Na edição anterior, decidi que, ao invés de ‘balanço de final de ano’, iria correr o risco de olhar para frente, fazer prospecção, futurologia. As primeiras especulações sobre o (1) futuro dos ‘jornalões’; (2) o laboratório dos novos conceitos jurídicos; (3) o avanço da internet; (4) a batalha das idéias e (5) o fator Obama já foram feitas [ver aqui a primeira parte deste artigo]. Completo a lista com outras previsões, lembrando sempre: o que não acontecer, para o bem ou para o mal, deve ficar apenas na conta de mais uma previsão que fracassou.
6.
A mídia e a criseA irresponsabilidade e a ganância sem limites do setor imobiliário e de bancos de investimento, nos Estados Unidos, levaram o mundo a uma crise financeira sem precedentes. A mesma mídia e seus especialistas em economia, que apostaram na total desregulamentação dos mercados e não previram o desastre, estão tendo um comportamento, no mínimo, curioso.
O gigantesco ‘socorro’ de emergência ao setor privado, financiado pelo Estado – o vilão eterno dos liberais, velhos e novos –, tem sido tratado como um fato normal, apesar de obviamente estar na contramão de toda a pregação repetida à exaustão nos últimos anos.
Entre nós, a cobertura ignora a derrocada de um modelo econômico e se concentra nas conseqüências da crise. Todos os dias o que se lê, se ouve e se vê, é que a crise – em suas diversas manifestações – desembarcará aqui imediatamente.
Como a crise é de longo prazo, essa é a cobertura que a mídia certamente continuará a oferecer em 2009.
Qual será a motivação para esse tipo de cobertura? Esconder as causas do catastrófico fracasso de um modelo que defendeu com ‘unhas e dentes’? Opor-se ao governo que se recusa a admitir no Brasil efeitos tão fortes como aqueles que já ocorrem nos EUA e em outros países? Ou os dois?
7.
A mídia e a violênciaA violência continuará a ocupar lugar importante no conteúdo da programação de TV. A cobertura de crimes continuará a ser transformada em entretenimento e espetáculo na busca por índices de audiência e em flagrante desrespeito a direitos básicos do cidadão.
A relação entre a ‘cultura do sucesso a qualquer preço’, a violência na mídia e certo tipo de crime continuará sendo ignorada, apesar do conjunto de evidências rotineiramente revelado por pesquisas sérias em todas as partes do mundo.
8.
A mídia e as eleiçõesO próximo ano é ano pré-eleitoral. Os nomes dos pré-candidatos à presidência da República já estão na rua. As pesquisas de intenção de voto, idem. Os interesses em jogo – inclusive os da própria mídia –, ibidem. A disputa eleitoral está em andamento e assim será em 2009.
Como acontece em todas as eleições – locais, regionais e nacionais – mais uma vez, a grande mídia terá suas preferências refletidas na cobertura jornalística e, ao mesmo tempo, vai jurar de pés juntos que ela é equilibrada, imparcial e não apóia esse(a) ou aquele(a) candidato(a).
Apesar de tudo isso, continuaremos a assistir ao progressivo declínio de sua influência, sobretudo dos jornalões, na decisão de voto da maioria dos eleitores.
9.
A mídia e sua regulaçãoChegamos ao penúltimo ano do governo Lula e não se deve esperar modificações significativas na regulação do setor de comunicações.
A Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa parece ter sido arquivada sine die. Idem para a nova lei das rádios comunitárias. O PL 29, apesar de todo o poder das teles, foi alterado a tal ponto que não se sabe o quê, quando e se algum dia chegará a ser apreciado no Congresso Nacional. As questões fundamentais relacionadas às concessões de radiodifusão e suas renovações, apesar do esforço de alguns deputados e de propostas já aprovadas na CCTCI, não deverão se transformar em lei. Continuará a sublocação de espaço da programação de emissoras concessionárias para fins de proselitismo religioso; e políticos no exercício de mandato eletivo continuarão vinculados à mídia. Muito poucos parlamentares se arriscariam a mexer nessa caixa de marimbondos em ano pré-eleitoral.
Para alegria do sistema privado de radiodifusão, continuaremos, em 2009, sem avanços na regulação do setor.
10.
A mídia e a ‘vanguarda’ de direitaApesar do inegável desgaste dos conceitos de direita e esquerda, faz tempo que é visível a olho nu certo viés de direita na nossa grande mídia, sobretudo nos seus ‘formadores de opinião’.
Uma nota publicada na ‘Ilustrada’ da Folha de S.Paulo de domingo (14/12), disponível aqui (para assinantes), confirma o que já se sabia e, certamente irá prevalecer em 2009. Transcrevo parte da referida nota:
‘Uma nova `vanguarda´ tem caracterizado a intervenção intelectual no jornalismo brasileiro em anos recentes – e ela é de direita. As idéias que geram debate e reações apaixonadas de apoio ou contestação partem de colunistas e intelectuais que podem ser caracterizados como liberais, de direita ou conservadores – mas que se unem na crítica ao capitalismo `manco´ brasileiro e à longa hegemonia de valores de esquerda no debate político e cultural no país. (…)
‘Com a queda do Muro de Berlim, uma nova hegemonia liberal instalou-se, primeiro, no pensamento econômico. Enquanto o mercado do país se abria, e se distanciava no tempo a ditadura militar, tornou-se possível associar a esquerda à defesa de um ideário `ultrapassado´ e, até, defensor de `privilégios´.’
11.
E o rádio?Em meio aos incríveis avanços tecnológicos, um tradicional veículo de comunicação passa quase despercebido: o rádio. Ele está presente em todos os domicílios brasileiros e aparentemente foi o menos atingido pelo tsunami da revolução digital. Nem mesmo as novas gerações abriram mão de ouvi-lo e, certamente, ele tem seu lugar garantido na avalanche de novos carros que chegou a nossas ruas e estradas em 2008.
O rádio continuará, em 2009, um veículo de massa sobre o qual pouco se fala e pouco se estuda, mas cuja penetração, fidelidade da audiência e influência são difíceis de contestar.
12.
A mídia e LulaA grande mídia e seus ‘formadores de opinião’ não conseguiram entender em 2008 – e continuarão sem entender em 2009 – as razões para o governo ter mais de 70% de aprovação popular e o presidente Lula, mais de 80%. Isso os deixa desorientados.
‘Formadores de opinião’ continuarão a se referir ao ‘efeito-teflon’ e a lembrar sempre o risco de uma reforma constitucional que possibilite ao presidente Lula concorrer a um ‘terceiro mandato’. Declarações em contrário, quantas forem feitas, não serão suficientes. Até o último dia de inscrição de candidatos, em 2010, esses ‘formadores de opinião’ prosseguirão batendo na mesma tecla.
13.
Uma lista de ‘desejos’E para terminar, uma lista de ‘desejos’ para 2009:
**
Que a mídia, por interesse e/ou omissão, não deixe de cumprir o papel que atribui a si mesma de fiscalizadora do poder público em seus diferentes níveis – municipal, estadual, federal;**
Que haja responsabilidade profissional na cobertura de potenciais epidemias evitando a divulgação de informações alarmistas que provocam o pânico na população;**
Que o jornalismo esportivo seja menos ufanista e mais profissional;**
Que o Ministério das Comunicações permita o acesso público ao cadastro dos concessionários de radiodifusão;**
Qque, ao longo do seu segundo ano de vida, a TV Brasil deixe de ser uma esperança e se transforme em realidade;**
Que a concorrência de fato chegue a todos os mercados de TV paga e que o consumidor deste serviço seja, enfim, tratado com algum respeito;**
Que o Ministério Público continue suprindo as deficiências legais na proteção do cidadão contra os abusos da mídia;**
Que volte a funcionar o Conselho de Comunicação Social, silenciado desde novembro de 2006;**
Que continuem se espalhando pelo país novos ‘observatórios de mídia’;**
Que se realize a Conferência Nacional de Comunicação (a verba necessária foi incluída no orçamento da União aprovado para 2009); e**
Que a mídia entre definitivamente na agenda pública de discussão.******
Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)