A espetacularização do caso Bruno pela polícia coloca a mídia eletrônica e de papel brasileira numa situação difícil. Pior é ver parte dessa mídia legitimar a versão policial como única e verdadeira. Tudo indica que o goleiro do Flamengo tem culpa em cartório. São indícios, e não convicção plena, por isso justifica-se a suspeição policial. Pode – e deve – a polícia apresentar esses indícios à Justiça, como é o seu dever. Não esperemos das autoridades policiais a produção do contraditório porque não é essa a sua linha de atuação.
A prova em contraditório, com participação da defesa do acusado, é feita na fase da Justiça, que tem poderes para julgar, seja através de uma decisão monocrática, colegiada ou mesmo de um conselho de jurados, como é o caso específico dos crimes de morte.
A polícia pode falar que fulano é ladrão ou assassino, ainda que contrarie os direitos constitucionais do cidadão porque o que ela fala e escreve somente terá validade se corroborado na Justiça, sem que as ofensas morais impliquem em dano para a autoridade policial, ainda que o acusado seja inocentado.
Infelizmente, é assim que funciona a estrutura do judiciário em nosso país. O que não pode ocorrer é a imprensa enfiar goela abaixo do público essas conclusões policiais com o argumento fajuto de que ‘quem está falando é a polícia’. Isso é covardia. Se querem o escândalo como forma de pagamento da dívida moral do acusado, que apresentem ao público as nuances dessa dívida sem o veio do sensacionalismo barato.
Polícia e imprensa
O que se vê, no caso Bruno, não é notícia apurada, mas um espetáculo vergonhoso produzido antes mesmo da localização do corpo da vítima, da conclusão do competente inquérito policial e da formalização do depoimento do acusado nos autos, após a sua defesa ter acesso e cópia dos mesmos.
Aprendi cedo na profissão que os três fatores de um crime controverso – autoria, circunstâncias e motivação – estão intrinsecamente ligados ao fato criminal. É preciso desvendá-los com clareza para obter-se o convencimento pleno.
Não é de hoje que venho debatendo essa questão com os meus colegas jornalistas. Há uma diferença fundamental entre a nossa atividade e a do policial. O agente público responsável pela repressão policial age de forma coercitiva, dentro do que determina e permite o Código de Processo Penal (CPP). Tem poderes para isso porque o que ele faz é provisório.
Já a notícia deve ser o resultado do trabalho sério e definitivo do jornalista, e não da ação opressora, midiática, leviana e irresponsável de quem deseja um fato conveniente, e não verdadeiro.
Faço essas considerações com a autoridade de quem tem mais de 30 anos de jornalismo a céu aberto e que, por uma maldade descomunal da polícia, esteve do outro lado da interlocução jornalística. Testemunha de um assalto que resultou na morte de minha mulher, fui transformado em criminoso cruel pela polícia e a imprensa que a copiou.
No limite da subserviência
Tudo isso porque os jornalistas não tiveram o cuidado de fiscalizar o que a polícia fazia. A pressa da polícia em adiantar informações inconclusas para obter fama pode não apenas prejudicar o investigado, como ocorreu no meu caso; esse afobamento pode também beneficiar o criminoso, que se pode valer desse artifício para preparar a sua defesa.
É por isso que não me sai da memória uma frase premonitória do meu advogado, Marcelo Leonardo, um dos maiores criminalistas do país. Ao ver-me angustiado com a perseguição policial, ele confortou-me: ‘Deixe a polícia errar. Quanto mais ela errar, melhor para nós.’
A maldade da polícia, no meu caso, foi reparada pela Justiça, que me absolveu à unanimidade ao acatar a tese de meu advogado de que a arma, apontada pela polícia (e a imprensa que a copiou) como a do crime, fora plantada no local do assalto para incriminar-me.
A mesma reparação não tive da imprensa. O espetáculo jornalístico causou um estrago tão grande na minha família que perdi as esperanças de um dia ficar livre desse pesadelo. O trauma aumenta ao ver que a chefia da equipe policial do meu caso é a mesma que está no caso Bruno.
Espero, pois, que esse press release do caso Bruno fique no limite da subserviência, sem o erro brutal registrado no meu caso (e no da Escola de Base), quando inocentes foram execrados pela maldita oficialidade desse jornalismo sem questionamento.
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Jornalista