Algumas das mais prestigiadas cabeças da imprensa têm se empenhado, nos últimos dias, a uma articulada operação com o objetivo de desmoralizar o coletivo de produções culturais chamado Fora do Eixo e, como resultado indireto, demonizar o fenômeno de midiativismo conhecido como Mídia Ninja.
Não se pode dizer que esse movimento seja organizado, da mesma forma como se planeja uma pauta de jornal, mas são fortes as evidências de uma estratégia comum em suas iniciativas. Há uma urgência na ação de desconstrução da mídia alternativa que nasce em projetos culturais à margem da indústria de comunicação e entretenimento – e os agentes dessa estratégia têm motivos fortes para isso.
Interessante observar que essa operação-desmanche reúne desde os mais ferozes e ruidosos porta-vozes do reacionarismo político até pensadores identificados com correntes vanguardistas, o que compõe um mosaico de discursos que vão dos costumeiros rosnados de blogueiros raivosos até lucubrações mais ou menos sofisticadas de intelectuais sobre o ambiente comunicacional contemporâneo.
Entre as mais ferozes dessas manifestações, certamente ganha destaque a “reportagem” publicada pela Folha de S. Paulo no domingo (18/8), sob o título “Fora do Eixo deixou rastro de calotes na origem em Cuiabá” (ver aqui). O texto se refere a despesas, no total de R$ 60 mil, feitas pelos organizadores de um festival de música alternativa realizado em 2006 na capital de Mato Grosso, onde ocorreram os primeiros eventos do Fora do Eixo.
A reportagem é montada com depoimentos de comerciantes, que dizem estar tentando cobrar a dívida há três anos, e termina com o chamado “outro lado”: uma curta explicação da responsável pelas finanças do Fora do Eixo, reconhecendo o débito e afirmando que todos os credores serão pagos.
Ora, se a dívida é reconhecida e tem sido negociada, qual a justificativa para tamanho barulho?
Se usasse o mesmo critério para todos os casos semelhantes, o jornal deveria dar manchetes com a controvérsia sobre uma suposta dívida do grupo Globo junto à Receita Federal, e que é acompanhada de um escândalo sobre o sumiço do processo.
Com a mesma disposição, seria de se esperar que a imprensa acompanhasse o drama de centenas de jornalistas e outros profissionais que lutam há mais de década por seus direitos trabalhistas, apropriados por empresários do ramo das comunicações. Verdadeiros estelionatos foram cometidos contra esses trabalhadores, há evidências de chicanas na Justiça do Trabalho e denúncias até mesmo de desvio do patrimônio de fundos de pensão, sem que a imprensa se interesse por essa pauta.
Uma parceria impensável
O alvo central dos ataques é o principal articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, que já foi chamado de “imperador de um submundo”, como se os coletivos de ação cultural fossem um universo clandestino e fora da lei. O bombardeio inclui denúncias de “trabalho escravo”, “exploração sexual”, “formação de seita” e outras alegações que não sobrevivem a uma análise superficial, como as referências deletérias aos editais onde algumas dessas iniciativas buscam recursos.
Ora, não consta que os ativistas que agora vão a público acusar Capilé tenham ficado algemados ao pé da mesa nas Casas Fora do Eixo, ou que alguém tenha sido abduzido para se integrar aos coletivos.
Os editais são resultado de uma inovação produzida pelo ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que permitiu democratizar parte dos recursos oficiais de incentivo à produção de música, dança e artes visuais, com menos burocracia do que a exigida pela Lei Rouanet.
Aliás, há outra pauta mais interessante, que a imprensa ignora, sobre as fraudes no uso de recursos por grandes produtoras, como a prática de fazer seguidas captações financeiras com empresas de fachada. A cantora Claudia Leitte, por exemplo, é acusada de haver obtido perto de R$ 6 milhões em apoio oficial usando esse artifício.
Pode-se alinhar muitos exemplos da falta de proporcionalidade que a imprensa tem aplicado a erros ou desvios eventualmente cometidos por algumas das milhares de iniciativas do Fora do Eixo. Mas o mais interessante é a personalização das acusações, centradas na figura de Capilé – e que, por essa razão, apontam como alvo final a Mídia Ninja.
O processo de demonização desse fenômeno de comunicação produz até mesmo uma impensável convergência entre as revistas Veja e Carta Capital.
Carta Capital (ver aqui) contribui para deformar a imagem do Fora do Eixo e da Mídia Ninja ao afirmarque ex-integrantes do coletivo cultural têm medo de se manifestar contra o grupo, como se se tratasse de uma perigosa organização criminosa. A deixa é aproveitada pelo colunista mais virulento de Veja para uma de suas diatribes.
Quando os dois extremos do espectro ideológico se tocam, forma-se o círculo perfeito do conservadorismo que rejeita toda mudança.
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