem presidia a sessão.
Um famoso procurador chegou a enviar carta a colegas recomendando que usassem a imprensa para vazar informações contra seus alvos, de maneira a constranger os juízes a aceitar os pedidos de prisão e a não relaxá-los. Muitos jornalistas gostam dessas coisas: a matéria já vem pronta, chancelada por alguém que goza de fé pública, com farta documentação. É parcial? É; mas o que custa fazer um favor ao amigo, sabendo que isso mais tarde vai render outras matérias? E tome “provas robustas”, “provas contundentes” e outras coisas de uma linguagem que repórter não usaria, se estivesse fazendo a reportagem.
A propósito, o famoso procurador foi apanhado numa falha grosseira: a maior parte das reportagens que passava à imprensa tinha sido preparada no escritório dos advogados da parte contrária à dos réus. Ele tinha trocado a assinatura dos advogados pela sua, mas não sabia que a origem de um texto feito por computador pode ser rastreada.
Há coisas que nunca voltam…
O jornalista Marco Antônio Araújo, em seu Blog do Provocador, narra o caso de uma alta executiva cuja prisão foi anunciada pela TV, por envolvimento nos casos do Ministério do Turismo. Das 17h, quando a notícia foi divulgada, às 21h, quando a desmentiram, a executiva viveu no inferno. Sua frase, citada por Araújo: “Um veículo de comunicação me colocou como ré, me julgou, fazendo o papel do Judiciário, e me prendeu, fazendo o papel do Executivo. Ou seja, assumiu as funções do Estado brasileiro sem sequer procurar se informar sobre quem eu era”. Ninguém, na emissora, soube informar-lhe como seu nome, que nada tinha com o caso, havia aparecido no noticiário; nem por que ninguém se deu ao trabalho de ouvi-la antes de divulgar a “barriga”.
Houve pelo menos o desmentido. Mas, lembra Araújo, citando o escritor francês Pierre-Jules Renard, “há pessoas que retiram com prazer aquilo que acabaram de dizer, como quem retira uma espada do ventre do adversário”.
…a flecha disparada…
O advogado Tiago Cedraz é filho de Aroldo Cedraz, ministro do Tribunal de Contas da União, e sócio do escritório que defende a Ibrasi, empresa investigada na Operação Voucher da Polícia Federal. Foi apontado nas investigações da Polícia Federal (com a acusação amplamente divulgada na imprensa) como uma espécie de chave que abriria as portas do TCU a seus clientes. E, como prova suplementar da influência do filho sobre o pai, informou-se que o escritório dele consultou o processo do TCU antes do prazo legal.
Desde que o pai chegou ao TCU, o filho deixou de advogar por lá. Tudo bem, pode-se argumentar que seus sócios o faziam e que, sendo seus sócios, também encontrariam boa-vontade. Mas, ao menos nesse caso, o escritório esclareceu que o tal processo foi solicitado formalmente – portanto, e isso pode ser provado, no prazo legal. E seu cliente, a Ibrasi, foi derrotado no TCU.
Quanto às acusações, onde foram parar? Na memória das gentes. O mal foi feito.
…a palavra pronunciada…
Há alguns anos, a polícia procurava um cavalheiro chamado Hugo alguma coisa, na Operação Anaconda. Não o encontrou. Prendeu então outro Hugo, cujo sobrenome não tinha nenhuma semelhança com o do procurado. E o manteve preso por mais de dez dias, embora ele nada tivesse com o caso. O indevidamente detido processou a União e ganhou indenização por danos morais. Mas quem pagou a indenização não foram os que o prenderam, que esses continuaram tranquilos para fazer mais bobagens: foi o Tesouro – ou seja, todos nós, que não tínhamos nada a ver com isso. Por que não cobrar de quem fez a grotesca besteira?
…a informação embaralhada
A propósito, vale a pena verificar como um importante veículo de comunicação noticiou o caso do TCU e do filho do ministro. Começou afirmando: “(…) acusados obtiveram auditoria sem autorização (…)”; “(…) a Polícia Federal afirmou (…)”. Passou para o condicional (ou futuro do pretérito, como queiram): “teriam contratado”. Volta para o afirmativo: “Parecer dos técnicos do TCU apontou elementos de fraude (…)”. Retorna ao talvez: “(…) os advogados que defenderam a ONG no TCU teriam (…)”
Afinal, que é que aconteceu de fato?
A suposta informação
O caso da juíza Patrícia Accioli, responsável pelo julgamento de milícias e de grupos de extermínio na 4ª Vara Criminal do Estado do Rio, é exemplar na tentativa dos meios de comunicação de fugir à responsabilidade da notícia correta, cuja confiabilidade possam garantir e em que o consumidor de informação possa acreditar. A juíza chegava à sua casa quando levou 21 tiros, disparados por pessoas que usavam máscaras ninja. Um dos carros dos assassinos bloqueava o portão; de outro carro e de duas motos partiram os tiros de pistola .40 e .45. E o atentado é chamado em título de “suposta emboscada”. Quando as coisas deixam de ser supostas? Quando o bandido der uma declaração com firma reconhecida e em três vias? Ou, pode ser, quando um repórter se der ao trabalho de investigar o caso e verificar o que aconteceu.
O custo da irrelevância
Atenção: detalhes absolutamente irrelevantes para o bom entendimento de uma reportagem acabam de custar R$ 20 mil de danos morais para uma importante revista. A matéria, sobre um contrato investigado pelo Tribunal de Contas da União, não se limitou a citar o nome da investigada: publicou também sua assinatura e CPF – o que permitiu a falsários aplicar golpes na praça (o que levou os serviços de proteção ao crédito a negativá-la). Serviço completo.
Rosto na sombra
Giovanni Grizotti, repórter da Rádio Gaúcha (RBS), famoso por suas investigações jornalísticas protegidas pelo desconhecimento público de sua fisionomia, está preocupado: segundo o excelente portal gaúcho Espaço Vital, Grizotti está convencido de que um entrevistado captou sua imagem com uma câmera oculta. Grizotti não quer falar sobre o assunto, alegando que a pauta de sua matéria “ainda está sob sigilo”.
Como Grizotti, há alguns (poucos) repórteres que detestam aparecer, pois isso prejudica suas investigações. O ótimo Agostinho Teixeira, da Rádio Bandeirantes de São Paulo, especializou-se em descobrir irregularidades de órgãos públicos, e está convencido de que, no momento em que sua fisionomia se tornar conhecida, perderá uma grande arma de reportagem. Talvez ele e Grizotti estejam enganados: ser apenas um rosto na multidão pode até ajudar, mas o que faz com que as reportagens sejam boas não é o desconhecimento de sua aparência, mas o talento que têm para investigar e contar.
Os bons livros
1. De Leandro Narloch e Duda Teixeira, Guia Politicamente Incorreto da América Latina. Narloch já escreveu o divertidíssimo Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, demolindo mitos e narrando fatos com versões menos adocicadas que aquelas a que estamos habituados. Agora, cuida de fatos e mitos latino-americanos. Conta, por exemplo, que boa parte dos povos americanos ficou feliz com a chegada dos espanhóis, que derrubaram antigos dominadores e imperadores odiados (sua opinião mudou mais tarde, quando viram que os espanhóis eram tão ruins quanto os antigos dominadores); que os líderes da Revolução dos Escravos do Haiti eram também escravistas e, vitoriosos, mantiveram a escravidão. Fala de Allende, de Fidel Castro, de Che Guevara, de Pancho Villa – vale a pena.
2. De Fernando Morais, Os últimos soldados da Guerra Fria, sobre os espiões cubanos que se infiltraram em organizações anticastristas de Miami, agiram durante oito anos e terminaram sendo presos pelo FBI em 1998 (todos cumprem pena, alguns de prisão perpétua). Morais, um dos mais festejados escritores brasileiros, autor de Chatô, sobre Assis Chateaubriand, de A Ilha, sobre Cuba, de Corações Sujos, sobre os terroristas do Shindorremei, que tentaram controlar os imigrantes japoneses no Brasil e convencê-los de que o Japão estava ganhando a Segunda Guerra Mundial, de Olga, sobre Olga Benário Prestes, a agente comunista alemã que se casou com o dirigente comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes e foi entregue pelo presidente Getúlio Vargas às autoridades nazistas, que a mataram, fala aqui de seu novo livro. O lançamento será na Saraiva MegaStore do Shopping Higienópolis, SP, no dia 23/8, a partir das 18h30. Chegue cedo: nos lançamentos de Morais, as filas são quilométricas.
Como…
Pois é, a imprensa criticou tanto o livro do “nós vai” e, tantos meses depois, não consegue se corrigir: segue a mesma linha da gramática cumpanhera. De um grande portal da internet, ligado a um jornal da maior importância
** “Vendas no varejo dos EUA sobem 0,5% e reduz temor de recessão”
Ah, bons tempos em que o substantivo e o verbo concordavam em número!
…é…
Mas não é só a gramática. Como mostra o texto de um grande jornal, a categoria continua ruim de aritmética:
** “ (Tite) só pode usar o quarteto titular em 10 dos 29 jogos da equipe na temporada. Praticamente uma vez a cada quatro rodadas”.
Nem economista oficial, quando acochambra os números da inflação, consegue fazer uma conta dessas.
…mesmo?
De um grande jornal, em matéria assinada:
** “A queda no juro (…) caía 8%”
A voz corporativa
Mas nem podemos reclamar muito. Ao noticiar a briga do deputado Paulinho da Força, do PDT paulista, com o presidente do Sindicato dos Gráficos de São Paulo, Márcio Vasconcelos, que queria desvincular-se da Força Sindical, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo solidarizou-se com o sindicalista contra o parlamentar. Publica o texto com sua versão. E conclama: “Veja ele na íntegra”.
Rir um pouco 1
De um artigo do tucano José Serra:
** “Na federação americana, a Califórnia representa um sexo do PIB (…)”
Foi erro de digitação, claro. Mas que ficou engraçado, ficou.
Rir um pouco 2
De um press-release sobre esses produtos mágicos para cabelo:
** “Óleo de olivia aos fios”.
Deve ser feito de azeitônia.
Mundo, mundo
Há coisas que só acontecem nos Estados Unidos, como esta coluna gosta de salientar. Como o caso de Joshua Seto, 27, morador em Chandler, Arizona.
Seto decidiu brincar com a arma da noiva – uma inacreditável pistola cor-de-rosa, Priscilla style. Não, nada de esportes íntimos: estavam na rua, em frente a uma vitrine. Colocou a arma na cintura, com o cano para baixo, enviesado, e acidentalmente fez o disparo. Acertou o próprio pênis. Não há ainda relato sobre os estragos, mas não é nada que cause risco de vida. Entretanto, as autoridades estudam se é o caso de processar Joshua Seto por atirar na rua e perturbar a ordem pública.
E eu com isso?
Bolsa sobe, Bolsa desce, mas bolsa que chama mesmo a atenção é a de grife, paraguaia ou não, um tema muito mais ameno de conversa. Ou, talvez, um tema de economia: a vitória da St. Laurent sobre a Louboutin, pelo direito de também usar solas vermelhas em seus calçados. Com toda a razão, aliás: quem lançou a moda da sola vermelha foi Philippe de France, duque de Orléans, um grande general, bichona famosa, irmão mais novo do rei Luís 14. Por que a Louboutin teria exclusividade sobre os direitos hereditários de Sua Alteza Real?
Mas, no fundo, é tudo frufru.
** “Se preparando para novo CD, Preta Gil chega aos 37 anos”
** “Jennifer Aniston e Justin Theroux estão usando aliança”
** “Glenda Kozlowski se refresca na praia de Ipanema”
** “Amanda Seyfried é flagrada vestida de noiva!”
** “Ricardo Pereira come lanche em padaria no Leblon”
** “Jennifer Lopez e Marc Anthony são vistos juntos após a separação”
** “Barriga de Alessandra Ambrósio impressiona no Havaí”
** “Rihanna esbanja sensualidade em Carnaval de Barbados”
** “Glória Pires almoça com Cléo e família no Rio”
** “Solteiro, Selton Mello vai badalar em Gramado”
O grande título
Os três melhores títulos da semana são da área esportiva (ou conexa). O primeiro traz um daqueles dilemas matemáticos que vão levar anos em discussão:
** “Lazaroni terá de levar a seleção do Qatar aos dois primeiros lugares”
O dilema matemático: como é que uma só seleção pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo?
Outro título é uma óbvia inverdade:
** “Antes de jogo com o Real Madrid, Messi curte as férias com sua namorada de biquíni em iate”
Claro que Messi curte as férias com a namorada, até mesmo estando ela de biquíni. Mas deve curti-las melhor mais cedo, talvez. Ou, por que não?, mais tarde.
E o grande título – fantástico, pelo inusitado:
** “Ronaldo foi inspiração para o novo Homem-Aranha”
Deve ser: se o astro do filme assim o diz, é porque é. Mas este colunista jamais tinha ouvido falar de picanha de mosquito com uma bem geladinha.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação]