Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha admite que errou

Cerca de 300 pessoas participaram ontem pela manhã de manifestação contra a Folha em frente à sede do jornal, na região central de São Paulo.


O ato público tinha o duplo objetivo de protestar contra editorial publicado pelo jornal no dia 17 de fevereiro, que usou a expressão ‘ditabranda’ para caracterizar o regime militar brasileiro (1964-1985), e prestar solidariedade aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato. Nenhum dos dois estava presente.


A Folha publicou no ‘Painel do Leitor’ 21 cartas sobre o assunto, 18 delas críticas aos termos do editorial, entre as quais as assinadas por Benevides e Comparato. Segundo escreveu este último, o autor do editorial e o diretor de Redação que o aprovou ‘deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro’.


Em resposta, o jornal classificou a indignação dos professores de ‘cínica e mentirosa’, argumentando que, sendo figuras públicas, não manifestavam o mesmo repúdio a ditaduras de esquerda, como a cubana.


Desde então, além de cartas, o jornal vem publicando artigos a respeito da polêmica, alguns dos quais com críticas ou reparos à própria Folha.


O protesto de ontem foi organizado pelo Movimento dos Sem-Mídia, idealizado pelo blogueiro Eduardo Guimarães. O público era composto na sua maioria por familiares de vítimas da ditadura, estudantes e sindicalistas ligados à CUT.


Abaixo-assinado


Um abaixo-assinado de repúdio ao editorial da Folha e solidariedade a Benevides e Comparato circulou pela internet nas últimas semanas. Entre seus signatários estão o arquiteto Oscar Niemeyer, o compositor e escritor Chico Buarque, o crítico literário Antonio Candido e o jurista Goffredo da Silva Telles Jr.


Niemeyer disse que ‘o convite para assinar veio de um amigo muito querido, que foi preso e torturado. Fiquei muito chateado, porque gosto do pessoal da Folha. Fiquei constrangido, mas não podia dizer que não’. O arquiteto disse não ter lido o editorial. Na sua versão eletrônica, o abaixo-assinado contava com mais de 7.000 adesões, cuja autenticidade, porém, não há como comprovar.


Segue a íntegra do texto:


‘Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio à arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S.Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009.


Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda é, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964.


Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota da Redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro em resposta às cartas enviadas ao ‘Painel do Leitor’ pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato.


Sem razões ou argumentos, a Folha de S.Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis à atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.


Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.’


***


Folha avalia que errou, mas reitera críticas


O diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, divulgou ontem as seguintes declarações:


‘O uso da expressão `ditabranda´ em editorial de 17 de fevereiro passado foi um erro. O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis.


Do ponto de vista histórico, porém, é um fato que a ditadura militar brasileira, com toda a sua truculência, foi menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena -ou que a ditadura cubana, de esquerda.


A nota publicada juntamente com as mensagens dos professores Comparato e Benevides na edição de 20 de fevereiro reagiu com rispidez a uma imprecação ríspida: que os responsáveis pelo editorial fossem forçados, `de joelhos´, a uma autocrítica em praça pública.


Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos das ditaduras de esquerda com as quais simpatizam.’


Otavio Frias Filho


 


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