Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Omissão de apuração jornalística

Uma ausência de senso crítico elementar rege as relações do jornalismo das emissoras de televisão, TV Globo em primeiro lugar, com a polícia do Rio de Janeiro (consequentemente, com o governador Sérgio Cabral Filho). Manifestou-se no noticiário sobre a prisão na Rocinha, no sábado (13/7), de 25 pessoas (três com menos de 18 anos).

O Jornal Nacional apresentou, à noite, reportagem que expôs a falta de vontade de fazer perguntas indispensáveis [leia aqui o texto]. Eis algumas das informações dadas pela emissora que configuram delito de “omissão de apuração jornalística” (ou investigação, preferem alguns, talvez por terem concluído que a polícia, incumbida da tarefa, não a desempenha).

Omissão não por preguiça ou incompetência, mas por obediência a uma linha política e de interesse empresarial da Globo (apoio a Cabral Filho, Beltrame, Pezão, Copa, Olimpíada, etc), que, como sói acontecer, virou camisa de força para repórteres e editores.

“Segurança máxima”

Primeira questão: como é possível repassar ao público a afirmação de que os suspeitos presos “recebiam ordens de um traficante que cumpre pena num presídio de segurança máxima” sem ouvir o Ministério da Justiça, responsável pela Penitenciária Federal de Campo Grande, onde está Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha (por sinal condenado em primeira instância na segunda-feira, 15/7, a mais de 16 anos de prisão).

As prisões de segurança máxima construídas e operadas pelo governo federal dão aos detentos essa regalia? Segundo cálculos que nunca se sabe quem faz, nem como, o tráfico de cocaína e outras drogas rende R$ 6 milhões mensais na Rocinha.

Segunda questão: a polícia disse que Nem dividiu a Rocinha entre dois subchefes, Djalma, na parte de cima do morro, e David Gomes, na parte de baixo, e que “a informação de que esses dois grupos estavam em guerra e de que haveria um confronto violento neste sábado” (13/7) levou-a a antecipar uma operação que ainda estava em fase de planejamento.

Raia miúda

O resultado policial da “precipitação” foi que os dois suspeitos acima mencionados não foram presos. Só suspeitos menos importantes na hierarquia. Por que não foram pedidos à polícia esclarecimentos sobre como se ficou sabendo da “guerra”? (Na segunda-feira, dia 15, a polícia retificou: o nome de batismo de Djalma é Luiz Carlos Jesus da Silva e seu suposto rival não é David, mas Johnny, John Wallace da Silva Viana.)

Terceira questão: se Djalma e David, agora Johnny, embora submetidos ao mesmo comandante, estão “em guerra”, como se aplica à Rocinha o conceito de área “pacificada”?

Quarta questão: sempre segundo a polícia, PMs da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha durante três meses “monitoraram a rotina dos traficantes”. Usando, para tanto, 104 câmeras instaladas na favela desde o início da “pacificação”, em novembro de 2011, vigilância na internet (“os bandidos se comunicavam em redes sociais”) e interceptações telefônicas.

Conta outra.

“Fora Beltrame!”

Agora, mais relevante, o que foi deixado de fora.

A polícia pacificadora do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, desceu o pau em manifestantes durante a revolta de junho. A polícia também conteve manifestantes violentos e delinquentes, mas começou batendo em gente que não tinha nada a ver com quebra-quebras. A massa posteriormente incorporou o nome de Beltrame aos gritos de “Fora!”. E o marketing das UPPs está desgastado. Só não desabou porque a mídia jornalística carioca não lhe poupa apoio.

Em 25 de junho, mal se aquietava a primeira grande onda de protestos (outras virão, avisam estrategistas do Palácio do Planalto, segundo o noticiário de 15/7), o Bope fez uma carnificina na favela da Maré – oito mortos (depois da morte do sargento do Bope Ednelson Jerônimo dos Santos).

A política de (in)segurança pública de Cabral Filho & Beltrame, às vésperas da visita do papa Francisco, não merece confiança nem das Forças Armadas, nem do governo federal, patrão, em tese, da Polícia Federal. Pincemos a locução “em tese”: o governo estadual também não comanda as polícias. Pode até manobrar, mas não controla.

O Bope, por sinal, adquiriu, principalmente depois dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, uma autonomia que vai além da constatação de que “ninguém manda na polícia”, como ensinou o coronel PM da reserva Jorge da Silva [ver aqui]. O Bope, que – veja só o pacato leitor – tem assessoria de imprensa própria, só formalmente subordinada ao comando da PM-RJ, é há muito tempo, como a Rota, em São Paulo, uma tropa de janízaros. Se o Brasil continuar se democratizando, o Bope, como os janízaros na Turquia dos sultões, terá de ser extinto.

Glamour e sangue

A verdade, como ensinava Noel Rosa, mora num poço – abaixo do pré-sal. Não se deixa captar pelas narrativas que nós, pobres mortais, podemos oferecer. Mas às vezes escapa de suas prisões e véus e se apresenta onde menos se poderia esperar.

Isso aconteceu na noite de sábado (13/7), do lado de fora do Copacabana Palace, quando a tropa de choque interveio para reprimir manifestantes agredidos por convidados bêbados da festa de casamento da neta do “Rei dos ônibus” do Rio, Jacob Barata, com o filho de Chiquinho Feitosa, um ex-deputado federal pelo Ceará.

Barata é um dos big bosses do sistema de transportes do Rio de Janeiro. O esplendor da festa, descrito por Hildegard Angel, basta para estabelecer vínculo entre péssimos transportes rodoviários de passageiros e lucros espetaculares. A cena sem glamour foi o sangue no rosto de um rapaz, morador do Morro do Alemão, atingido na testa por um pesado cinzeiro de vidro.