Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Ministro prevê debate “bastante acirrado”





A polêmica questão da regulação da mídia no
Brasil voltou a ser tema do Observatório da Imprensa. O programa exibido
ao vivo na terça-feira (22/3) pela TV Brasil recebeu no estúdio de Brasília o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em sua primeira entrevista longa
concedida a um canal aberto, para tratar das propostas do governo para o setor
de telecomunicação e de radiodifusão. O programa contou com a participação dos
jornalistas Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo, e
Elvira Lobato, repórter especial da Folha de
S.Paulo,
especializada


na área de telecomunicações, no Rio de Janeiro.
Completou o time, em São Paulo, o diretor de Conteúdo do Grupo Estado de
S.Paulo, Ricardo Gandour.

Durante o governo Lula, a regulação da mídia esteve no foco de diversas
discussões. O anteprojeto de criação de um novo marco regulatório da mídia,
elaborado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
(Secom), então chefiada pelo ministro Franklin Martins, foi encaminhado para a
pasta das Comunicações e, segundo o ministro Paulo Bernardo, só deverá ser
enviado ao Congresso Nacional no segundo semestre. Antes, passará pelo crivo de
outros ministros, pela presidente Dilma Rousseff e será submetido à consulta
pública. Um dos pontos mais controvertidos do texto original, que não foi
divulgado oficialmente, é a criação de uma agência reguladora do conteúdo da
mídia eletrônica.


Na semana passada, a representação da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, em parceria com a Fundação
Ford, divulgou um estudo sobre o sistema midiático brasileiro. A publicação
comparou a regulação da mídia no Brasil com outras dez democracias, como África
do Sul, Alemanha, Chile, França, Estados Unidos, Reino Unido e Tailândia.


O trabalho sugere a criação de uma agência reguladora independente; a adoção
de regras e padrões para a regulação de conteúdo, de preferência por
autorregulação; a avaliação do desempenho das emissoras de rádio e TV para a
renovação das concessões e retirada do Congresso Nacional do processo de
concessão de outorgas. Para a Unesco, a regulação e a autorregulação da mídia
devem levar a um sistema midiático livre, independente, plural e diversificado.




(Baixe aqui os documentos da Unesco: ‘O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa de
melhores práticas para os atores-chave brasileiros
‘, Toby Mendel
e Eve Salomon; ‘Liberdade de expressão e regulação da
radiodifusão
‘, T.M. e E.S.; e ‘A importância da autorregulação da mídia para a defesa da
liberdade de expressão
‘, de Andrew Puddephatt.)


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Dines comentou o
início da cobrança pelo acesso ao conteúdo online do jornal The New York
Times
e a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil.
Em outra coluna, o Observatório mostrou uma seleção de charges publicadas
ao longo da semana em todo o Brasil sobre as conseqüências do terremoto que
atingiu o Japão em 11 de março. O jornalista Maurício Menezes contou uma bem
humorada história ocorrida no Jornal do Brasil sobre a prestação de
contas de um repórter que passara um mês trabalhando em uma favela. Nesta
semana, a historiadora Isabel Lustosa relembrou a trajetória do primeiro jornal
em língua portuguesa livre de censura, o Correio Braziliense (1808-1823),
redigido por Hipólito da Costa, patriarca da imprensa brasileira.


Concorrência em xeque


Em editorial, Alberto Dines comentou o tom ácido do debate ocorrido no ano
passado em torno da questão da regulação: ‘Todos queriam mais democracia e
esgoelavam-se defendendo os seus pontos de vista, mas ninguém percebeu que a
extremada politização de um debate, que deveria ser eminentemente técnico,
produzia um perigoso impasse e sinalizava para um retrocesso’, disse. Dines
criticou a paralisação do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar
do Congresso Nacional previsto na Constituição de 1988 que funcionou apenas
durante dois anos. ‘Um conselho ativo seria o fórum natural para abrigar um
debate esclarecedor, já que a sua função é consultiva e não deliberativa.’


A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou Guilherme Canela,
coordenador de Comunicação e Informação da Unesco. Canela explicou que a idéia
do estudo é apresentar como a regulação funciona em outros países: ‘Felizmente,
ou infelizmente, não há fórmula mágica para se regular a mídia, não há produto
de prateleira que [se] comprar e implementar. Então, a gente acha que a
contribuição que foi dada pode ajudar a sociedade brasileira a tomar uma decisão
com um maior volume de opções’. Venício A. de Lima, professor aposentado da UnB
e colunista do Observatório online, ressaltou que boa parte das normas e
princípios da Constituição de 1988 nunca foi regulamentada. Outro fator
importante, na sua avaliação, é a defasagem da lei básica que regula o setor no
Brasil, elaborada em 1962. Entre as questões mais recentes, está a profunda
mudança tecnológica ocorrida nas áreas de telecomunicação e radiodifusão nos
últimos anos.


De Londres, o correspondente Silio Boccanera sublinhou que o documento
preparado pela Unesco demonstra que regulação da mídia existe no mundo inteiro.
Para o jornalista, há um debate ‘histérico’ que tenta igualar regulação da
imprensa à censura. Silio explicou que no Reino Unido há regulação tanto da
mídia eletrônica, quanto impressa. ‘Da mídia eletrônica, existe um órgão chamado
Ofcom que regulamenta os órgãos de televisão e de rádio para controlar não só
horários de programas, como também abusos de comerciais em programação infantil.
E existe também no Reino Unido o órgão de autorregulamentação da imprensa
escrita, a comissão de queixas contra a imprensa [PCC, na sigla em inglês].
Qualquer cidadão pode apelar a essa comissão, reclamar. Se for julgado desta
forma, que houve realmente abuso, a imprensa escrita é obrigada a publicar as
conclusões desta comissão’, disse Silio.


Anatel entra em cena


No debate ao vivo, Elvira Lobato perguntou a opinião do ministro Paulo
Bernardo sobre a recomendação da Unesco de que o Congresso Nacional passe a não
interferir na concessão de canais de radiodifusão. A organização considerou que
a participação do Congresso neste processo é um atentado à democracia. Para o
ministro, a recomendação pode ser discutida, no entanto é pouco realista. ‘Nós
teríamos que fazer uma emenda constitucional que teria que ser aprovada pelo
próprio Congresso com três quintos dos votos, ou seja, 308 votos na Câmara e,
pelo menos, 49 votos no Senado para ser aprovado’, explicou. O ministro vê como
um ‘exagero’ a avaliação da Unesco de que a situação é um atentado à democracia.


Ricardo Gandour levantou a questão da fiscalização das concessões a grupos
políticos e questionou se métodos mais modernos poderiam se adotados. ‘Nós
precisamos fiscalizar mais e melhor’, disse o ministro Paulo Bernardo.
Recentemente, o ministério delegou à Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) a fiscalização dos veículos de radiodifusão. O ministro afirmou que a
agência tem melhor estrutura para colocar em prática a fiscalização do setor.
Além de contar com um quadro de funcionários mais numeroso, há técnicos
especializados nesta atividade. ‘Nós devíamos ter um trabalho de fiscalização
duro, no sentido de cumprir a lei’, afirmou.


Para Aluízio Maranhão, não há dúvidas de que a revolução tecnológica
‘atropelou’ normas e leis e que a regulação é necessária. O jornalista
questionou se poderia ser adotado um roteiro simples e objetivo para reabrir a
discussão, seguindo alguns pontos-chave apontados pela Constituição brasileira:
a liberdade de expressão, a produção regional e de conteúdo próprio, e o
controle exclusivo da mídia eletrônica por cidadãos brasileiros. O ministro
Paulo Bernardo afirmou que o anteprojeto elaborado no governo anterior segue
quatro pontos básicos da Constituição dentro de um caráter amplo e busca
abranger todos os aspectos referentes a esses artigos. ‘É um problema simples de
definir. Agora, colocar isso no papel e, sobretudo, colocar isso de maneira a
conseguir formar consenso ou, pelo menos, formar uma maioria sólida no Congresso
Nacional é um pouco mais complicado’, avaliou Paulo Bernardo. O ministro prevê
um debate ‘bastante acirrado’ em torno da regulação.


A polêmica da censura


O ministro garantiu que a liberdade de expressão não está em questão e que o
governo sequer discute o assunto. ‘O projeto que o ministro Franklin elaborou
tem um ponto inicial que diz o seguinte: ‘nenhum controle prévio será feito’. Na
verdade, nós vamos ter uma fiscalização, provavelmente através de uma agência,
como preceitua o representante da Unesco, que vai verificar se os pontos
regulamentados que dizem respeito a conteúdo nacional, conteúdo local, a não
permitir que haja difusão de preconceito, racismo, pedofilia, que isto seja
observado a posteriori. Ou seja, as emissoras têm liberdade plena de
divulgar aquilo que julgarem conveniente. É evidente que depois, havendo um
entendimento de que aquilo feriu a regulação, feriu o espírito daquilo que está
na Constituição, haveria uma penalidade’, explicou Paulo Bernardo.


Alberto Dines destacou que a Constituição tem dispositivos naturalmente
reguladores, no entanto alguns não estão regulamentados e outros foram
regulamentados, implementados e depois desativados, como o Conselho de
Comunicação Social. O jornalista questionou se, uma vez que o governo tem
maioria no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, poderia fazer cumprir a
Constituição. O ministro defendeu a reinstalação do conselho: ‘Quem faz o
chamado para remontar, reinstalar o conselho é o Congresso Nacional. Seria
importante nós discutirmos isso com o Congresso, principalmente o senador [José]
Sarney [presidente do Senado] e o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia.
Agora, se a gente achar que a Constituição, por si só, já está definindo o
problema, eu acho que a gente vai continuar do jeito que está’.


Para o ministro das Comunicações, a Carta Magna cita apenas princípios. É
preciso definir, por exemplo, qual a porcentagem de conteúdo nacional exigida e
uma fiscalização eficiente do cumprimento da determinação. O ministro Paulo
Bernardo defendeu a criação de uma agência autônoma para verificar a atividade
do setor. ‘Eu acho que isso é uma coisa resolvida na imensa maioria os países,
pelo menos no mundo mais avançado em termos de normas democráticas e
institucionais. Isso é resolvido. Na Europa, nos Estados Unidos isso já é
cumprido. Me parece que esta celeuma toda que é feita – ‘olha, vão controlar,
vão censurar’ – é uma tentativa de, preventivamente, fazer um combate para não
permitir que seja feita a regulação’, criticou.


Debate politizado


‘Primeiro, nós temos que fiscalizar a norma que existe. Segundo, a
Constituição tem pelo menos quatro artigos que precisam ser regulamentados no
que se refere à mídia eletrônica. Nós estamos discutindo e vendo como fazer a
regulação, disse Paulo Bernardo. ‘No momento em que isso for feito, vai ter que
fiscalizar, mas se não for regulado, é evidente que fica muito difícil, se não
impossível, fazer a fiscalização. Você tem preceitos genéricos na Constituição e
você tem que transformar isso em norma mais concreta, em parâmetros
fiscalizáveis.’


O ministro explicou que está previsto no convênio com a Anatel, além do
acompanhamento técnico, também a vigilância dos percentuais mínimos de
programação regional, de jornalismo e do percentual máximo de publicidade. O
acompanhamento sistemático será feito por amostragem, como ocorre em outros
setores, e a partir de denúncias.


O ministro Paulo Bernardo explicou que o anteprojeto de um novo marco
regulatório elaborado pelo ministro Franklin Martins não tentou ‘copiar’ modelos
de outros países, como a Argentina. ‘Eu concordo que houve uma politização forte
no debate, alguns enfrentamentos. E não foi só o [ministro] Franklin, não.
Alguns órgãos de comunicação claramente politizaram e tentaram impingir a ele
coisas que ele claramente não estava propondo’, ponderou. Na avaliação do
ministro, este é um trabalho equilibrado e adequado, baseado na realidade
brasileira, e que observa tanto a Constituição quanto a tradição legislativa e a
realidade do país.


‘Nós estamos tendo muito cuidado. Outro dia, eu fui falar e falei uma palavra
muito forte e acho que foi infeliz. Eu falei ‘acho que pode ter alguma uma
besteira no projeto’. Nós não queremos que tenha um erro que alguém se apegue
naquilo para ficar fazendo uma campanha contrária ao projeto. Nós vamos tomar
todo o cuidado, vamos fazer uma revisão do projeto, vamos verificar o espírito
de cada artigo, de cada capítulo, de cada dispositivo, para ver se aquilo se
coaduna com o que estamos acostumados a legislar aqui no Brasil’, comentou o
ministro. Na avaliação de Paulo Bernardo, é inaceitável achar que o governo tem
alguma ‘intenção oculta’ de tentar controlar do conteúdo da mídia eletrônica
porque a democracia está consolidada e é uma conquista alcançada por diversos
setores da sociedade. É hora de ‘colocar a bola do chão’ e ‘conversar com calma’
sobre a regulação da mídia no país. O ministro chamou a atenção para o fato de
que por trás deste debate há um grande interesse econômico.


Outro ponto discutido no programa foi a independência e a credibilidade do
Congresso Nacional para votar este projeto, uma vez que diversos parlamentares
são concessionários de canais de radiodifusão. O ministro defendeu que a casa
legislativa é a instituição competente para votar a questão e que é preciso
fazer valer o interesse maior da população. ‘O debate tem que ser feito no
Congresso e fora do Congresso. A Constituição define claramente as atribuições
do nosso Congresso’, explicou. Para o ministro, essa instituição tem a vantagem
de ser suscetível à pressão da opinião pública e da imprensa.




Leia (e veja) também


Outros programas sobre o mesmo tema:


Regulação, a discussão interditada – L.D.


Eleições, conflitos, regulação – L.D.


Patronato discute autorregulamentação – L.D.


A construção do marco civil da internet – L.D.


Regulação da imprensa, uma discussão necessária
L.D.


***


Para disciplinar a concorrência


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 585, exibido em 22/3/2011


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


A regulação estimula o crescimento ou o sufoca? No caso da mídia, a ordenação
do setor representa um controle do seu conteúdo ou um estímulo à sua
diversidade?


Nos dois últimos anos assistimos a um estressante duelo sobre a regulação da
mídia: de um lado estavam aqueles que defendiam um controle social – incluindo o
governo – e do outro estavam as entidades de mídia que em uníssono repudiavam
qualquer iniciativa para ordenar o setor.


Todos queriam mais democracia e esgoelavam-se defendendo os seus pontos de
vista, mas ninguém percebeu que a extremada politização de um debate, que
deveria ser eminentemente técnico, produzia um perigoso impasse e sinalizava
para um retrocesso.


A presidente Dilma Rousseff resolveu acalmar os ânimos e entregou a questão
ao novo ministro das Comunicações, ex-do Planejamento, Paulo Bernardo, político
prudente e racional, experimentado administrador. A batata quente está em boas
mãos.


Antes de ouvirmos o ministro, é indispensável lembrar que a Constituição de
1988 contém importantes dispositivos reguladores, que as corporações da mídia
sempre recusaram-se a implementar ou quando implementados foram esvaziados –
caso do Conselho de Comunicação Social, que chegou a funcionar plenamente
durante um mandato mas logo foi desativado. Um conselho ativo seria o fórum
natural para abrigar um debate esclarecedor, já que a sua função é consultiva e
não deliberativa.


Assim como o Cade foi chamado para supervisionar a briga de foice em torno
dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de futebol, também aqui a
presença de um tribunal regulador seria indispensável, já que a questão central
da mídia no Brasil atende por um nome que ninguém gosta de usar: a disciplina da
concorrência.


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A mídia na semana


** A notícia sobre o início da cobrança de acessos ao site do New York
Times
agitou a mídia em todo o mundo. Tanto os que acreditam que a internet
acabará com o impresso como aqueles que apostam na durabilidade do papel
vibraram com a novidade. Se um dos mais importantes jornais do mundo conseguir
vencer a gratuidade da informação pela internet, tudo poderá mudar. Sobretudo a
profecia de que os impressos estão com os dias contados.


** A política de boa vizinhança inaugurada por Roosevelt em 1933 teve novo
lance no último fim de semana com a badalada visita do presidente Obama ao
Brasil. O evento teve de tudo: acordos comerciais, promessas de parceria, visita
à favela pacificada, capoeira, Orfeu Negro, Jorge Benjor, Paulo Coelho, futebol,
Flamengo e um pouquinho da guerra da Líbia já que o gabinete de crise funcionou
duas vezes aqui do Brasil. Boa vizinhança em tempos de globalização. Felizmente
sem cervejinha e Ivete Sangalo.

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Jornalista