Desde quinta-feira (12/9), quando noticiaram o adiamento da votação sobre embargos infringentes na Ação Penal 470, no Supremo Tribunal Federal, os jornais não deixaram passar um só dia sem reportagens, editoriais e artigos sobre a missão do ministro Celso de Mello, que terá de produzir o desempate na próxima sessão, marcada para quarta-feira (18).
O fim de semana foi pródigo de afirmações redundantes, porque, a rigor, ninguém espera uma surpresa: Mello vai votar pela aceitação do recurso, mas isso não quer dizer que haverá mudança nas sentenças.
O que é que move a imprensa, então, se o ministro que ocupa há mais tempo seu lugar na corte já declarou no ano passado que os tais embargos são um recurso válido? A resposta não tem grandes complicações: trata-se do esgotamento do discurso exasperado que marcou a atuação da mídia tradicional desde a eclosão do escândalo, em maio de 2005. Se, como se espera, o ministro Celso de Mello desempatar a votação em favor da aceitação dos recursos, a imprensa terá que se preparar para uma nova temporada de debates, mas o interesse do público pelo assunto terá se esgotado.
Na segunda-feira (16/9), a situação se parece com aqueles dramas nos quais o ápice chega muito antes do final: com as emoções levadas ao paroxismo antes do tempo, o resto do espetáculo acaba perdendo atrativo.
Ao longo do próximo ano, com Copa do Mundo e eleições, é provável que a atenção do público esteja suficientemente dispersa para deixar em segundo plano a pauta na qual os jornais teriam investido sua reputação por quase uma década. E, mesmo que não haja mudanças nas sentenças, a interpretação da população sobre as punições a serem cumpridas poderá ser absolutamente frustrante, em relação à expectativa criada pela imprensa, porque a maioria dos condenados sofreria penas de reclusão de curto período.
Além disso, se na época em que o noticiário foi mais intenso o escândalo não eliminou as chances eleitorais do partido que foi mais visado pelo mesmo noticiário, em duas sucessões presidenciais, pode-se prever com alguma segurança que a decisão final do STF terá um impacto mínimo nas escolhas dos eleitores em 2014.
Depois, a náusea
Para a maioria da população, o julgamento da Ação Penal 470 não terá mudado nada em relação ao que se espera da Justiça no Brasil: embora os jornais tenham incensado os senhores ministros, falando em “marco histórico”, “resgate do Judiciário” e outras afirmações louvaminheiras, o que se viu e o que se vê é o mesmo de sempre.
O que define a imagem pública do Judiciário brasileiro não é a extensão das penas impostas aos condenados nesse caso escandaloso, mas os fatos objetivos que demonstram, na rotina, a impunidade dos que têm acesso aos serviços de bons advogados.
Deve pesar muito mais na avaliação da Justiça pelo cidadão comum, por exemplo, a soltura do médico Roger Abdelmassih, acusado de haver estuprado 56 mulheres em sua clínica de fertilização, condenado a 278 anos de prisão. Apesar de ter dado sinais de que pretendia fugir, tendo se casado com uma ex-procuradora da Justiça e providenciando a renovação de seu passaporte, o criminoso ganhou habeas corpus, concedido pelo ministro Gilmar Mendes em janeiro de 2011.
Abdelmassih deve completar 70 anos de idade no próximo dia 3 de outubro. Leva nas costas uma das mais impressionantes cargas de crimes da crônica policial brasileira, mas vive em liberdade, provavelmente no Líbano.
Também permanecem no imaginário comum os casos que envolvem o banqueiro Daniel Dantas, o especulador Naji Nahas e a longa biografia do deputado Paulo Salim Maluf, além do crime pelo qual foi condenado o jornalista Antônio Pimenta Neves.
Em meio a uma longa lista de processos que encalham para sempre nas instâncias superiores do Judiciário, a Ação Penal 470 mereceu o especial escrutínio da imprensa, durante anos, mas ameaça se diluir em meio à percepção geral produzida por declarações de ministros admitindo tomar decisões para atender aos gritos da mídia.
Depois da quarta-feira, quando o ministro Celso de Mello proferir seu voto, o caso conhecido como “mensalão” terá chegado ao ápice. Como nas peças de má dramaturgia, o público provavelmente manterá alguma curiosidade por uns dias, mas o mais seguro é apostar numa queda da audiência.
Geralmente, o que vem depois do paroxismo é a náusea.
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