A Folha de S. Paulo noticia na edição de segunda-feira (14/10) que integrantes do grupo criminoso conhecido como PCC – Primeiro Comando da Capital planejam se infiltrar em manifestações para atacar policiais durante as correrias e atos de vandalismo que têm marcado os protestos de rua. A reportagem complementa uma série iniciada pelo jornal concorrente, o Estado de S.Paulo, na sexta-feira (11/10), na qual se apresentava um mapa da estrutura de comando da organização, que foi divulgado pelo Ministério Público Estadual.
Histórias sobre o poder da quadrilha se tornaram quase um mito desde 2002, depois que uma ação policial eliminou doze dos principais líderes de facções criminosas rivais, que costumavam promover motins nas penitenciárias paulistas, no episódio que ficou conhecido como o massacre da Castelinho.
Em 2006, o resultado final da perícia revelou que os doze mortos não haviam disparado um só tiro – o que havia ocorrido era uma execução coletiva, que eliminou a concorrência e abriu caminho para o PCC dominar os presídios e ampliar seus poderes nos bairros onde a polícia não entra.
Em maio do mesmo ano, policiais corruptos sequestraram o sobrinho de um dos líderes da quadrilha, e isso resultou em uma série de ataques a policiais, atentados e incêndios de ônibus, paralisando São Paulo e algumas cidades do interior. A Polícia Militar reagiu com violência redobrada, e no balanço final, nunca admitido oficialmente, passou de duas centenas o número de mortos.
Desde então, instalou-se um clima de guerra entre a PM e a quadrilha, que se agravou nos anos seguintes, com ondas de ataques isolados e aumento da violência policial na periferia da capital paulista.
Os fatos colocaram o governo de São Paulo numa posição defensiva, tendo que responder ao mesmo tempo pela ineficiência da segurança pública, com o aumento dos crimes violentos, e as sucessivas denúncias de abusos por parte da Polícia Militar. Até que, no fim da semana passado, o Ministério Público entrega o relatório ao jornal O Estado de S. Paulo. Depois disso, os jornais vêm publicando uma sequência de “descobertas” feitas por meio da escuta de conversações telefônicas de integrantes do PCC. A reportagem mais recente é justamente a da Folha, que fala sobre os supostos planos da organização criminosa de se infiltrar nas manifestações de rua.
Com o dedo no gatilho
Vejamos, então a sequência dos fatos mais recentes: com base em fragmentos de conversas, selecionados numa grande amostragem de gravações, o Ministério Público produz o mapa do crime organizado, que, segundo esses dados, congrega mais de 11 mil criminosos profissionais, cujas ações permitem arrecadar cerca de R$ 120 milhões por ano.
A grande maioria desses delinquentes está na cadeia, cumprindo penas, mas há cerca de 2 mil atuando nas ruas. Trata-se de um verdadeiro exército, bem armado e disciplinado, com táticas definidas e uma linguagem própria. Eles elegem políticos e já teriam até mesmo tentado infiltrar o irmão de uma advogada da quadrilha como funcionário de confiança no Supremo Tribunal Federal. Mas sua grande vantagem é a relação promíscua com agentes públicos, que também seria objeto da investigação que vem sendo noticiada pelos jornais.
Há outros aspectos não explorados pela imprensa, como o serviço de “segurança” que a quadrilha vende a comerciantes e outras casas de negócio. Mas isso é ainda um terreno obscuro, no qual o empreendedorismo dos bandidos se mistura a iniciativas de outros provedores do mesmo serviço, ligados a policiais civis e militares.
Para entender o noticiário desconfiando, como fazem os leitores críticos, é conveniente observar a sequência das informações liberadas pelo Ministério Público, ou seja lá qual for a fonte real dos jornalistas.
Primeiro, revela-se o mapa do poderio dos criminosos. Depois, afirma-se que os bandidos haviam planejado assassinar o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Finalmente, anuncia-se que criminosos pretendem se infiltrar nos protestos de rua para matar policiais.
Aonde nos leva essa sequência?
Claramente, ela se inicia em uma circunstância criada pelo próprio governo, em 2002, no primeiro mandato de Alckmin, quando o PCC passou a dominar os presídios e as comunidades onde não chega o poder público.
A rigor, tudo que se publicou desde sexta-feira, e que produz esse contexto perigoso, tem apenas uma fonte – difusa, impessoal e obscura –, o que autoriza o leitor crítico a suspeitar de uma ação política a orientar a liberação de informações para a imprensa.
Os jornais compram tudo pelo valor de face.
A ser levada a sério a suposta intenção dos criminosos de se infiltrar entre os Black Blocs para atacar policiais, temos o quadro perfeito para justificar uma proibição de manifestações públicas ou – pior – um cenário no qual os policiais militares irão para as ruas, durante os protestos, ainda mais tensos e com o dedo no gatilho.
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