O noticiário a respeito do atentado ocorrido em Boston na semana passada tende a arrefecer nos próximos dias, a menos que um elemento relevante venha a provocar alguma desconfiança na imprensa sobre a versão oficial apresentada até aqui pelas autoridades americanas.Questionamentos divulgados por adeptos de teorias conspiratórias vêm sendo amplificados por veículos alternativos, mas até a manhã de segunda-feira (22/4), tais especulações não haviam avançado além de algumas obviedades.
Uma delas: se os supostos autores eram terroristas chechenos, por que atacar os Estados Unidos e não a Rússia?
A informação segundo a qual o irmão sobrevivente não poderá falar por causa de um ferimento a bala reduz as chances de ampliação das dúvidas, mesmo porque é tradição das autoridades americanas definir rapidamente o relato oficial, para reduzir o efeito emocional de tragédias sobre a população. Uma versão central induz a um sentimento coletivo e facilita o controle. A imprensa hegemônica, tanto lá como aqui, tende a seguir o que está escrito, e eventuais discordâncias acabam nos registros marginais da História.
Como não poderia deixar de ser, o atentado, ocorrido num evento esportivo de massa, acabaria por suscitar a pergunta: “E se fosse na Copa?”
Essa é a questão que a revista Época traz em sua capa, na edição desta semana, mas na verdade ela já havia frequentado os jornais ainda antes do acontecimento em Boston, por conta de reportagens sobre a participação de agentes americanos na preparação do sistema de segurança do campeonato mundial de futebol.
Trata-se de uma preocupação natural em qualquer evento de massa, e que ganha relevância ainda maior com a mistura de cidadãos de variadas nacionalidades. Essa preocupação, portanto, é tema potencial da imprensa. No entanto, a leitura da reportagem de Época não acrescenta informações relevantes para tranquilizar ou para preocupar o leitor: a revista oferece obviedades, como a definição de que o terrorismo tem o objetivo de aterrorizar, e observa que o Brasil vem dedicando a esse planejamento mais cuidados do que poderia exigir um país sem inimigos externos.
“Para um país com histórico pacífico, tamanha preparação pode até parecer desmedida”, diz o texto.
Inimigos potenciais
Mas a revista admite que seria um engano pensar assim, dada a natureza do terrorismo, como se revelou em Boston, onde uma festa esportiva pacífica e tradicional, sem conotações políticas, foi trespassada pelo ato violento. No entanto, ainda admitindo a persistência do risco na sequência de eventos de grande repercussão programados para os próximos anos, a começar da Copa das Confederações, que ocorre em junho, faltou à reportagem definir melhor os riscos potenciais.
É certo que o Brasil não tem inimigos externos declarados e nenhuma disputa internacional que possa inspirar ataques desse tipo. Mas não faltam conflitos internos capazes de induzir a atos de terror.
Os ataques realizados por bandos de criminosos em São Paulo, já em duas ocasiões, e mais recentemente em Santa Catarina, no começo deste ano, mostram que velhos problemas não resolvidos podem evoluir para eventos de maiores proporções. Além disso, operações policiais mal consolidadas, como as ocupações de favelas no Rio de Janeiro, podem produzir criadouros de conflitos, pela ação de agentes corruptos que substituem as quadrilhas de traficantes no controle dessas comunidades.
Também se pode observar, ainda que de maneira esparsa, a ocorrência de um processo de radicalização política que se expressa nas redes sociais digitais, com a manifestação de grupos favoráveis à volta da ditadura e defensores de soluções extremistas para problemas como a corrupção, a criminalidade e a ineficiência das instituições públicas.
O envolvimento de autoridades em escândalos, a revelação de relações impróprias entre representantes do Judiciário e interesses privados, a suspeita de que policiais seguem matando inocentes na periferia das grandes cidades, são elementos que podem alimentar ideias insanas e conduzir a atos de violência.
O terror pode germinar em qualquer canto onde a esperança é destruída. Por esse motivo, uma imprensa que ajude o cidadão a compreender as dificuldades naturais de uma sociedade em construção contribui mais para o interesse geral do que aquela que estimula a descrença e aposta no pior.
O terrorismo não eclode subitamente, com uma bomba no meio da multidão: ele germina com a ideia de que o esforço diário por uma vida melhor não vale a pena.