Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Quem detona a bomba

O movimento de protesto contra a realização da Copa do Mundo é tema de reportagens em diversas seções dos jornais desde o fim de semana: pode ser fator de instabilidade econômica, preocupa marqueteiros de campanhas eleitorais e mobiliza analistas que tentam entender o rescaldo de protestos que paralisaram as principais cidades do país em junho passado, no rastro do ativismo contra as mazelas do sistema de transporte público.

O episódio mais recente envolve o disparo de morteiro que feriu gravemente um cinegrafista da TV Bandeirantes, durante protesto na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, na quinta-feira (6/2). O noticiário de segunda-feira (10) envolve a prisão temporária do tatuador Fábio Raposo Barbosa, de 22 anos, que se apresentou à polícia no sábado (8), confessando ter entregue a bomba ao homem que a disparou.

Parte das discussões na imprensa roda em torno da hipótese de o jovem preso ser participante de um grupo organizado; o termo de detenção do acusado registra que ele seria ligado ao deputado do PSOL Marcelo Freixo, provável candidato a senador.

Os textos envolvem uma grande mistura de elementos, mas um deles, talvez o mais importante, é citado apenas indiretamente pelos jornais: o fato de que os ativistas mais violentos, aqueles que carregam artefatos incendiários ou explosivos em manifestações, agem de maneira organizada. Mas sua “organização” tem sinais claros de amadorismo. O fato de um ativista engajado em tarefa importante exibir uma fartura de tatuagens capazes de escancarar sua identidade é apenas um dos sinais desse amadorismo.

Como já foi relatado neste Observatório (ver “Qual o limite dos protestos?”), a respeito de protesto ocorrido no dia 25 de janeiro em São Paulo, há uma organização estruturada por trás das ações radicais que acompanham todo tipo de passeata que ocorre nas grandes cidades.

O problema, que denuncia os riscos potenciais desse grupo que se agrega automaticamente às mobilizações de todos os tipos, é justamente a facilidade com que se pode identificar os “raposos” tatuados que atuam como “municiadores”, comparada à dificuldade para identificar aqueles que atiram as bombas.

Um enigma nos protestos

Há nesse episódio alguns fatores interessantes que merecem ser mais explorados: por exemplo, telefonemas recomendando que o jovem tatuado assuma integralmente a responsabilidade pelo ataque ao cinegrafista, mostram que os organizadores desses ataques fazem avaliações precárias do contexto, uma vez que há imagens mostrando Fábio Raposo entregando o artefato ao homem que o disparou. Portanto, há um núcleo coordenando as ações que se convencionou chamar de Black Bloc, mas esse suposto cérebro não parece primar por um raciocínio brilhante.

Muitos jornalistas que se manifestam nas redes sociais digitais estranharam o fato de o Jornal Nacional, da TV Globo, ter dedicado no sábado (8/2) um tempo extraordinariamente longo à identificação do jovem ativista, e representantes dos coletivos chamados Mídia Ninja buscam razões ocultas para o grande interesse da Globo em ligar o portador do explosivo ao deputado Freixo.

Tudo isso compõe um conjunto de fatos que são atirados sobre o público, sem explicações e sem um fio condutor que ajude a formar uma opinião fundamentada.

É certo que as futuras manifestações contra a realização da Copa do Mundo são os eventos com maior potencial para degenerar em atos de violência, entre todas as pautas que têm sido levadas às ruas. Também já ficou claro, pelo que tem sido noticiado, que os manifestantes mobilizados para esse objetivo não formam grandes multidões, mas têm sido capazes de produzir muitos estragos e ganham importantes espaços na mídia.

Resta saber a que propósitos servem tais mobilizações, considerando-se que a Copa deve se encerrar a três meses das eleições, momento crucial para a definição das preferências do eleitorado.

Por um lado, autoridades encarregadas de decifrar o enigma dos protestos não têm se mostrado capazes de traçar um perfil de seus organizadores ou de prevenir a violência: na verdade, a única ação oficial é a repressiva. Por outro, a imprensa brasileira, pelo menos aqueles veículos que dominam o cenário da mídia, já mostraram em outras ocasiões como são capazes de manipular os acontecimentos em função de suas preferências políticas.

A bomba está armada em algum lugar. Identificar quem acende o pavio é relativamente fácil. Difícil é denunciar quem ganha com isso.