Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os Sarney estão nus – outro horror

Não se pode dizer que a grande mídia está protegendo o clã Sarney. Mas não parece suficientemente indignada com a apatia dos donatários da capitania diante de tantas denúncias nacionais e internacionais e suas cínicas explicações.

A mídia está pisando em ovos, pautando-se pelo grau de intensidade das reações federais, quando o normal seria o contrário: a imprensa pressiona o Executivo, que não tem outra alternativa senão descontar em cima dos governadores relapsos ou seus padrinhos.

Para começar: o noticiário relativo às ocorrências no presídio de Pedrinhas, em São Luís (MA), e seus desdobramentos na esfera política e judicial, está sendo chutado para os cadernos secundários destinados à cobertura local (“Cotidiano” na Folha de S.Paulo, “Metrópole”, no Estado de S.Paulo). Exceto no Globo.

Mudanças no trânsito de São Paulo ocupam a capa do caderno, o horror em Pedrinhas vai para as páginas internas. Esta catástrofe humanitária e política, de interesse nacional, mostrada ao mundo por meio de um vídeo horripilante e denunciada pela ONU e OEA não pode ficar escondida. Não reverbera e se não reverbera, evapora.

Procedimentos débeis

A incrível sucessão de ratas e gafes cometidas pelo clã maranhense, no poder há mais de meio século, exibe de forma inequívoca o caiporismo, o despreparo e o aviltante nível moral das elites regionais. Primeiro foi o cacique, ex-presidente da República, acadêmico imortal, temente a Deus, que proclama o fim da violência. Contida, não chegara às ruas. Mentira ou erro grosseiro: a violência que decapita presidiários atrás das grades matou uma criança, feriu gravemente sua mãe e irmã no incêndio de um ônibus no perímetro de São Luís.

De férias ou estressados pelo calor, nossos opinionistas deixaram passar o disparate. Depois veio a filha, ex-senadora e atual proprietária do estado, saindo-se com esta preciosidade retórica: a atual onda de violência decorre da riqueza que chegou ao estado na sua gestão. A mídia estrilou um pouco mais: era caso de levar a autora do despautério sociológico – graduada num curso por correspondência – ao paredon do escárnio.

A série de patuscadas para livrar os Sarney de manifestações de rua na próxima temporada de agitos encerrou-se na Folha, domingo (12/1). Alguém autorizou a publicação de um artigo da governadora Roseana na seção “Tendências/Debates”, nobilíssima página 3, com uma generosa chamada na primeiro página, “O Maranhão de verdade”, onde a inspirada Joana D’Arc tenta provar que “o crime organizado espalhou pelo país a violência que vemos hoje”.

Colher de chá excessiva, mas no sábado pela manhã é impossível mexer na página 3 do primeiro caderno. O que fazer? Outro alguém teve a genial ideia de colocar uma continuação da página 3 no caderno “Cotidiano” com um texto capaz de contrastar com a cara de pau de D. Roseana. Às pressas, inventou-se uma página de opinião no caderno local (C-4) preenchida por um valente texto de Zeca Baleiro. Sem diploma universitário, o cantor e compositor maranhense foi fundo: “Se o crime organizado (…) dá as cartas e oprime o povo com ameaças e ações dignas dos mais perigosos terroristas, é porque há uma natural permissão”. Completa: “(…) a miséria extrema que assola o Estado há décadas, o analfabetismo (…) a cultura antiga de currais eleitorais (…) são crimes tão hediondos quanto os cometidos no complexo penitenciário de Pedrinhas” (ver “Uma notícia está chegando lá do Maranhão”).

Zeca Baleiro é um jornalista nato. Com alguns petardos deste calibre não sobraria nenhum Sarney nas esferas do poder.

O episódio revela a precariedade dos procedimentos nas redações durante o plantão dos fins de semana. A autorização para publicar e destacar o texto de Roseana foi tão esdrúxula quanto a tentativa de neutralizá-lo.

Senador milagreiro

Os Sarney estão nus. E ninguém quer vê-los. Questão de bom gosto, certamente. Mas por que tantos cuidados? Por muito menos Renan Calheiros perdeu a presidência do Senado e agora corre o risco de ficar careca.

Sarney foi presidente da República, em seguida aos 21 anos de ditadura. As instituições eram menos transparentes, as benesses podiam ser disfarçadas. Para quem for suficientemente curioso não será difícil descobrir por que Sarney é tão querido da grande mídia.

Um favor que Sarney vem prestando aos grandes grupos de comunicação é o seu ódio ao Conselho de Comunicação Social, que durante 14 anos manteve na caçamba de lixo até que numa manobra conjunta senadores do PT e do PSDB o resgataram. Sarney é ranheta, insistiu e, no segundo mandato do CCS, mandou desativá-lo. Era ilegal, mas foi obedecido.

O que fez Sarney pelos camaradas donos de jornais, rádios e redes de TV? Montou um novo CCS e para torná-lo inabalável, eterno, entregou a presidência ao arcebispo do Rio de Janeiro, D. Orani Tempesta, considerado um especialista. Promovido pelo papa Francisco a cardeal, procura-se em seu belo currículo eclesiástico e de homem público alguma referência à importante função que exerce num órgão do Senado. Não se encontra.

D. Orani é e não é presidente do CCS: na página da internet do Conselho lá está o seu nome. Mas nos registros da mídia seus títulos são outros.

Longa vida a José Sarney, o milagreiro. 

 

Leia também

A ilha de felicidade chamada Maranhão – A.D.

A barbárie está nas redes – Luciano Martins Costa