Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando a política supera o decoro

Os jornais fizeram no fim de semana uma intensa cobertura dos funerais do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e ofereceram abundantes opiniões sobre como sua morte poderá alterar a disputa pela Presidência da República.

No domingo (17/8), concentraram-se as apostas no potencial de votos da ex-senadora Marina Silva, provável sucessora de Campos na cabeça da chapa do Partido Socialista Brasileiro. Na segunda-feira (18), a manchete do Estado de S.Paulo sintetiza o que representou o cortejo que levou o esquife do candidato falecido ao cemitério: “Campos é enterrado em clima eleitoral”.

Desde a chegada dos restos mortais do ex-governador à sua cidade, a política escancarada havia sobrepujado o decoro do luto; a começar pela própria família, todas as manifestações misturavam a dor da perda com o cenário eleitoral. Entre todas as personalidades citadas pela imprensa, Marina Silva era, de longe, a mais discreta – ainda mais distanciada do debate político do que a própria viúva, Renata Campos.

Nas muitas vezes em que os jornalistas usaram a palavra “comoção”, seu sentido estava ligado ao potencial de intenções de voto que a tragédia pode produzir ou desmanchar em cada um dos lados da disputa.

Como se disse aqui na quinta-feira (14/8), dia seguinte ao do acidente aéreo em Santos (ver “O imponderável assombra a imprensa”), o impacto emocional da morte prematura e inesperada elevou as chances do PSB, afetando principalmente os quadros de indecisos e dos que não se sentiam representados por nenhuma das alternativas disponíveis. De repente, as redes sociais se encheram de brasileiros que se declaravam eleitores de Eduardo Campos – e parte desse patrimônio póstumo pode muito bem sobreviver ao primeiro momento de espanto e consolidar Marina Silva como a escolha mais viável da oposição.

Também se afirmou aqui que o dilema da imprensa, explicitamente devotada a eleger o candidato do PSDB Aécio Neves, era alavancar a candidatura de Marina Silva, torcendo para que ela não disparasse como alternativa principal à atual presidente da República. O número mágico se localiza em torno dos 20%, patamar que define o potencial até aqui revelado pelo ex-governador de Minas Gerais.

Pergunta maliciosa

Pois bem: na edição de segunda-feira (18/8), a Folha de S. Paulo traz em manchete o resultado da coleta de intenções de voto feita pelo Instituto Datafolha nos dois dias seguintes à tragédia que matou Eduardo Campos. Basicamente, os gráficos mostram que Marina tem mais que o dobro dos votos que eram atribuídos a Campos, e supera Aécio Neves na segunda colocação entre os candidatos, ainda que dentro da margem de erro.

Com todas as restrições que se possa fazer ao movimento oportunista do jornal, discretamente criticado por representante do Ibope, deve-se observar esses números em seu contexto específico, ou seja, eles representam um momento em que a emoção supera a reflexão.

No Estado de S. Paulo, o colunista José Roberto de Toledo registra que a pesquisa é um fato político em si, ou seja, interfere na campanha ao inflar o cacife de Marina Silva. Essa afirmação também faz sentido, e ajuda a entender como os jornais usam as pesquisas para influenciar futuras pesquisas. No entanto, alguns detalhes da apressada consulta do Datafolha mostram como esse quadro tende a mudar rapidamente.

Em primeiro lugar, é preciso observar que a principal revelação da pesquisa Datafolha feita sob o impacto imediato da morte de Eduardo Campos favorece inequivocamente a presidente Dilma Rousseff, que ganhou 6 pontos percentuais na avaliação francamente positiva de seu governo. A avaliação “francamente positiva” se refere aos que consideram o governo “ótimo ou bom” – e esse número subiu na exata proporção em que caiu o total dos que achavam o governo “ruim ou péssimo”, item que se reduziu de 29% em julho para 23% na semana passada.

Pode-se suspeitar que o Datafolha tenha agido com certa malícia ao incluir a pergunta sobre a avaliação do atual governo em meio às consultas sobre intenção de voto, uma vez que essa questão se desloca do contexto que se pretendia capturar.

Embora sejam vistos como retrato do momento emocional, os números podem mostrar um ponto de mutação na disputa. O oportunismo da Folha, ao destacar em manchete a ascensão de Marina, é um tiro na candidatura de Aécio Neves.