Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Jornalistas questionam ajuda a personagens de matérias

Jornalismo diário envolve muitos dilemas. Para repórteres ocidentais cobrindo países em desenvolvimento, a situação é ainda mais dramática; em alguns casos, o trocado que eles têm no bolso pode alimentar 20 pessoas. Tal atitude, no entanto, viola o princípio básico do jornalismo, essencial para a objetividade da profissão: ‘observe, não se envolva’. No entanto, em determinados casos, alguns jornalistas se perguntam: não devo mesmo ajudar?

Foi o que aconteceu quando a repórter canadense Stephanie Nolen, do Globe and Mail, teve contato com três irmãos que trabalhavam na zona rural da Suazilândia, na África, cujos pais haviam morrido de Aids. Ela questionou o princípio jornalístico de não dar dinheiro ou ajuda às pessoas que encontrava a trabalho. Todas as manhãs, as crianças colocavam seus uniformes escolares e ficavam do lado de fora da casa, olhando as outras crianças irem à escola – pois não tinham dinheiro para ir junto com elas.

Depois de anos testemunhando situações como esta, Stephanie decidiu que deveria ajudar os órfãos, foi a um caixa eletrônico e sacou US$ 150 dólares – o suficiente para pagar um ano de escola para eles. Embora nunca tenha escrito sobre as crianças, a repórter estabeleceu uma nova regra a partir deste dia: não há regras. Mas ressalta: ‘isto não significa que vou oferecer dinheiro às pessoas antes de entrevistá-las’.

Em busca da objetividade

Uma outra jornalista ocidental, que pediu para não ser identificada, relembra uma matéria que fez sobre um homem no Afeganistão. Em 2002, o homem estava trabalhando duro para reconstruir sua casa, que havia sido destruída durante a guerra. No entanto, ele não podia pagar nem por umas poucas varas de madeira para o telhado. Seu filho estava no hospital, mas não podia ser liberado enquanto não tivesse uma casa para ir.

‘Nunca dou dinheiro para ninguém que me pede. Mas em raras situações, quando o faço, me esforço para que a pessoa não saiba que fui eu que dei’, diz. Neste caso, ela pediu a seu tradutor afegão para entregar o dinheiro ao homem e dizer que foi um doador anônimo que ficou sabendo da sua necessidade.

Na opinião de Kelly McBride, líder de um grupo sobre ética no centro de treinamento para jornalistas Poynter Institute, as normas éticas variam em contextos mais pobres. Para ela, repórteres que trabalham em países pobres não devem se sentir mal em ajudar as pessoas e devem até mesmo planejar como ajudá-las, talvez incluindo doações no seu orçamento. ‘Os jornalistas devem começar com a premissa de que, além de pagar seus tradutores, as pessoas esperam que você deixe comida, dinheiro ou outros itens para os habitantes locais’, conta Kelly. ‘Mas se quem receber a ajuda estiver na matéria, o jornalista deve mencionar a doação no artigo’.

No Sudão, em 1993, o fotógrafo Kevin Carter tirou a famosa foto de um abutre observando uma criança morrendo de fome. Depois de testemunhar os mais terríveis conflitos na África, e entre intensos questionamentos sobre por que não teria ajudado a criança, ele cometeu suicídio em 1994. ‘O problema foi que ele foi embora depois de ter tirado a foto’, opina um repórter ocidental que trabalha na África e pediu para não ser identificado. Por esta razão, o repórter só deve ajudar as pessoas, seja comprando comida ou outros itens, depois que a entrevista estiver terminada.

Possíveis soluções

O jornal The Baltimore Sun publicou em fevereiro uma matéria sobre Joshua Masekoameng, um estudante sul-africano que não tinha eletricidade em sua casa e por isso fazia o dever de casa à luz de velas. Como alguns leitores se interessaram em ajudar, Scott Calvert, correspondente do jornal na África, forneceu o que o adolescente precisava e está sendo reembolsado pelos leitores.

Outros jornais também tentam encontrar maneiras de fazer com que as doações de leitores ajudem os habitantes locais. Depois de publicar uma matéria sobre uma mulher que sobrevive com US$ 1 por dia no Maláui, o Christian Science Monitor recebeu US$ 6 mil em doações de leitores. Em parceria com o grupo CARE International, o jornal iniciou uma poupança que está pagando a escola para seis meninas do vilarejo – incluindo a filha da mulher que apareceu no artigo. Uma outra matéria em janeiro deste ano gerou uma nova onda de doações que totalizaram US$ 4 mil. O autor da matéria, Xanthe Scharff, está fundando uma ONG para ajudar o vilarejo.

Não são todos os jornalistas que pensam assim. Um repórter, que pediu para não ser identificado, diz que, para preservar sua independência jornalística, não é um intermediário entre leitores e pessoas que precisam de ajuda. ‘Sugiro o nome de grupos de ajuda que podem ajudar. Nosso trabalho é ser olhos e ouvidos, não atores sociais’, opina. Informações de Abraham McLaughlin [Christian Science Monitor, 6/4/06].