A campanha eleitoral começou para valer na segunda-feira (11/8) e tem sua crônica oficial registrada nos jornais de terça (12), com a primeira entrevista de candidato presidencial ao Jornal Nacional, da TV Globo.
O primeiro entrevistado, em decisão feita por sorteio acompanhado por assessores de campanha, foi o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, do PSDB. Na terça-feira, vai enfrentar a bancada o senador Eduardo Campos, do PSB, na noite seguinte será a vez da atual presidente, Dilma Rousseff, do PT, e na quinta-feira (14) vai falar o pastor Everaldo Dias Pereira, do PSC.
Os apresentadores William Bonner e Patrícia Poeta, colocados no centro das atenções do mundo político, tiveram um desempenho irrepreensível, com pleno domínio do tempo e um controle absoluto de expressões faciais, tons de voz e postura corporal. O entrevistado, ao contrário, pareceu desconfortável ao se defrontar com uma dupla treinada para protagonizar o papel crítico que se espera da imprensa. Sua voz parecia forçada, e a insistência dos entrevistadores em temas que lhe são negativos provocou momentos de indecisão e risos nervosos.
O candidato do PSDB tem um padrão de voz fracionado por entradas de tons agudos em meio às frases. Essa deficiência pode ser observada com relativa facilidade pela análise do gráfico produzido quando se submete a gravação da entrevista a um programa computacional de áudio. A voz do jornalista William Bonner produz um traço com poucas variações tonais e o mesmo pode ser dito da entonação de Patrícia Poeta, enquanto as intervenções de Aécio Neves resultam em oscilações mais acentuadas.
Como comparação, os dois jornalistas pareciam mais seguros do que o entrevistado, o que resulta em uma percepção negativa para o candidato, uma vez que as variações no tom de voz para picos de agudo são quase sempre relacionadas a descontrole e insegurança. Além disso, a pauta não facilitou a vida de Aécio Neves, forçando-o a tomar uma posição clara quanto à perspectiva de aumento de tarifas públicas e preços de combustíveis, a responder diretamente à polêmica sobre o aeroporto privado construído com verba pública quando ele era governador de Minas e ao ter que confrontar dois casos de corrupção que envolvem seu partido.
Vida dura
Nos jornais de terça-feira há boas resenhas do programa, com destaque para a avaliação da Folha de S.Paulo, que evidencia a clara diferença entre as manifestações de políticos colhidas na cobertura televisiva do dia a dia e o confronto direto com os experientes ocupantes da bancada do telejornal.
Tanto a Folha como o Estado de S.Paulo destacam o fato de Aécio Neves não se sentir constrangido com o caso do aeródromo que beneficia os interesses de seus familiares no município de Cláudio, em Minas Gerais. Também a cobertura do Globo, mais extensa, deixa claro que o desempenho do candidato na entrevista não lhe foi favorável.
Há vários aspectos a serem observados nesse episódio, que pode se tornar um divisor de águas na história recente das coberturas eleitorais da imprensa brasileira. O primeiro deles é a necessidade premente da TV Globo de reverter a queda da audiência de seu principal programa jornalístico, que, embora continue com grande vantagem sobre os concorrentes, vem sofrendo perdas seguidas na última década, com um decréscimo acentuado justamente no período da disputa eleitoral de 2010, quando saiu da casa dos 30 pontos. De 2006 para 2013, o Jornal Nacional caiu de 36,4 para cerca de 26 pontos de audiência, em média.
Outra questão a ser considerada é a percepção de algumas consultorias de negócios de que o candidato Aécio Neves não tem consistência para evitar a reeleição de Dilma Rousseff. Na segunda-feira (11/8) o portal de notícias Terra trazia análise da empresa Rosenberg Associados (ver aqui), com um texto de alta agressividade contra o governo petista, na qual os consultores afirmam que a presidente é favorita inconteste na eleição deste ano. A consultoria pertence ao economista Luiz Paulo Rosenberg, vice-presidente do Corinthians.
Com a série de entrevistas com candidatos, o Jornal Nacional abre um contraponto em relação a esse tipo de análise, que tenta impor os interesses do mercado financeiro à conveniência da maioria da população.
A julgar pela amostra que ofereceu na primeira entrevista, a Globo não vai amaciar.
Se não foi fácil para Aécio, não vai ser fácil pra ninguém.