Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Padre pedófilo não justifica pauta

A história já se tornou frequente no Brasil: um emissário da Igreja é acusado de abuso sexual contra crianças, sendo flagrado e encaminhado à delegacia. A singela diferença é que desta vez a polícia divulgou o áudio dos grampos telefônicos, efetuados com autorização judicial, e o vídeo da prisão de tal religioso. O resultado prático disso é que, além da devida e necessária exposição pública de um criminoso covarde escondido sob a batina cristã, a Igreja se viu obrigada a fazer algo raríssimo na sua trajetória: acabou expulsando um abusador de crianças das suas fileiras.

O caso em questão se refere ao frei Ângelo Chiarelli, de 64 anos, preso em sua casa com uma menina de 13 anos de idade – uma das que aparecem nos grampos telefônicos da polícia sendo seduzida de forma impublicável pelo religioso. Se, por um lado, há que se comemorar que finalmente um canalha protegido pela Igreja está em maus lençóis, por outro lado o aspecto negativo de tal notícia é que a imprensa, mais uma vez, não deu a repercussão devida ao fato. Dentre os veículos de abrangência nacional, o maior destaque foi dado pela Band, primeiro no Brasil Urgente e logo a seguir no Jornal da Band. Só que isso seguiu o mesmo modus operandi de outras ocasiões: no dia seguinte, o assunto já estava esvaziado. E no terceiro dia nem havia mais padre pedófilo. Ou frei, no caso.

Crime não é caso de calamidade pública?

Pior foram os outros veículos que sequer noticiaram o episódio. E muito pior ainda, mas muito mesmo, foi acessar o portal da Agência Brasil, órgão oficial de notícias deste país, e descobrir que não havia uma única nota sequer sobre o assunto. Para se compreender a dimensão disso é preciso reportar que o governo brasileiro, através de órgãos específicos, como Ministério Público e Polícia Federal, tem promovido ações e campanhas de combate à pedofilia em todo território nacional. E tem solicitado à sociedade civil que auxilie o poder público nesta luta. Ou seja: temos ações de governo; temos campanhas de esclarecimento; temos engajamento de parte dos cidadãos… – só não temos cobertura oficial pela agência de notícias do próprio governo. Pelo menos não neste caso em que um emissário da Igreja é o protagonista do abuso.

Este observador escreveu à Agência Brasil questionando a omissão do referido órgão e obteve como justificativa para tal posicionamento uma ‘ausência de correspondentes’ no estado de Santa Catarina para cobrir o episódio. A própria Agência Brasil faz questão de apontar, em sua resposta protocolar, que no evento ocorrido recentemente em Catanduva (SP) foi ‘possível’ enviar um representante àquela cidade e o caso restou acompanhado de forma pontual. O escândalo de Catanduva também se referia a crime de pedofilia, embora até onde se saiba não haja envolvimento de religiosos. Ou seja, o descaso não parece ser com a pedofilia em si.

Posso acrescentar, demonstrando a incoerência dos pesos e medidas utilizados pela Agência Brasil, que a mesma agência já fez diversas coberturas de fatos noticiosos advindos de Santa Catarina. Um dos mais recentes envolve a tragédia das enchentes naquele estado. Talvez alguém pondere que este evento das enchentes foi um fato de grandes proporções, de comoção nacional, mas caberia então a pergunta: a pedofilia no Brasil já não é um caso de calamidade pública? Já não atingiu proporções dantescas? Já não é uma ameaça real às famílias? Se alguém mensurar que não, sinto informar que o sujeito precisa se inteirar melhor do que está acontecendo neste país.

Distâncias geográficas ou barreiras morais

Se a Agência Brasil não ignora a pedofilia (e, de fato, não ignora, é só pesquisar no portal), e quando julga relevante, a mesma encontra o caminho de Santa Catarina (igualmente é só pesquisar no portal). Por que será, então, que o caso do frei Ângelo Chiarelli passou completamente em branco na pauta da nossa agência oficial de notícias? Em busca de uma resposta para isso, resposta concreta e coerente, este observador também enviou – na madrugada desta terça-feira, 7/7/2009 – uma correspondência ao senador Magno Malta, que é o relator da CPI da Pedofilia e que tem empreendido uma luta incansável para colocar atrás das grades os abusadores de crianças e de adolescentes deste país, sejam eles quem forem, pois tenho certeza de que, mesmo eventualmente sendo um cristão, o senador Malta já alcançou um nível de comprometimento e sensibilidade em relação aos abusos sofridos por crianças que lhe concede discernimento suficiente para compreender a isenção que se deve ter na análise da gravidade deste problema. Pedofilia é um crime gravíssimo, não importa por quem seja praticado. E convém acrescentar que isso independe de ‘conceitos culturais’: já está devidamente tipificado em lei e não cabem silogismos enviesados.

Desta forma, os cidadãos e a imprensa não podem condenar a pedofilia e ao mesmo tempo relevar ou ignorar quando este abuso é cometido por um emissário da Igreja, por mais que se tenha uma crença profunda nesta ou naquela religião. Todo pedófilo é repugnante, mas quando o crime é cometido por alguém da Igreja isso configura um abuso duplo, pois o abusador não está se valendo apenas da condição covarde de um adulto com poderes de persuasão; está se valendo também da condição insuspeita de um representante da ‘voz de Deus’, na qual não somente adultos fiéis vão confiar plenamente, mas sobretudo – e especialmente –, as crianças.

Espero que o senador Malta consiga sensibilizar a Agência Brasil – e outros órgãos de comunicação – para o fato de que a pedofilia não pode se esconder atrás de distâncias geográficas ou de barreiras morais, ainda que isso implique em tornar público práticas criminosas efetuadas por emissários de uma instituição que prega o amor, a ética, a moral e os bons costumes.

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Diagramador, Porto Alegre, RS