Começa na quinta-feira (9/10) um teste definitivo para a mídia tradicional do Brasil. Agora que a alternativa Marina Silva foi descartada, os principais grupos empresariais de comunicação estarão em confronto aberto com o Partido dos Trabalhadores, que controla há doze anos o poder central. O cenário é o da eleição presidencial em segundo turno, no qual o grupo apoiado explicitamente pela imprensa majoritária enfrenta a presidente que busca a reeleição.
Em circunstâncias ideais, este enunciado deveria ser considerado uma aberração. Afinal, espera-se que a imprensa seja uma espécie de mediadora entre as forças que disputam a hegemonia numa sociedade democrática, e não uma entre as potências engajadas na contenda. Mas não há como dissimular a prevalência do viés favorável a uma das partes em praticamente todo o sistema da mídia.
As empresas que dominam as audiências não apenas escolheram um lado, mas assumiram o papel central na função de converter o eleitorado em favor de seu candidato. Apesar de explícito, esse posicionamento da imprensa exige ainda alguma dissimulação, porque, afinal, é preciso preservar uma reserva de confiança, pois sem um mínimo de credibilidade, perde-se a eficiência da mensagem. Se já não se espera que a vestal seja pura, pelo menos deve-se evitar que se comporte como uma prostituta.
Mesmo tendo se transformado em panfletos de campanha, os principais diários do país ainda precisam ser chamados de jornais para que cumpram esse papel. Acontece que os grandes veículos de comunicação do Brasil já exploram o “volume morto” de sua capacidade de convencer, mas o que vamos assistir daqui até o dia 26 de outubro, data da segunda votação, não será mais jornalismo de verdade.
O “Manchetômetro” conduzido pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ver aqui), que mede o teor do noticiário de maior audiência da televisão e dos jornais de circulação nacional, mostra que aumentou a disparidade entre as notícias negativas que atacam a presidente da República e o viés majoritariamente positivo ou neutro que favorece o candidato da oposição.
A piada pronta
A referência ao “volume morto” não é apenas uma metáfora: ela ajuda a entender como a imprensa tenta dissimular a malversação dos fatos para preservar alguma credibilidade.
O leitor ou leitora com visão crítica há de ter notado que o Jornal Nacional da TV Globo dedicou nesta semana um tempo incomum ao problema da falta de água no estado de São Paulo, e desde a segunda-feira (6/10) apresenta um rigor inédito na análise da questão. De repente, não é apenas São Pedro o culpado pelo esvaziamento dos reservatórios.
Na quinta-feira (9), praticamente toda a imprensa nacional reverte o teor da cobertura sobre o problema, admitindo que a direção da Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo errou no planejamento para a temporada da seca. Nos jornais paulistas, o noticiário chega a resvalar para o achincalhamento, com referência a um bordão do colunista José Simão, da Folha de S. Paulo, classificando a declaração da presidente da Sabesp como “piada pronta”. A fonte é o depoimento da executiva, Dilma Pena, em audiência na Câmara Municipal paulistana.
O mote da anedota prêt-à-porter é o eufemismo usado pela presidente da Sabesp para negar que esteja havendo um corte seletivo no fornecimento de água: ela declarou que não há racionamento, “mas administração da disponibilidade de água”. Vereadores aproveitaram para fazer blague, observando que alguns deles não são carecas, mas apenas tiveram o “potencial capilar diminuído”.
Em meio à galhofa, poucos leitores se dão conta de que a imprensa só se dispõe a encarar a evidente falta de responsabilidade do governo paulista diante da crise hídrica depois que o governador Geraldo Alckmin assegurou sua reeleição. A imprensa poderia aproveitar melhor o anedotário criado pelo jornalista José Simão, observando que o governo de São Paulo “tucanou” a falta d’água.
O repente de honestidade com que a mídia resolve atacar o problema faz parte daqueles momentos em que a mídia busca uma reserva de credibilidade, explorando o fundo do poço do jornalismo. O episódio serve apenas para demonstrar como se faz a manipulação dos fatos no dia a dia: daqui para a frente, vai crescer a proporção de lama no noticiário.