Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que o livro é tão caro no Brasil?

O preço do livro no Brasil é efetivamente alto ou as editores conseguiriam produzir livros a preço menor? Nosso mercado é pequeno apenas por razões culturais ou o preço é fator determinante? Com a finalidade de responder estas perguntas, o Sul21 ouviu editores, livreiros e leitores a fim de conhecer suas opiniões e, inevitavelmente, seus cálculos, pois estamos em assunto que envolve não apenas a cultura.

João Pedro Dullius, proprietário da rede de livrarias Beco dos Livros, vende livros usados, novos e pockets. Ele afirma que “a diferença básica que existe entre o Brasil e os principais países europeus e os Estados Unidos é que lá, quando um livro é lançado, há duas versões: uma pocket, que vende milhares de exemplares e é para o consumidor comum, e a brochura, que é para aquela pessoa que tem poder aquisitivo maior ou para as universidades e bibliotecas. Os últimos são livros de melhor acabamento, ideais para serem consultados”. Peter, como é mais conhecido, completa dizendo que só passamos a ter livros baratos – normalmente clássicos – nos últimos dez anos, principalmente com a L&PM e a Martin Claret, que popularizaram o formato pocket, pois a Ediouro já fazia isso já há trinta, quarenta anos, só que foi criada a lenda de que os livros da editora não prestavam.

Carlos Antunes Dias, 47 anos e cliente da livraria, opina que os antigos livros da Ediouro quebravam facilmente a lombada, fazendo com que se transformassem num monte de páginas soltas com uma capa. “Isso não acontece com os atuais pockets da L&PM e da Cia das Letras. Os atuais são livros que podem ser lidos dobrados, segurando-os com uma mão só, sem quebrar. O acabamento é muito melhor do que o dos antigos da Ediouro”. Carlos pensa como Peter, acreditando que o duplo lançamento — em formato luxo e pocket — seria o ideal para a popularização do livro.

Tiragem baixa

Gustavo Faraon, responsável pela distribuição das editoras Não e Dublinense, ambas de Porto Alegre, diz que o motivo do alto preço do livro é das baixas vendas ou, para ser mais exato, das consequentes baixas tiragens. Ele sugere que consultemos o site Publish News na página que apresenta as vendas semanais de livros no Brasil. Na consulta que fizemos, o 20º livro mais vendido no Brasil na semana entre 27 de junho e 3 de julho chegou a parcos 1.139 exemplares e, ironicamente, era O Pequeno Príncipe, clássico de Antoine Saint-Exupéry escrito em 1943.

Faraon afirma que, se há algo que todos concordam “é com o fato de que o custo unitário do livro é inversamente proporcional à tiragem”. Então, um livro que tem uma tiragem de 1.500 exemplares e que tem o preço final de R$ 20 tem seu valor assim rateado: a distribuidora e o livreiro ficam com algo entre 45 e 60% do preço de capa, 10% são para o autor e o restante fica para a editora. Segundo Faraon, a única forma de baixar o preço final é aumentar a tiragem – reduzindo o custo unitário de produção – e fazer uma boa negociação com os distribuidores. Só que o aumento da tiragem também faz crescer o investimento no projeto de um livro e muitas editoras pequenas não têm condições de aguardar o tempo necessário de retorno do investimento, que muitas vezes ultrapassa um ano.

Peter Dullius, da Beco dos Livros, vem ao encontro de Faraon ao afirmar que não se chegará a nenhuma conclusão verdadeira se o processo de formação do preço for analisado de trás para frente. “O preço se forma na origem. Tudo é definido pelo custo de produção, sobre o qual serão jogados os percentuais para se chegar ao preço final. A livraria ganha entre 30% e 35%, o autor ganha 10% em média, e o distribuidor, entre 15 e 20%. Não há impostos, o livro é imune desde os anos 50 por lei. As livrarias só pagam os encargos sociais da folha de pagamentos e o Simples, que depende do faturamento. Mas tudo começa na produção”.

Tito Montenegro, da Arquipélago Editorial e vice-presidente do Clube dos Editores do Rio Grande do Sul, confirma e amplia: “Só temos lucros quando da reimpressão de algum livro. Quando um livro tem uma tiragem de menos de 1.000 ou 1.500 exemplares, só nos ressarcimos dos custos. Acima de 2.000 já conseguiremos obter lucro, pois o custo unitário começa a cair, e nas reimpressões também, pois neste caso o livro está pronto”.

Gustavo Faraon rejeita a ideia do livreiro Peter e do leitor Carlos a respeito das duplas edições de brochuras e pockets. “Seria muito caro gerar duas edições”.

O próprio Peter Dullius acaba por ir contra sua ideia de livros mais simples e baratos contando uma história. “Certa vez, uma Secretária de Cultura de uma pequena cidade do interior veio na Beco comprar as Obras Completas de Erico Verissimo. Apresentei-lhe aquela coleção de capa cinza, dura, de papel amarelado. As páginas eram amareladas não por velhice, eram assim mesmo. Hoje os livros de primeira linha não têm mais páginas 100% brancas. Custava R$ 300. Ela olhou, fez cara de nojo e disse que os vereadores não iam gostar daqueles livros de papel com jeito de velho. Acabou pagando R$ 1.000 por uma edição com as folhas bem branquinhas, daquelas que fazem mal aos olhos, coisa de quem não lê. Brasileiro gosta de coisa nova e cara”.

Inflação de demanda

Dullius reclama que “quanto mais o produto vende mais o preço aumenta. Há a famosa inflação de demanda, o produto não barateia. Os livros do Chico Buarque custam o mesmo do que o do autor estreante, é um absurdo que só será quebrado quando a primeira editora aceitar ganhar menos”. Tito Montenegro tenta explicar citando um exemplo: “Paulo Coelho começou a fazer sucesso no período em que estava na Editora Rocco. Há a lei da oferta da procura. Seus livros estavam vendendo absurdamente. Para que baixar o preço do que vendia muito? O resultado é que, naquele período, a Rocco não apenas lançou muitos autores novos como trouxe para sua lista de autores gente como Ian McEwan, ou seja, o fato da editora ter obtido lucro com Paulo Coelho serviu para que crescesse e investisse em novidades”.

Enquanto livreiros e editores não se entendem, o leitor Carlos Dias constata desconsolado: “Eu lembro daquela vez que o Lobão fez e vendeu o próprio álbum a cinco reais em bancas de revistas. Queriam apedrejá-lo. Isso não interessava às gravadoras. Sobre os livros, acho que temos uma massa de potenciais leitores que não podem consumir livros ao preço de 40 ou 50 reais, mas que podem pagar a metade”.

Temos?