O cientista político Carlos Melo cobra dos jornais mais do que os fatos cotidianos conhecidos. Pede apuração de bastidores. Reivindica a apresentação de nexos que insiram o presente num processo. A ligação dos processos aos reais interesses dos atores políticos e suas apostas para o futuro.
Carlos Melo propõe por exemplo, em artigo publicado na edição online do Observatório da Imprensa (ver “O que os jornais não mostram no café da manhã”), que se enxerguem os conflitos internos dos partidos. Na sua análise, não é propriamente o PT que está no poder hoje, mas sim um grupo formado no interior do primeiro governo Lula e conservado pela presidente Dilma Rousseff.
A proposição de Melo não é genérica nem atemporal. Ele sugere que um entendimento mais aprofundado do teatro político seja aplicado ao processo eleitoral em curso.
Professor Carlos Melo, o que falta na cobertura da vida política e o que poderá ser feito, especialmente no caso das eleições municipais para melhorá-la?
Carlos Melo – Eu acho que em primeiro lugar falta um aprofundamento das matérias, das pautas. Acho que é necessário voltar um pouco no processo político para além da eleição municipal, para além de que vai ser o prefeito, de quem são os candidatos. O que está sendo jogado? O que pretende o candidato A, ou o grupo do candidato A, em relação ao candidato B? Quais são as concepções internas em A e também em B? Qual a relação que isso tem com disputas do passado e também com projetos em relação ao futuro? Isso não fica muito claro. O que está sendo demonstrado, na maioria das vezes, é um flash, um instantâneo do fato de ontem e parece que para compreender esse processo é necessário voltar um pouco atrás, especular um pouco e relação ao futuro. Enfim, processar essas informações de uma forma diferente.
Euro, polêmica crucial
Em seminário promovido pelo BNDES que começou na segunda-feira e continua nesta terça-feira (24/7) no Rio de Janeiro, surgiu uma controvérsia essencial. De um lado, há quem veja na gravidade da situação do erro o aguilhão que fará os líderes da União Europeia encontrarem uma solução. De outro, quem entenda haver um conflito no momento insuperável entre política e economia, que se traduz na divergência de interesses entre o norte e o sul do continente.
Nesse último grupo se inclui Wolfgang Munchau, colunista do Financial Times. Segundo Munchau, há razoável consenso entre economistas a respeito das medidas a tomar para deter o agravamento da crise europeia, mas os líderes políticos não conseguem chegar a um denominador comum.
É o típico contexto em que a imprensa oscila entre catástrofe e redenção. E não pode ser muito diferente, porque se alguém pudesse ter certeza a respeito do rumo que as coisas vão tomar, ficaria muito rico. E provavelmente se juntaria aos milionários que em 2010 tinham entre US$ 21 trilhões e US$ 31 trilhões em contas offshore. E o Brasil pode se orgulhar do quarto lugar conquistado no levantamento feito por uma organização inglesa que fiscaliza sonegadores de impostos no mundo todo.
Universidades federais
Quando, no futuro, algum historiador entrar nos arquivos digitais dos jornais e estudar a cobertura da atual greve das universidades federais, poderá ficar espantado com o espaço relativamente reduzido dedicado ao tema.
Em parte, isso decorre de um certo cansaço. Professores de todos os níveis fazem greves no Brasil com uma regularidade assustadora. Mas a greve atual das universidades parece refletir algo além da superfície de habituais reivindicações salariais e corporativas. Foi o que disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, no início de julho, o professor Chico de Oliveira. Os grevistas apontam questões relevantes do processo educacional.
Se o fato de haver uma greve tão prolongada no ensino universitário não justificasse cobertura mais alentada, a contradição entre o discurso pró-educação, que todos fazem, e a derrota da qualidade, em todos os níveis, de norte a sul e de leste a oeste, mereceria maior atenção.