Em uma parceria, no mínimo, inesperada, os jornais New York Times e Washington Post e o desenvolvedor de software Mozilla anunciaram um plano de criar uma ferramenta para melhorar o sistema de comentários dos sites e ampliar a interação dos leitores entre si e com os jornalistas.
O projeto, que ainda não tem nome, deverá ser concluído em dois anos e receberá financiamento de 3,9 milhões de dólares da Fundação John S. and James L. Knight, organização filantrópica com sede em Miami que atua nas áreas de mídia e artes. Depois de pronta, a plataforma poderá ser disponibilizada para outras organizações gratuitamente.
De acordo com artigo publicado no Times anunciando o projeto, tornou-se claro que os leitores passam mais tempo em sites onde possam participar ativamente, e isso vem estimulando cada vez mais organizações de notícias a investir em plataformas que estimulem a interação.
Discurso de ódio
Por outro lado, o espaço de comentários em sites de notícias costuma provocar controvérsia, e diversos veículos já desistiram de permitir a interação dos leitores. O jornal americano Chicago Sun-Times, por exemplo, eliminou sua seção de comentários em abril. Na ocasião, o chefe de redação, Craig Newman, classificou o espaço de “um pântano de negatividade, racismo e discurso de ódio”.
Um dos grandes problemas, pelo menos no que diz respeito à falta de cordialidade e aos abusos, tem ligação com o anonimato. Leitores protegidos pelo anonimato costumam ser menos educados e mais intolerantes. São, também, mais engajados. Quando o YouTube passou a exigir login do Google+ para permitir a postagem de comentários, e o Huffington Post fez o mesmo, só que usando o Facebook, muitos leitores se enfureceram, alegando que têm o direito de proteger seu anonimato.
“Todo mundo vem falando há anos sobre uma maneira melhor de usar a internet sem prejudicar o conteúdo, mas simplesmente adicionar posts ‘anônimos’ não é o caminho para manter a qualidade jornalística de qualquer publicação”, afirmou Alberto Ibargüen, executivo-chefe da Fundação Knight. “Havia a necessidade de encontrar um caminho para engajar o público de uma forma que se eleve o nível do debate”.
Estímulo aos leitores
Um dos objetivos da parceria é desenvolver uma ferramenta que consiga destacar os comentários mais relevantes em cada artigo – talvez através do uso de um software de reconhecimento de palavras. Outra ambição é conseguir classificar os leitores que comentam os textos, encaixando-os em um ranking com base em suas postagens anteriores. “Os leitores poderão enviar imagens, links e outras mídias; poderão acompanhar discussões; e poderão administrar suas contribuições e identidades online”, dizia o release sobre o anúncio. A partir daí, os veículos poderão aproveitar esse conteúdo gerado pelos leitores para “outras formas de narrativa e para estimular discussões em andamento”.
As empresas sabem que o novo sistema não conseguirá eliminar de vez os “trolls” – aqueles leitores que, intencionalmente, publicam comentários abusivos ou com o propósito de irritar os interlocutores e desestabilizar o debate –, mas acreditam que ele vá ajudar a desestimular a prática ao reduzir “o incentivo para falar mais alto”, como colocou o diretor de projetos de notícias digitais do Washington Post, Greg Barber. A estratégia será garantir que os comentários mais “produtivos” sejam recompensados e os menos “produtivos” não recebam destaque – isso sem precisar de moderação humana em tempo integral.